(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em setembro de 2016)
"Os Fossos de Sal..." |
Às vezes, uma boa ideia é tão simples que as pessoas não conseguem evitar complicá-la. Geralmente, funciona assim: algumas pessoas descobrem (ou redescobrem) algo e percebem que é bom. Outras pessoas também gostam, mas adicionam seu toque pessoal. Um terceiro grupo chega muito depois, encontrando uma bagunça esotérica e impenetrável de ideias contraditórias. Não precisa ser assim. Uma campanha sandbox simples é muito fácil de criar.
Por mais que falemos sobre isso, no fundo, um jogo sandbox é apenas uma campanha em que os jogadores têm um alto grau de liberdade para influenciar o curso dos eventos. Essa liberdade é construída a partir de decisões individuais (“Seguimos as ordens do Jarl ou traímos seu plano para a Guilda dos Assassinos?”), passando por aventuras (“Gostaríamos de nos juntar à Guilda dos Assassinos. Aposto que eles pagam melhor. Vamos tentar conquistar a confiança deles fazendo esta missão.”) até ter uma influência decisiva sobre o tom, o conteúdo e a direção da campanha (“Queremos nos tornar os novos senhores de Orthil e de suas operações de mineração. Talvez possamos colocar as mãos nas terras vizinhas também. Que o Jarl e a Guilda dos Assassinos venham atrás de nós se ousarem!”). Um jogo sandbox significa soltar um grupo de jogadores no mundo do jogo para destruí-lo (ou serem destruídos por ele) à vontade.
Seguindo os três pilares do sandbox – escolhas, contexto e consequências – a campanha cresce através da interação. Quanto mais os jogadores se envolvem, mais profundidade, detalhes e conexões eles podem descobrir. Se o grupo continuar enfrentando o Jarl e a Guilda dos Assassinos, descobrirá a rede de influências deles na península. Se não interagirem com esse elemento, ele permanece em segundo plano, com detalhes vagos. A guilda ainda está lá, espreitando nas sombras, mas não precisamos saber sobre a misteriosa senhora que a lidera, nem onde e como operam. O Jarl é um nome que você ouve ser invocado com frequência, mas os personagens só interagirão com seus soldados e oficiais.
- Um mapa do território detalhando o mini-cenário onde a ação acontece, com bastante variedade geográfica, barreiras naturais e rotas mais/menos convenientes pela natureza para incentivar escolhas interessantes no jogo.
- Alguns centros de poder rivais, desde pequenas cidades-estado até vilarejos e fortalezas, descritos em algumas páginas manuscritas com foco em como se meter em encrenca ou embarcar em aventuras.
- Alguns locais de aventura simples; talvez duas ou três pequenas dungeons e um conjunto de ruínas menores e covis espalhados pelo mapa. Tem algumas dungeons de uma página que você gosta? Esta é uma boa oportunidade de usá-las.
- Algumas organizações que possam se envolver – seitas religiosas, guildas mercantis, até mesmo um ou dois grupos rivais de aventureiros.
- Boatos para guiar a ação e dar ideias aos jogadores, bem como algumas lendas de maior escala que podem se tornar mistérios centrais, a serem desvendados gradualmente.
- Seus procedimentos de jogo favoritos e regras opcionais para tornar a aventura no seu cenário um desafio constante.
E é isso. Parece intimidador, mas não precisa ser escrito de uma vez só – apenas deve ser escrito de forma um pouco diferente do que muitas pessoas estão acostumadas. Algumas das coisas que aprendi ao conduzir campanhas sandbox mais e menos bem-sucedidas destacam essas diferenças.
- Primeiro, sandboxes se beneficiam de cenários menores e modulares em vez de um único e grande. Claro, um calabouço central ou uma cidade-estado importante pode ser útil, mas a estrutura da campanha depende de variedade acima de tudo.
