sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Lidando com a Morte de Personagens

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em março de 2024)

Anthony Huso comenta um pouco sobre sua forma de lidar com a morte de personagens, na posição de Mestre do Jogo...

Conselhos Anedóticos de um Cara com Bastante Sangue nas Mãos, Que Você Não Precisa Seguir

Quando o personagem de um jogador morre, não é só o personagem que morre. Normalmente, o clima da mesa também morre. Se não for bem administrada, a morte pode acabar com a campanha. Portanto, nas mãos de um árbitro despreparado, matar personagens é praticamente matar o jogo.

Mestres de Jogo (MJ) muitas vezes têm medo de matar personagens por essas razões. Têm receio da fragilidade emocional do jogador e acreditam que ele pode reagir mal, parar de jogar, ou até que relacionamentos pessoais possam ser prejudicados.

Preocupações válidas, certo?

Antes de continuar a leitura, você precisa responder uma pergunta simples. Te incomoda os seus jogadores sempre se sentirem seguros? Te incomoda que, diante do que você imaginou ser um combate feroz, seus jogadores estendam a mão para o pote de salgadinhos e, entre risadinhas, digam qual item mágico ou feitiço usarão, recostando-se com a certeza de que o personagem que controlam há mais de três anos não está em perigo real?

Se a resposta for não, então pare de ler. Você está conduzindo o tipo de jogo que quer. Seus jogadores estão satisfeitos e seu grupo está se divertindo. Você não precisa das baboseiras deste texto!

Mas se você anseia por tensão e drama. Se deseja que seus jogadores se inclinem na cadeira, engulam seco e fiquem vidrados enquanto você descreve a sala escura na qual acabaram de entrar — continue lendo.

Nada pode causar essa reação exceto o medo da morte do personagem.

“Ótimo”, você diz. “Mas como?” E quanto a todas aquelas preocupações válidas mencionadas acima?

Primeiramente, lembre-se de que você decidiu que quer conduzir um jogo com apostas altas, ou já teria parado de ler. O papel de um mestre assim é difícil, e nem todos conseguem cumprir. Tenha em mente que o medo do jogador que reclama e a ansiedade de ser rotulado como “MJ cruel” te colocam no mesmo estado impotente de alguém que permitiu a um animal de estimação mimado assumir o controle da casa. Sua vida se tornará um jogo sem sentido de tentar agradar a criatura. Nenhum propósito virá disso, apenas frustração.

Você é o mestre do jogo por um motivo. Você fornece o mundo, a história, a diversão. Esse é o seu campo. Seu território. Árbitros não são ovacionados por torcedores em jogos de futebol. Na maioria das vezes, são aceitos de forma relutante como um mal necessário. Mas esse é o seu papel. Seu trabalho é manter a sanidade do jogo, garantir a consistência e, com isso, maximizar tanto o drama quanto a diversão.

Grandes momentos dramáticos dependem de uma sensação de gravidade, de perigo, de que o mundo reage às escolhas dos jogadores.

E de todas as reações possíveis às escolhas dos jogadores, a mais significativa é a morte de um personagem. A morte de personagens é fundamental para o conflito, a tensão e as recompensas do jogo.

Não tenha medo. Você pode matar personagens, e os jogadores desses personagens continuarão voltando à sua mesa.

Essa é a história da minha própria campanha, que já ceifou incontáveis personagens desde os anos 1980. E mesmo assim, minha mesa está cheia de jogadores.

Na minha campanha atual, iniciada com um novo grupo de jogadores em 2014, há cinco jogadores. Entre 2014 e 2016, alguns desses jogadores perderam 8 personagens cada. Em dois anos, quase 30 personagens morreram. E os jogadores continuam lá, jogando com personagens pelos quais se importam. Se isso te parece absurdo, continue lendo.

Mas antes, quero deixar claro: não estou sugerindo que o objetivo do MJ seja matar personagens. De forma alguma esse é o papel principal do árbitro. O que estou sugerindo é que ao MJ precisa ser permitida a autoridade para fazer isso.

