quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Ensinando Truques Velhos a Cães Velhos

(Tradução com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em março 2024)

Anthony Huso comenta um pouco sobre seu retorno ao AD&D1e e abandono dos jogos de RPG modernos...

Escrevi este post no blog há cerca de três anos:

Sinto que dei uma chance justa ao Pathfinder.

Dediquei um ano inteiro, de fato. E isso me ensinou algumas coisas, como que um CD 10 = sucesso automático, e um CD 15 = sucesso automático, e um CD 20 = sucesso confiável, e que um CD 25 raramente é difícil de alcançar, etc. [CD = Classe de Dificuldade]

Isso me fez perceber, ao longo de um ano, o quão insípidos os sistemas se tornaram. Eles parecem ter fobia de causar aos jogadores ou a seus personagens qualquer estresse significativo e, portanto, qualquer drama duradouro. A ideia de personagens realmente morrerem é um conceito quase inédito em um campo de batalha recheado de talentos, traços e testes de Classe de Dificuldade que raramente falham. Os totais de PV são espantosos, especialmente para magos. Os talentos funcionam como um banquete de habilidades que podem ser combinadas e adquiridas em intervalos regulares, sem qualquer consideração por uma economia de poder que (antigamente) era dada como recompensa pelo Mestre de Jogo (MJ) por um excelente desempenho — e não como parte de um processo autodirigido e com senso de direito ao avanço de nível.

Há maneiras de conter isso. Há formas de impor limites. Mas fazer isso é parecer mesquinho, autoritário e estar em constante atrito com o que está apresentado nas regras.

A quantidade de tempo de preparação que investi nas sessões foi enorme, mas prazerosa, e certamente não culpo meus jogadores. Ninguém se torna árbitro de RPG esperando que os jogadores compreendam ou valorizem o tempo investido. Você se torna árbitro pelo desejo de criar histórias, drama e mundos repletos de oportunidades para a criatividade.

Após nossa última sessão, no entanto, fiquei refletindo como o mago do grupo conseguiu, forçando os dados com alguns “mythic surges”, rastrear tão bem quanto qualquer ranger que já vi em jogo. Cheguei a murmurar para o ranger do grupo que sua classe era claramente desnecessária. Rimos, claro, mas o sistema de perícias e talentos permite que cada personagem seja um faz-tudo e mestre de muitos.

O ranger não estava com o mago quando este rastreou, mas a necessidade de contratar um rastreador, e assim ter interações significativas com NPCs, custos de recursos com dinheiro e afins, é eliminada se o personagem simplesmente puder fazer tudo sozinho. Quando as coisas são difíceis, quando é preciso ajuda para ter sucesso, surgem o drama e o suspense. Quando tudo é fácil, o interesse desaparece.

Tenho achado cada vez mais difícil me entusiasmar para a noite de jogo porque, independentemente de quão mesquinho o árbitro seja com magia, os jogadores basicamente têm acesso a seu próprio conjunto de poderes que considero mal balanceado, difícil de acompanhar e com foco não em encorajar o jogo cooperativo, mas em construir um poço de energia poderoso que zomba de qualquer um que o desafie.

É irônico que, nas páginas iniciais do Dungeon Master’s Guide da 1ª Edição, Gygax advirta exatamente contra esse tipo de mudança de regras e mecânicas. Para mim, a evolução dos jogos foi uma involução para a autocelebração e exibição.

Portanto, vou aposentar meus tomos de Pathfinder.

É com desdém que muitos jogadores atuais olham para os sistemas arcaicos e personagens “fracos” da 1ª Edição do AD&D. Quando um dos meus jogadores contou a um amigo que eu estava defendendo o retorno ao conjunto de regras clássico, a resposta foi: “Boa sorte com isso.”

De fato.

Tenho visto postagens em fóruns argumentando que, sem talentos, “Como saber se você consegue fazer as coisas?” “Como criar um personagem único: um guerreiro diferente de outros guerreiros?”

Ironicamente, a dependência de talentos NÃO leva a personagens únicos, mas sim ao munchkinismo [NdT: maximização do poder em detrimento de outros aspectos do jogo] e, pior: à dependência de rolagens de dados (sem a etapa anterior de resolução de problemas verbalizada como argumento para o sucesso).

A ÚNICA coisa que impede personagens únicos no OSR é a falta de criatividade e a dependência de palavras escritas por outras pessoas.