- Segundo, enquanto aventuras são frequentemente escritas com fortes implicações sobre como usá-las (o que funciona bem em jogos episódicos), o sandbox brilha quando há várias maneiras de um grupo de aventureiros entrar em contato com seus elementos. Uma vila viking pode ser um lugar para descansar e se reabastecer, vender um carregamento de saques ilícitos, arrumar problemas no salão comunal ou infiltrar-se em uma missão furtiva.
- Isso nos leva ao terceiro ponto: reutilização. Quando os elementos da campanha retornam repetidamente, isso cria continuidade e abre novas maneiras de vê-los e lidar com eles. Você não está apenas lutando contra um grupo de homens armados: está lutando contra os capangas do Jarl, que estão em sua trilha desde que você libertou aqueles escravos. À medida que as coisas interagem com os personagens e entre si, todo o sandbox cresce.
- Embora continuidade e conexão sejam importantes em outras estruturas de campanha (como jornadas ou missões), elas ganham vida em um cenário delimitado – seja por geografia, interesses dos jogadores (enfrentar muitos demônios em uma campanha de caça a demônios), ou qualquer outro fator.
- Seis: ideias relativamente simples podem criar combinações inesperadas. Muito do valor de um sandbox está no espaço entre os elementos do cenário, e no que cresce nesses "vazios". Proximidade cria vínculos, e vínculos sugerem interação. Os aldeões vivendo ao lado de um formigueiro gigante provavelmente querem que as formigas sejam expulsas. O Guerreiro de 5º nível e seu séquito ocupando a torre na floresta podem ter planos de dominar a aldeia e podem estar interessados nas ruínas do anfiteatro coberto de vegetação próximo dali.
- Sete: a viagem é uma parte importante da experiência. Viajar ajuda a conectar as coisas, estabelecendo proximidade e distância, e os procedimentos de jogo que você usa para viagens adicionam conteúdo. Eu usaria o sistema de hexágonos, embora pontos de travessia e outras abordagens também funcionem bem.
"Uma paisagem estranhamente familiar..." |
Existem vantagens e desvantagens em detalhar lugares, pessoas, organizações, etc., mas, no início, ter a maioria das coisas em linhas gerais faz mais sentido. Sempre é possível expandir uma ideia mais tarde – mas é útil que ela esteja presente desde o começo, permitindo conexão e crescimento. Reintroduzir elementos já existentes no sandbox cria coesão e gera novas oportunidades de aventura como nada mais.
Com o tempo, não é difícil gerar uma pequena pasta com pedaços modulares para usar no sandbox. Escrever um ou dois cenários ou locais pequenos por sessão, e um maior de vez em quando, resolve o problema. Em uma das nossas campanhas sandbox, ambientada em Wilderlands of High Fantasy [3] da Judges Guild, meus materiais de campanha eram assim:
- Slaughter in the Salt Pits: uma vila e suas minas de sal, governadas por um Clérigo maligno e seus asseclas. Um dos locais centrais; os jogadores acabaram tomando o lugar em uma sangrenta revolta.
- Wolfstone: uma vila mineira rival, governada por adoradores do fogo ordeiros, lar de uma feiticeira e um posto comercial onde apareciam muitos itens interessantes.
- Armagh: uma vila viking (duas páginas).
- Caravans: descrição de algumas grandes caravanas mercantis encontradas na península.
- Taxes and Death: quando você conquista uma pequena vila, os encontros aleatórios vêm até você. Diretrizes para esse tipo de situação.
- Strabonus: o local de descanso de um antigo senhor da guerra, agora habitado por gnolls saqueadores. Um calabouço que se tornou importante mais tarde.
- Attack of the Plant Monsters: um vale pantanoso cheio de tocas de monstros – ideal para pequenos objetivos de missão.
- Gnollwatch: algumas páginas sobre um forte dedicado a expulsar os gnolls da península, mas que agora virou um reduto de bandidos (pouco detalhado).
- The Smugglers of Cliff Point: cavernas escondidas dominadas por um grupo de contrabandistas.