Primeira Etapa:

Se você nunca matou um personagem (ou) se raramente matou um personagem, não deve começar a matá-los sem antes ter uma conversa franca com seus jogadores sobre isso.

Essa conversa pode assumir qualquer forma que você quiser, mas é assim que eu costumo apresentar a ideia para jogadores novos na minha mesa. Eu digo a eles:
  1. Primeiro, vocês estão prestes a começar a jogar uma campanha em que a história e os personagens dessa história são muito maiores e mais grandiosos do que vocês imaginam agora. Os nomes dessas entidades míticas ainda não são conhecidos, mas serão descobertos — e vocês irão me acompanhar nessa busca.

  2. Segundo, essa história não é sobre o seu personagem. Não é sobre um herói ou mesmo um grupo de heróis. Essa história é sobre um mundo e um universo. Eu vou construir a base dessa história, e vocês vão se tornar meus parceiros em determinar seu arco.

  3. Terceiro, muitas mortes ocorrerão ao longo do caminho. Algumas trágicas, outras merecidas. A mortalidade de personagens será alta, e apenas os cautelosos, astutos e cooperativos têm chance de sobreviver. Atitudes solitárias neste jogo provavelmente acabarão em desastre. Para cada nível que seu personagem avançar, você pode dizer com razoável certeza que há uma chance de 10% de ele sobreviver às expedições de alto risco necessárias para alcançar o próximo nível. Preparem-se. Vai ser de roer as unhas.

  4. Por fim, talvez seja sensato começar do zero, deixando de lado os personagens tão queridos com os quais já jogamos até aqui. Vamos concordar, como grupo, em mergulhar nesse novo desafio com fichas de personagem completamente novas!
Depois de expor com clareza as expectativas para esse jogo, você verá quem entre os seus jogadores é corajoso o suficiente para embarcar nessa história sangrenta. As chances são boas de que fiquem animados com a promessa de uma aventura tão intensa. Apostas altas? Isso é um jogo de azar. E jogos de azar são viciantes!

Segunda Etapa:

A noite de criação de personagens.

Essa é a noite em que vocês se reúnem e criam personagens (pelo menos dois para cada jogador). Quando os jogadores forem instruídos a criar dois ou três personagens cada, eles vão rapidamente perceber a seriedade da proposta e vai começar a cair a ficha de que você não está blefando.

Terceira Etapa:

Com as bases estabelecidas, seus jogadores já estarão esperando pelo pior. O drama e a tensão na mesa aumentarão naturalmente com base nas expectativas que você criou. Mas agora é hora de cumprir o prometido.

Como você lida com isso? A primeira morte será divertida?

Em um jogo centrado no personagem, os jogadores não têm com o que se apegar além do próprio personagem. Em muitos jogos modernos, cada jogador tem apenas um personagem; emocionalmente, como se diz, colocam todos os ovos em uma única cesta. E todos sabemos como isso costuma terminar.

Hora da anedota.

Quando comecei minha campanha atual, primeiro tive “a conversa” com meus jogadores. Depois tivemos a noite de criação de personagens, exatamente como descrito.

Na primeira noite em que eles vieram realmente jogar, chegaram com os três personagens prontos, esperando o pior e bastante céticos de que isso poderia ser divertido.

Assim que se sentaram à mesa, calmamente pedi que deixassem de lado os novos personagens. Então entreguei a cada um duas fichas que eles nunca tinham visto antes.

O grupo ficou confuso. Aqui estava um clérigo maligno de 7º nível, ali: um anti-paladino de 8º nível. Um jogador olhava perplexo para um assassino com uma lâmina envenenada. O que estava acontecendo?

Expliquei que eles eram um grupo endurecido, impiedoso e sem remorso.

Disse: “Cada um de vocês virou as costas para a sociedade e suas normas há muito tempo, em favor de uma busca pessoal por poder.

Para isso, vocês se uniram a uma ordem lendária de trevas absolutas; uma que busca derrubar o mundo dos homens e estabelecer uma criptarquia onde os poderosos e inteligentes detêm toda a autoridade.

