segunda-feira, 2 de junho de 2025

Dungeons & Dragons: Mudança de Perspectivas

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em fevereiro de 2024)

Chris Jones comenta um pouco sobre suas mudanças de perspectivas em relação ao AD&D1e, reconhecendo as insuficiências da sua visão de outrora, em busca do que realmente se trata o mundo da prática do AD&D1e, um mundo com suas limitações, incoerências e contradições, como qualquer outro...

Há muito tempo, na saga que é este blog, um colega de jogo me disse certa vez que D&D é aquilo que os donos da propriedade intelectual dizem que é. Discordei veementemente, e o fiz com várias razões autoconfiantes. Também fui um defensor ferrenho do Gygaxianismo na busca por entender qual seria o verdadeiro espírito do jogo. Sou tão culpado quanto qualquer um por tratar as palavras de Gary como escritura sagrada, citando-as como pronunciamentos definitivos. Mesmo quando pareciam contraditórias, eu era o primeiro a justificar que as contradições eram apenas aparentes.

Não diria que discordo totalmente das minhas posições anteriores. Ainda mantenho a maioria delas. Mas cheguei ao ponto em que certas interpretações pessoais devem ser admitidas como tal — pessoais. Assim como devo admitir que muito do que eu confundia com a ideia do jogo era um gestalt de uma confluência específica de eventos que simplesmente não pode ser reproduzida. Não importa o quanto eu tente, 1981 não vai voltar. A loucura dos homens de tentar replicar eras passadas sempre é atravessada por anacronismos e perspectivas que não existiam nessas mesmas épocas. A visão retrospectiva é, como não se diz por aí, falha — não 20/20.

Então agora reconheço algumas coisas:

1. AD&D não era o jogo que eu jogava naquela época. Quer dizer, era, mas na verdade não era. Já escrevi sobre isso antes, mas vale repetir. Nós não usávamos todas as regras, ou sequer a maioria delas, na verdade. Embora estivéssemos seguros de que a Trindade Dourada poderia responder a qualquer pergunta que surgisse, raramente recorríamos a ela. O olhar retrospectivo de anos vasculhando as regras deixa claro que há quase “demais” para se jogar ali. Ver grupos tentando jogar AD&D exatamente como está nas regras pode ser trabalhoso — especialmente para quem não domina as minúcias. Jogávamos uma aproximação grosseira de algo parecido com o D&D Original (0e), com acréscimos de regras (na verdade, material dos suplementos como Greyhawk), mas mais codificadas no AD&D (1e). E isso fazia sentido, já que fui ensinado a jogar por caras que começaram com o 0e, e ensinei a maioria dos meus amigos a jogar.

2. AD&D não era o jogo que Gary jogava. Embora eu tenha sido relutante em admitir, evidências e testemunhos pessoais deixam claro o fato inegável de que Gary conduzia um jogo bem “solto”, e raramente se referia aos detalhes das regras dos livros.

3. AD&D foi a versão oficial do D&D por cerca de 10 anos (aproximadamente de 1980 a 1989). Isso significa que, aos poucos, tornou-se a forma oficial de jogar, e nos pronunciamentos oficiais era o ápice de “como o jogo deveria ser jogado.” Foi estabelecido como a palavra final sobre o que era D&D, na medida em que abordava determinado assunto. O próprio Gary admitiu isso em seu prefácio. Também era o jogo mais jogado na Dungeon Hobby Shop e na TSR, pelo menos nominalmente — entrevistas também confirmam isso. No entanto, na prática, algo muito diferente acontecia. O verdadeiro espírito de D&D não podia ser engarrafado, e a maioria dos jogos de AD&D 1ª edição corriam soltos, com cadarços desamarrados, em praticamente todos os grupos.

4. O espírito de D&D foi apontado, ainda que de forma elusiva, por aqueles três livretos marrons de 1974. A explosão criativa resultante não pode ser subestimada. Aqueles que estavam na linha de partida perceberam que algo mágico estava acontecendo — Rob Kuntz falou sobre isso em uma entrevista que tive com ele. O potencial que os jogos de RPG poderiam trazer ao mundo parecia absolutamente revolucionário. No entanto, a TSR era uma empresa, afinal. E a mudança de “imagine o máximo que puder” para “compre apenas produtos originais da TSR” foi bem rápida. A fome por produtos e a necessidade de definir o que era o quê, bem como de exercer a posse final, resultaram no jogo que foi o AD&D 1ª edição. Não era o ápice, mas sim uma expressão do que era possível na época.

5. A antiga Wizards of the Coast, a KenzerCo e o D&D 3ª edição nos mostraram o que o AD&D poderia se tornar. A OSR nos mostrou o que poderia acontecer se voltássemos às nossas três raízes marrons. Mas mesmo assim, o AD&D também nos fez perder algo. Acho que algumas vertentes da OSR exploraram um pouco daquele espaço de magia original a que Rob e outros aludiram, mas acredito que ainda seja uma mina de ouro inexplorada. Ou melhor — nem uma mina de ouro, mas uma fonte infinita de energia, disponível se apenas tivéssemos os olhos para ver. Mas a TSR e o AD&D efetivamente fecharam essa válvula ao definirem claramente o que era o AD&D — o que era o jogo e quem o possuía. Os jogadores já não eram mais os donos, e sim a corporação.

O que isso significa para mim e minhas mudanças de visão? Bem, o AD&D sempre será meu ponto doce. É o meu lar no D&D, por assim dizer. Mas o fato é que já nem sei ao certo como eu rodaria um jogo estritamente pelas regras do AD&D [BTB; by the book], ou se eu gostaria disso. E seria errado da minha parte continuar pesando tudo contra os livros de regras do AD&D. As motivações de Gary eram tão complexas e variadas quanto as de qualquer ser humano ao criar a 1ª edição. Só gostaria muito que ele tivesse estado por aqui para criar uma segunda edição e “consertar” todos os problemas que surgiram com a 1e.

∞ Chris Jones ∞

1. https://classicrpgrealms.blogspot.com/2024/02/dungeons-dragons-changing-views.html

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