quarta-feira, 21 de maio de 2025

A 2ª Edição Ainda Não É Old School [Módulo OSR O5]

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em outubro de 2022)

“O ponto é a cultura que motivou a 2E. Não foi uma anomalia do Zeb Cook, ele só era um indivíduo proeminente imerso na cultura geral entediante pra caramba de ‘salve, minha dama’, viciado em sálvia, nag champa e mato de bruxa.”EOTB

“Por que tanta grosseria?”, pergunta o homem que convida o mundo inteiro para dentro da grande tenda, até que o barulho lá dentro vira uma cacofonia desagradável, o lixo se acumula, o local é destruído, os mastros da tenda são arrancados por pessoas barulhentas que não acreditam que tendas precisem de mastros, e toda a estrutura desaba num espetáculo feio. Muitos casos assim. Depois do Inimigo Artpunk, voltemo-nos agora para a ameaça sinistra da segunda edição.

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Terrível...

Quando algo decola e se torna bem-sucedido, invariavelmente você atrai muito interesse, e muitas pessoas que querem se envolver. Sucesso é contagioso. As pessoas que se envolvem convidam outras pessoas também interessadas, e estas, por sua vez, também convidam outras, que talvez estejam só mais ou menos interessadas na coisa em si, mas muito mais interessadas em fazer parte de uma multidão. No entanto, as fronteiras definidoras do que tornava aquela coisa específica tão interessante em primeiro lugar também começam a ficar borradas. Definições são formuladas e debatidas, casos-limite são testados, e você acaba com uma espécie de fronteira difusa entre “isso é a coisa” e “isso não é a coisa”. É útil não definir demais. Se você tenta fazer uma definição à prova de falhas, acaba deixando de lado muita coisa boa que não é exatamente “a coisa”, mas que é realmente muito boa. O policiamento da pureza é cego. Ele não verá Encounter Critical como um texto inspirador do old school, mesmo que EC tenha precedido o OSRIC, e inspirado muitas das ideias que hoje definem o movimento old school bem mais do que vários módulos de segunda categoria da TSR.

Você também acaba com pontos cegos cognitivos onde sua própria definição vai te enganar. Por exemplo, partes da comunidade old school são tão apegadas ao purismo do B/X e ao seu jogo baseado em procedimentos (“o ciclo de jogo”) que acabam ignorando o AD&D [2], e com isso a verdadeira tradição definidora da era clássica [3]; além de negligenciar o OD&D, o caldo primordial caótico de criatividade desenfreada que nos deu os experimentos mentais estranhos que agora valem a pena ser revisitados e reconstruídos. Em comparação, Moldvay/Cook é bom, mas eventualmente você vai se deparar com suas limitações se não usar a jurisprudência do AD&D para interpretá-lo [4]; e BECMI é um jogo insosso que alisa tanto as arestas que nada de interessante sobra. BECMI é o SKUB [n.t.; algo sem graça e insignificante] do D&D. E então temos a 2e [Segunda Edição de Advanced Dungeons & Dragons].

Nos últimos anos, vemos uma abordagem comum para definir “OSR” como sendo um único continuum que foi rompido quando a Wizards of the Coast reformulou o sistema de D&D e lançou os livros da 3e [Terceira Edição de Dungeons & Dragons]. Desde que você esteja do lado “TSR” da divisão, você é OSR. Existem argumentos convincentes que apoiam essa posição, ao menos superficialmente. Há compatibilidade mecânica. As pessoas podem ser tribais em relação a OSE vs. B/X vs. S&W vs. LL (são todos praticamente a mesma coisa), mas, ao respirar fundo, você percebe que é possível converter material entre esses sistemas com esforço mínimo. Mesmo no pior dos casos, as lacunas nunca serão intransponíveis. Os conceitos de jogo são reconhecíveis em todo o espectro. O vocabulário é comum. Há uma continuidade pessoal ao longo dos anos da TSR (embora os pontos finais quase não tenham conexão entre si – David Sutherland, Skip Williams e Jim Ward foram os principais nomes presentes do começo ao fim). Existe também uma teia de referências que formam o “lore” do D&D (este é um termo cintilante de feira medieval mágica que estou usando apenas para expressar meu total desprezo por ele), exemplificado por coisas como os drow, beholders, o sistema planar ou a mão de Vecna.

O Pior Encontro de Todos os Tempos...

