(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em setembro de 2008)
Eu me refiro, de vez em quando, a um conceito chamado “Naturalismo Gygaxiano”. Percebo que nunca expliquei realmente o que quero dizer com essa frase. Como eu uso o termo, ele se refere a uma tendência, presente nas regras do OD&D (Original Dungeons & Dragons) e que atinge seu auge no AD&D (Advanced Dungeons & Dragons), de ir além da simples descrição de monstros como oponentes/obstáculos para os personagens dos jogadores, dando-lhes mecânicas de jogo que servem pouco a não ser para situar esses monstros no mundo da campanha.
Esse naturalismo pode assumir muitas formas. Por exemplo, o OD&D frequentemente nos diz que para cada X número de monstros Y, há uma chance de que o monstro Z também possa ser encontrado em seu covil. No caso dos djinn e efreet, como outro exemplo, descobrimos que ambos podem criar comida nutritiva e bebidas potáveis, além de muitos outros tipos de materiais por meio de seus poderes inatos. No AD&D, essas coisas são amplamente expandidas, com o Monster Manual nos dizendo quantas fêmeas e crianças podem ser encontradas em um covil de monstros e dando a muitas criaturas poderes e habilidades que não servem a um propósito especificamente voltado para o combate, como a habilidade de um pixie de saber o alinhamento, por exemplo.
A intenção por trás do Naturalismo Gygaxiano é pintar o retrato de um mundo “real”, ou seja, um mundo que existe por razões além das puramente voltadas para o jogo. A implicação é que os monstros têm vidas próprias e, portanto, seguem com seus afazeres, fazendo várias coisas até encontrarem os personagens dos jogadores. O que exatamente eles fazem é descrito por meio de mecânicas de jogo, seja pelo número de não-combatentes em um covil ou pelas habilidades similares a feitiços que ajudam o monstro a fazer o que ele naturalmente faz quando não está enfrentando um grupo de aventureiros.
Uma consequência do Naturalismo Gygaxiano é que ele ancora o D&D um pouco mais em uma pseudo-realidade. Não quero dizer que é realista em nenhum sentido significativo, apenas que sua fantasia segue leis “naturais” de certo modo, da mesma forma que, por exemplo, sei que há esquilos, guaxinins e coelhos no meu bairro, que seguem suas vidas quando não os estou vendo no meu quintal ou os afastando das minhas lixeiras de reciclagem. É por isso que o AD&D tem estatísticas para tantos tipos de animais “comuns”: você não pode construir um mundo “real” sem estatísticas para ovelhas, vacas, cavalos e afins, porque nunca se sabe quando os PJs (personagens dos jogadores) podem precisar matar um.
O resultado final disso é que a fantasia Gygaxiana é uma simulação — uma simulação fantástica, é claro, mas, ainda assim, uma simulação. O lado negativo é que é um tipo muito específico de simulação e carrega consigo muitas suposições e expectativas que nem todos compartilham. Eu conheço muitos jogadores de OD&D, por exemplo, que não gostam de orcs “naturalistas”, preferindo vê-los como seres gerados por uma gosma negra que borbulha no submundo mítico [2] que é a dungeon. Da mesma forma, a tendência de fornecer estatísticas para tudo é autoperpetuante, atingindo seu ápice na 3ª edição, na qual o jogo quase literalmente descreveu todas as coisas concebíveis com as quais o personagem poderia interagir. Nem é preciso dizer que alguns acham isso exagerado, eu incluso.
O Naturalismo Gygaxiano sobreviveu ao envolvimento de Gygax no desenvolvimento de Dungeons & Dragons e formou uma das bases criativas mais importantes, mesmo que muitas vezes inconscientemente, do jogo em sua segunda e terceira edições. Minha leitura da edição mais recente [4ª ed.] é que ela rejeita amplamente o Naturalismo Gygaxiano sem adotar a alternativa oferecida por algumas interpretações do OD&D, optando, em vez disso, por um modelo completamente diferente. Eu mesmo bebi profundamente das fontes do Naturalismo Gygaxiano, então agora é algo natural para mim. Não vou ao ponto de dizer que a abordagem de Gary é inseparável do D&D, porque certamente esse não é o caso, mas direi que está tão profundamente enraizada — mesmo no OD&D, especialmente se você adicionar os suplementos — que, ao removê-la, é muito provável que o efeito seja a criação de um jogo completamente diferente — certamente diferente daquele que foi chamado de D&D durante a maior parte da existência do jogo.
∞ James Maliszewski ∞
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1. https://grognardia.blogspot.com/2008/09/gygaxian-naturalism.html
2. https://dustdigger.blogspot.com/2024/09/sobre-masmorra-como-um-submundo-mitico.html
O objetivo aqui não é reproduzir um ecosistema preciso como o nosso. Não é necessário ter conhecimentos profundos em biologia.
ResponderExcluirO Gygax apresentou esse conceito para popular o mundo fantástico. Indiciar onde existem recursos (comida, água), animais e consequentemente os monstros que podem usufruir disso - fundamentais para indicar um possível covil - onde existe uma grande chance de encontrar tesouros (XP nas edições antigas).
Bem colocado, camarada. Obrigado pela contribuição. Abraço!
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