(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em abril de 2011)
"Quem vigia os vigilantes?" |
Este documento de uma página foi incluído pela primeira vez em Sword and Magic: Adventures on Fomalhaut como uma espécie de “declaração de missão”, com a intenção de oferecer uma visão pessoal sobre o jogo no estilo old school. Ele é conscientemente específico e altamente subjetivo. Semelhante ao The Quick Primer for Old School Gaming de Matthew J. Finch [2] ou aos Philotomy’s Musings [3], ele representa uma abordagem possível de como conduzir e jogar jogos old school de uma maneira que achamos gratificante em nossas campanhas. Recentemente, percebi que isso pode ser de interesse, independentemente do sistema em si, então estou repostando-o aqui. Tudo o que se segue é uma opinião pessoal não impositiva.
Simulação guiada pela imaginaçãoNo fundo, RPGs nos proporcionam cenários de "o que acontece se". Ver as consequências das ações realizadas por personagens imaginários em um contexto inventado (mas até certo ponto internamente consistente) pode ser a definição original de "jogo de interpretação de papéis", anterior ao seu significado atual, que tende a implicar "assumir papéis", uma espécie de identificação com os personagens e o cenário imaginários.
Sword and Magic defende a simulação imaginativa: a tomada de decisões ousadas e a observação de suas implicações físicas e morais no mundo do jogo. É melhor imaginar um encontro, aventura ou campanha, como um sistema onde toda ação relevante tem suas consequências, e há uma cadeia infinita de causalidade à medida que são reintegradas na campanha e no mundo: ação -> reação -> ação -> reação, etc. O objetivo final é o envolvimento dos jogadores: os encontros devem capturar a imaginação do grupo, incentivá-los a agir e aprofundar seu envolvimento não apenas com sua situação específica, mas também com a aventura e a campanha como um todo.
Como Sword and Magic trata de aventuras fantásticas, em vez de realidades simples e convencionais, é apropriado ter uma tendência a eventos maiores que a vida e usar as ações dos PCs para gerar instabilidade e mais conflito (nesse sentido, os PCs podem ser vistos como agentes de mudança, como na analogia de Leigh Brackett para o veneno introduzido em um sistema vivo). Ainda assim, o GM deve interpretar as ações de maneira justa e apresentar, na maior parte das vezes, consequências plausíveis – dentro do contexto de um cenário fantástico, onde nem tudo pode ser estritamente lógico.
Contexto por meio da interação
Muitos jogos de RPG dedicam considerável esforço às complexidades dos mundos de fantasia. A abordagem sugerida por Sword and Magic é começar com pinceladas amplas e deixar que os detalhes surjam ao longo do jogo.
À medida que os personagens entram em contato com seu ambiente (que inclui o mundo físico do jogo com seus NPCs e monstros, mas também suas sociedades, ideologias e estruturas de poder), o próprio processo de interação preenche muitas das áreas em branco. O GM pode extrapolar os detalhes a partir de uma ideia geral ou anotações vagas (por exemplo, uma cidade no deserto implica na importância de seus poços), ou ajustar detalhes improvisados/gerados aleatoriamente de forma sensata no mundo (por exemplo, uma megaconstrução piramidal gerada aleatoriamente em uma cidade helênica pode implicar origens pré-históricas, fantásticas ou alienígenas, o que, por sua vez, poderia influenciar como os habitantes locais veem sua presença).
Por meio desse processo, o ambiente se torna mais complexo, a ação começa a envolver mais atores e interesses, e a campanha desenvolve novos ganchos de aventura e contextos para interação.
Nesse modelo, o jogo não tem limites estritamente definidos; o que importa é manter uma aparência de consistência interna e uma cadeia ininterrupta de causalidade. O mundo em si é aberto, contínuo, sem limites absolutos: se você for até o fim do que "existe", ele se expande. O jogo pode até mesmo se estender para novas formas de interação com a realidade alternativa imaginada. O método, se bem utilizado, pode manter um grau significativo de consistência interna, evitando ao mesmo tempo a produção em massa de detalhes mundanos irrelevantes, mas demorados.
Fluxo e fluidez
Muitas campanhas e sistemas, tanto old school quanto new school, são desnecessariamente rígidos em seus procedimentos ou na interpretação do que os personagens podem fazer e que formas de ação são possíveis. Isso prejudica o fluxo do jogo e restringe as ideias que levam às aventuras mais interessantes.
Como GM, é melhor ser generoso com as regras e permitir que os personagens tentem ações que possam ser lógicas de sua perspectiva. No combate, mas também na resolução de problemas e na definição do rumo da campanha, limites frouxos incentivam ações imaginativas e a tomada de riscos. Aventuras que são abertas e fluem naturalmente para outras aventuras, e campanhas que surgem de maneira orgânica, proporcionam uma experiência boa e memorável.
A fluidez também é incentivada pelo uso de graus variáveis de sucesso e falha. Embora a ameaça de falha (ou sucesso) súbita e total possa criar uma tensão bem-vinda, muitas vezes é melhor ser mais gradual: um personagem perdendo o equilíbrio em uma encosta traiçoeira pode, no primeiro erro, rolar pela ladeira e sofrer 2d6 de dano; em outra falha, perder metade do conteúdo de sua mochila; e só então despencar para sua desgraça. Os mesmos princípios se aplicam a encontros sociais e confrontos – na verdade, especialmente a encontros e confrontos sociais.
Naturalismo vs. Surrealismo
As seções anteriores defenderam campanhas que sejam internamente consistentes e não se desmoronem sob um pouco de escrutínio. No entanto, a fantasia também trata de coisas fantasiosas, estranhas e inesperadas (de uma forma que um Magic Missile ou um orc já não são mais para jogadores veteranos), e talvez seja em seu melhor momento quando os detalhes fantásticos contrastam com um pano de fundo geralmente plausível. Nos subterrâneos, áreas selvagens, terras dos sonhos e planetas hostis de uma realidade imaginada, a fantasia e a consistência interna não são categorias mutuamente exclusivas; ao contrário, são justapostas para criar uma sensação de estranheza e maravilha.
Esses elementos de surrealismo geralmente são melhores adicionados por meio de associações livres e soltas: no templo em ruínas de adoradores de macacos na selva, pode-se encontrar não apenas depósitos e armadilhas mecânicas adequadamente deterioradas, mas também câmaras de sacrifício cheias até o teto com crânios, espelhos mágicos que transformam os reflexos dos personagens em monstros símios hostis, um ídolo que controla mentes, e uma torre entre o passado e o presente onde estranhos acordos podem ser feitos.
O objetivo não é criar algo que seja mundano e governado por uma lógica natural estrita, nem uma total irrealidade: ao contrário, uma síntese onde o primeiro fornece base suficiente para apreciar a estranheza do segundo.
∞ Gabor Lux ∞
∴
1. https://fomalhaut.lfg.hu/2011/04/08/the-alternate-primer-for-old-school-gaming/
2. Quick Primer for Old School Gaming, de Matthew Finch, traduzido pelo Café com Dungeon
3. https://save.vs.totalpartykill.ca/grab-bag/philotomy/
Nenhum comentário:
Postar um comentário