No entanto, é precisamente nesse ponto que perdemos a clareza da nossa visão, e com ela a capacidade de nos distinguirmos e argumentarmos em favor das coisas que realmente valorizamos. Mesmo havendo uma miríade de ligações entre o D&D old school e a 2ª edição, essas ligações existem para serem rompidas, e o teste do TRV OSR Talibã é a mão firme e o olhar afiado ao desferir o golpe. Com toda razão! O jogo old school não veio para louvar a 2e, mas para enterrá-la; foi claramente estabelecido por caras que odiavam as entranhas da 2e tanto quanto – ou até mais do que – as da 3e. Mais do que essa antipatia, o jogo old school é uma rejeição deliberada do legado da 2e, um estilo e uma escola de pensamento que se posicionaram como opostos polares dela em estética, foco, princípios de design e estilo de mestragem. Seus defensores viam a 2e como uma casca corporativa, insossa e corrompida do espírito original do D&D, e sentiram como um gole d'água pura de nascente ao finalmente poderem retornar ao que viam como o gênio enterrado daquelas origens criativas. É por isso que se chama old school, afinal: do ponto de vista de 2022, todo D&D da TSR pode parecer antigo, mas para quem estava nos anos 2000, início e meio da década, a era da 2e ainda era uma ferida relativamente recente, e de forma alguma era vista como algo que valesse a pena preservar.

Agora, isso provavelmente soa um tanto extremo. “O Talibã OSR” não era um termo carinhoso. Alguns dos debates em torno do surgimento do jogo old school foram feios, amargos e rancorosos. Mas a clareza muitas vezes é assim. Não se desafia o senso comum sem conflito criativo. Não se pode jogar “do jeito certo” sem também identificar o “jeito errado”. No fim das contas, o jogo old school prosperou nesse ponto de cisão. Iluminou uma abordagem negligenciada de jogar, estabeleceu sua identidade distinta e ganhou imensas energias criativas no processo. Essas energias ainda o impulsionam, embora muito do ímpeto naturalmente tenha se esgotado com o tempo ou se tornado difuso.

Vamos agora fazer uma breve tentativa de explicar onde estão os pontos de discordância. Há muitos detalhes que são incidentais, ou que têm pouca importância por si só, mas que se acumulam por meio de mudanças pequenas e sutis. Em vez disso, vamos tentar olhar para o coração da coisa: duas visões de (A)D&D que, à distância, parecem muito próximas, mas que, num olhar mais atento, estão muito afastadas. Não são comparações detalhadas; tentam, antes, captar a essência de cada uma, e por que elas não são intercambiáveis.

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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Como o D&D pode Aliviar a Depressão e a Ansiedade ou Por Que Voltar a Usar seus Livros e Mestrar

(Publicação, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em maio de 2025)

"Como Dungeons & Dragons salva vidas: pesquisadores descobriram que pessoas que jogam D&D demonstram melhorias em sua saúde mental. Os pesquisadores James Cook e Alyssia Merrick lideraram o estudo sobre o jogo de mesa que requer imaginação. Merrick disse que participantes mostraram diminuição significativa em depressão, estresse e ansiedade, e melhorias significativas em autoestima e auto eficácia  durante o período do estudo..."
Gostaria de tocar num assunto que normalmente não é muito abordado, pois acredito que minha experiência possa servir de incentivo a outras pessoas que adiam o início nesse hobby ou mesmo seu retorno a ele. Na imagem, a chamada da matéria pode parecer sensacionalista ou até exagerada, mas não se enganem, não há exagero nas palavras: o clássico RPG [1] chamado D&D [2] de fato, me salvou, e essa qualidade terapêutica do jogo, vem sendo divulgada recentemente com maior frequência. Temos cada vez mais pesquisas tratando sobre isso, assim como esse estudo da Doutora Merrick, revelando que os jogadores "experimentaram a diminuição da depressão, ansiedade e do stress durante o período" no qual jogaram D&D.

Não vou entrar nos pormenores da minha condição. Basta dizer que tenho lutado contra um forte sentimento de luto, aliado a outras questões pessoais que me levaram a um quadro de depressão profunda, posteriormente desenvolvendo também ataques de pânico, ansiedade e alienação. Essa condição aparentemente foi agravada na pandemia. Nesse período, senti vontade de reler alguns livros de RPG que não via a tempos e acabei desenterrando da minha estante meu material de AD&D 2nd Edition [3] usados quando comecei a jogar em 1989. Após apreciar a leitura dos meus livros antigos que estavam guardados, fui além e decidi ler a então recém-lançada aventura Curse of Strahd: estava curioso para entender o que é que a equipe da WotC [4] fizera com a história clássica de Strahd [5], jogada e estimada por mim durante seus releases originais nos tempos da TSR [6]. Eu não tinha ideia de que a leitura da aventura abriria uma caixa de pandora. Foi então que a ideia me veio, após alguns dias lendo o novo módulo: como a clausura ainda levaria um tempo para acabar, esse poderia ser um momento perfeito para voltar a jogar, agregando a família, no contexto da pandemia, esposa e filho, únicos que poderiam participar das sessões já que estávamos em reclusão sanitária. Portanto, abracei a missão de converter a aventura para que pudesse ser jogada usando o sistema 2nd Edition.