- Prince Rafazin, the Lord of the Griffins: um refúgio montanhoso de um príncipe que fazia incursões com seu bando de grifos treinados.
- Zarthstone: uma pequena cidade dominada pelo culto de Palas Atena e por uma feira em seu nome, mas com um submundo sombrio. Múltiplas miniaventuras envolvendo ladrões.
- The Castle of Odo Ragnarök: castelo habitado por um senhor vampiro e seus cruzados corrompidos (pouco detalhado).
- The Temple of Odin: local de uma missão de assassinato que falhou miseravelmente (pouco detalhado).
- Underwater: uma cidade submersa em um lago (nunca detalhada além da ideia).
- Taman Hal, the Invisible Tyrant: uma lenda importante sobre um opulento palácio/túmulo subaquático (apenas conceito e rumores).
Isso parece muita coisa e muito trabalho, mas, na verdade, reflete apenas o ponto culminante de um arco de campanha. Quando o sandbox cresceu até atingir seu tamanho completo, ele já tinha conflitos políticos bem desenvolvidos, história local, lendas, personagens recorrentes e até mesmo um senso de coerência (apesar da tendência dos Wilderlands de misturar alegremente gregos, vikings, nômades a cavalo, Tolkien e muitas outras coisas ainda mais estranhas em um caos eclético). Assim como Roma, não foi construído em um dia, nem emergiu completamente formado da minha cabeça: em qualquer momento, o material em minhas mãos geralmente era “apenas o suficiente” para avançar antes que os jogadores me desmascarassem como uma fraude que não sabia o que havia no final daquela viela. Algumas das anotações foram detalhadas após as sessões em que os jogadores as encontraram, e outras permaneceram na forma de conceitos muito vagos que nunca foram desenvolvidos porque os jogadores não os descobriram. É tudo um pouco bagunçado, mal se encaixando, e foi escrito, em sua maior parte, às pressas ou durante longas viagens de trem entre minhas duas casas. É um monte de elementos díspares jogados juntos. Quando digo “barato e sujo”, é isso que quero dizer.
Certa vez, lá por 2006, pensei em transformar meu sandbox em um suplemento completo (Blackmarsh antes de existir o Blackmarsh), atualizado, ampliado e com os números de série raspados. Isso nunca aconteceu, exceto pela publicação de alguns componentes individuais ao longo dos anos (também não foi o primeiro caso [4]). Muitas vezes me perguntei por que – preguiça? Avançar para outras ideias que me empolgavam mais? Muitas contradições dentro do mini-cenário que eu já não conseguia reconciliar? Todas essas razões desempenharam um papel. Mas agora percebo que era algo diferente.
A magia daquela campanha estava naquela qualidade dinâmica difícil de definir, que ligava elementos geralmente estáticos e muitas vezes genéricos, reunindo-os em algo muito maior do que a soma de suas partes. Tratava-se realmente da forma como os elementos individuais interagiam e colidiam enquanto os personagens os atravessavam. Tratava-se de imediatismo, de coisas inesperadas e de nossa disposição mútua de brincar com as ideias. E é por isso que o suplemento não foi, e nunca será, feito. Talvez haja algo diferente em seu lugar; algo que incentive a colisão de muitas ideias diferentes e aparentemente incompatíveis, um saco de peças de mosaico que todos podem lançar ao ar para criar seus próprios padrões selvagens. “Auxílio à criatividade, não substituição da criatividade.” Agite tudo, reaproveite à sua maneira e não leve tão a sério.
∞ Gabor Lux ∞
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1. https://beyondfomalhaut.blogspot.com/2016/09/blog-dirt-cheap-sandbox.html
2. https://dustdigger.blogspot.com/2024/12/c-e-para-escolhas-choices-contexto-e.html
3. https://en.wikipedia.org/wiki/Wilderlands_of_High_Fantasy
4. http://fomalhaut.lfg.hu/2010/03/04/broken-wastes/
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