(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em outubro de 2020)
Às vezes é preciso seguir certos caminhos independentemente dos apelos das tendências no momento, que muitas vezes nos afastam de percursos árduos, porém, recompensadores, em troca de opções mais fáceis e rasas... |
Preste bastante atenção ao que aconteceu com a sua mente. Você está cercado, sitiado, desnorteado por notificações do celular, das redes sociais, dos e-mails. Você é incapaz de ficar sentado diante de um computador por mais de 10 minutos sem ceder à necessidade incessante de checar — algo, qualquer coisa, nada. Liga a TV, mas só consegue tolerar um ou dois minutos do que está assistindo antes que a vontade de mexer em algum dispositivo eletrônico se torne insuportável. Abre o YouTube ou a Netflix e pula entre vídeos curtos, segmentos picotados de outros mais longos, que prendem sua atenção por um instante antes de você passar para outra coisa. Você passa horas por dia, se somar todos os fragmentos de tempo aqui, ali e em todo lugar, rolando feeds do Twitter ou Facebook, ou escaneando sites de notícias, ou deslizando para a direita no Tinder. Você não está realmente vivendo, e sabe disso. Consegue se imaginar no leito de morte, olhando para trás e se arrependendo de quanto tempo desperdiçou com porcarias passivas e inúteis, mas ainda assim não consegue se livrar dos maus hábitos – e, de qualquer forma, sempre há outro tweet, mensagem, e-mail ou TikTok para aliviar o tédio por mais um ou dois segundos.
Cultivar a capacidade de se concentrar, pensar e planejar por períodos longos, profundos e ricos de tempo nunca foi tão urgente quanto agora. Estamos escorregando rumo à distopia. O que fazemos com nossa vida interior sempre importou, mas agora importa mais do que nunca.
Precisamos de campanhas longas [2]. Precisamos sentar com o mesmo grupo de pessoas, com regularidade, ao longo de anos, para contar o tipo de histórias que exigem concentração e reflexão e, acima de tudo, lealdade; histórias que ganham impulso próprio através de picos e vales, fluxos e refluxos, altos e baixos, idas e vindas; histórias em que os eventos importam porque têm contexto, têm passado e têm um futuro desconhecido esperando para ser descoberto. Não precisamos da futilidade inconsequente do one-shot; precisamos de tempo.
Quando Rachmaninoff compôs a 18ª variação de sua Rhapsody on a Theme of Paganini, ele sabia que havia criado um sucesso. “Essa é para o meu agente”, disse. Foi uma observação irreverente, mas ele estava tocando em algo importante. A 18ª variação é justamente famosa, mas isoladamente, ela é algodão-doce. É música pop. São 3 minutos que dão uma sensação momentânea de calor reconfortante antes de você pular para a próxima coisa. É mercado de massa. Mas, dentro de seu contexto — em algum ponto no meio de 23 minutos difíceis e complexos de execução sinfônica concertante virtuosa (não o crescendo, não o ápice, mas quase timidamente escondida) — ela se torna algo completamente diferente: um momento de beleza transcendental vertiginosa no meio de algo sombrio, intelectual e estranho. Como uma fresta entre nuvens escuras por onde um raio de luz dourada brilha por um instante antes de se esconder novamente. Um vislumbre de algum vasto oceano de sentimentos cujo conteúdo só pode ser comunicado nas menores doses, sem palavras, sob risco de sobrecarregar você e a própria intérprete. Você precisa se esforçar para sentir isso — precisa investir tempo. Mas o que é melhor: sentar de olhos fechados e realmente escutar até o clímax, ou se empanturrar com um clipe do YouTube (o equivalente moderno de um CD O Melhor da Música Clássica de TODOS OS TEMPOS!) antes de pular para o próximo mimo?
Quando Rachmaninoff compôs a 18ª variação de sua Rhapsody on a Theme of Paganini, ele sabia que havia criado um sucesso. “Essa é para o meu agente”, disse. Foi uma observação irreverente, mas ele estava tocando em algo importante. A 18ª variação é justamente famosa, mas isoladamente, ela é algodão-doce. É música pop. São 3 minutos que dão uma sensação momentânea de calor reconfortante antes de você pular para a próxima coisa. É mercado de massa. Mas, dentro de seu contexto — em algum ponto no meio de 23 minutos difíceis e complexos de execução sinfônica concertante virtuosa (não o crescendo, não o ápice, mas quase timidamente escondida) — ela se torna algo completamente diferente: um momento de beleza transcendental vertiginosa no meio de algo sombrio, intelectual e estranho. Como uma fresta entre nuvens escuras por onde um raio de luz dourada brilha por um instante antes de se esconder novamente. Um vislumbre de algum vasto oceano de sentimentos cujo conteúdo só pode ser comunicado nas menores doses, sem palavras, sob risco de sobrecarregar você e a própria intérprete. Você precisa se esforçar para sentir isso — precisa investir tempo. Mas o que é melhor: sentar de olhos fechados e realmente escutar até o clímax, ou se empanturrar com um clipe do YouTube (o equivalente moderno de um CD O Melhor da Música Clássica de TODOS OS TEMPOS!) antes de pular para o próximo mimo?
Rachmaninoff sabia disso sobre a música. Ao ouvir O Pássaro de Fogo, de Stravinsky — cujo momento de clímax é uma das grandes eucatástrofes de toda a arte ocidental —, ele se emocionou a ponto de dizer: “Meu Deus! Que obra de gênio é esta!” Só é possível reconhecê-la como tal quando se percorreu a longa, difícil, às vezes dissonante, sempre desafiadora jornada com o Príncipe Ivan, Kaschei, o Imortal, e o próprio Pássaro de Fogo; quando se investiu o tempo necessário (os minutos, em todo caso). A música recompensa seu esforço, sua atenção, sua lealdade. Se não o fizer, tudo o que você terá será uma excitação barata e sem sentido — um triunfo do pensamento, do sentimento e do gosto reduzido a uma porção de espuminha feita para induzir ASMR.
Quase tudo na vida que vale a pena fazer, conhecer, ler, ouvir, sentir ou dizer tem a característica de ser inalcançável por atalhos — exceto em uma forma que diminui tanto você quanto aquilo. Por que você esperaria que os RPGs fossem diferentes?
∞ David McGrogan ∞
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