Meus jogadores não são desse tipo, eu acho. Mas estão receosos de abandonar o que já conhecem. E não posso culpá-los por isso.

Muitas campanhas de AD&D certamente foram conduzidas sem dar atenção às regras mais importantes que Gygax estabeleceu nos livros originais. Muitos jogadores devem ter se desiludido com experiências conduzidas por MJs imaturos, ineptos, covardes ou simplesmente egocêntricos. Ao colocar tanto poder nas mãos dos jogadores e expor tantas formas de manipular uma cena, os autores dos sistemas mais recentes mitigaram a capacidade do MJ de causar dano.

É difícil afirmar que um jogador com +12 em sua rolagem de Diplomacia (algo facilmente alcançável antes do nível 10) possa falhar em um teste “difícil” com CD 20, a menos que tenha uma sorte verdadeiramente horrível. Portanto, a capacidade do jogador de contestar e reagir com incredulidade aumenta, e o senso de desconhecido, o receio de desastres iminentes, é reduzido.

Para ser honesto, tive dúvidas se todo o meu apreço pela 1ª edição não seria apenas uma nostalgia infundada de um homem de meia-idade ansiando pelas brumas de sua juventude. Mas, não havia jogadores na casa dos 40 nos anos 80? Eles não tinham, então, a mesma idade que tenho agora? Certamente eram tão cínicos, céticos e inteligentes quanto eu. Sem dúvida eram capazes de discernir valor e diversão.

Portanto, não.

Não vou ceder nesse ponto.

Anseio por aquelas antigas horas de aventuras tensas e pela rapidez com que os combates eram resolvidos. É meu fardo provar aos meus jogadores que AD&D não foi uma tentativa imatura, nem uma jornada ingênua nas águas do RPG de mesa, mas o produto de muita discussão, muito jogo e muito pensamento. Espero ter sucesso nessa empreitada pois, se fracassar, significará com certeza o fim da nossa noite de jogo, já que não posso justificar o trabalho de arbitrar um sistema que me proporciona tão pouca satisfação. Tampouco quero investir mais dinheiro na interminável ganância das empresas que alegam ter melhorado, reequilibrado ou redescoberto as raízes de seja lá qual for o ideal mais vendável do momento.

Reconheço, sim, uma certa dose de ingenuidade na minha abordagem. Vivemos hoje em um mundo onde a autopromoção é vendida em cada esquina; onde somos ensinados a não pedir ajuda nem admitir que precisamos dela, e onde qualquer coisa que não entregue gratificação instantânea e afagos no ego é vista, na melhor das hipóteses, com desconfiança. Isso talvez torne o ritmo cooperativo e tenso do AD&D menos atraente para os jogadores de hoje.

O tempo dirá.

Planejo apresentar ao meu grupo uma dose da 1ª edição no dia 18 de maio, então... minha coragem será certamente testada. Se eu falhar em empolgá-los, me pergunto se será culpa minha ou simplesmente culpa da mudança inevitável.

Desejem-me sorte.

Como o cético que citei anteriormente presumiu, talvez eu realmente precise.

*** 

Hoje é 15 de maio de 2018.

27 de julho de 2018 marcará o 4º aniversário do meu grupo de RPG. Sim, voltei a jogar nesse dia de propósito, pois coincidiu, serendipicamente, com meu impulso de voltar a rolar dados. Com exceção dos primeiros 8 meses, toda a nossa campanha aconteceu usando as regras de AD&D. O cético do grupo foi embora e foi substituído não por um, mas por dois novos jogadores.

Estamos nos divertindo muito.

O que meus jogadores disseram?

"O elemento letal é muito recompensador. Você realmente sente o drama."

"Não consigo lembrar de todos os personagens que perdi nos últimos 4 anos... parei de contar."

"Ver as rolagens abertas dos dados realmente aumenta a tensão e o drama."

"Um combate como o que acabamos de ter (em AD&D) levaria um mês inteiro de sessões na 4ª Edição. AD&D avança muito mais rápido e dá a sensação de que você está conquistando algo."

Vou declarar vitória nisso. Vou fincar uma bandeira no topo da colina. O OSR é fundamentalmente diferente dos jogos modernos de maneiras muito úteis e significativas. Estou muito feliz (e grato) por meu grupo ter topado experimentar. Não teria graça sem eles!

∞ Anthony Huso ∞

1. https://www.thebluebard.com/blog/teaching-old-dogs-old-tricks

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