Essa ordem secreta os tornou fortes e ricos, e deu a vocês muito em termos de prazer e poder.

Com os anos, o sangue que vocês derramaram revelou sulcos no terreno de seus inimigos, escorrendo por canais antes invisíveis, levando-os até um bastião oculto de poder dos seus odiados rivais: a Ordem Esotérica da Princesa do Crepúsculo.”

A Ordem da Princesa do Crepúsculo é formidável, escondendo-se assim como vocês — mas com espiões e agentes infiltrados por toda parte. Só recentemente vocês descobriram a localização de seu santuário mais secreto: O Templo de Prata da Chama Transcendente." E assim por diante.

Os jogadores, então, foram encarregados de atacar o templo com esses personagens malignos e causar absoluta destruição. Não foi um combate fácil. Cada jogador controlava dois personagens malignos.

À medida que a batalha avançava, alguns morreram. Um jogador perdeu os dois personagens e outro, que ainda tinha dois, cedeu um ao colega.

A sessão terminou com o grupo maligno vitorioso, mas reduzido em número. Não me preocupei em explicar por que tínhamos feito isso, e deixei o grupo intrigado.

Na sessão seguinte, pedi que pegassem os personagens que haviam criado anteriormente e então contei, em tom sussurrado, a história de uma ordem maligna que havia atacado o templo de prata. Eles aceitariam a missão de combater esse grupo nefasto?

Agora os jogadores estavam fisgados. Haviam interpretado aqueles personagens malignos, vivenciado os eventos que agora já eram mitos, e sabiam exatamente o quão poderosos e cruéis eram os membros sobreviventes! Haviam experimentado a morte de personagens sem sofrimento. Ajudaram a moldar a introdução da história de um mundo que já começava a ganhar forma — e agora abordariam essa história por outro ângulo.

De repente, os jogadores não estavam mais com todos os ovos em uma cesta, mas atuando como participantes de uma narrativa épica com muitos personagens. Em resumo: os jogadores agora eram MAIORES do que seus personagens.

Sessões como essa acontecem na minha mesa com pouca frequência — o suficiente para que, na maior parte do tempo, os jogadores estejam com seus próprios personagens — mas com regularidade suficiente para que eles consigam se lembrar de umas cinco ou seis ocasiões em que controlaram heróis NPCs, exércitos inteiros ou mesmo personagens de pouca importância.

Outro exemplo:

Em uma sessão, cada jogador recebeu três humanos de nível zero com profissões, em vez de classes. Esses personagens de nível zero tinham entre ½ e 3 pontos de vida cada e haviam sido aprisionados por um grupo de escravistas. Aproximadamente metade deles morreu durante a fuga, mas os que sobreviveram conseguiram transmitir informações vitais aos “verdadeiros” personagens dos jogadores, que então partiram para enfrentar os escravistas.

Essa foi uma sessão particularmente divertida, pois os personagens de nível zero não tinham valores de atributos. Sempre que tentavam algo que exigisse INT, DES ou FOR, o jogador precisava rolar aquele atributo na hora.

Os personagens de nível zero que sobreviveram puderam subir para o nível 1 e se tornar personagens reais, da classe que seus atributos permitissem. Esses “personagens-bebê” foram adicionados ao elenco de personagens que cada jogador possuía.

O ponto desses exemplos é simples: quando uma pessoa tem apenas uma posse, ela se apega a ela com todas as forças — mas quando tem várias, é mais fácil deixar uma ir embora.

Quarta Etapa:

Então falou o bravo Horatius, o capitão do portão: "Para todo homem sobre a terra, A Morte vem cedo ou tarde. E como pode o homem morrer melhor Do que enfrentando chances terríveis Pelas cinzas de seus pais E pelos templos de seus deuses?"— Thomas Babington Macaulay

Pelo que entendo, Gary Gygax certa vez disse que os personagens deveriam ter 70% de chance real de sobrevivência, mas que os jogadores deveriam acreditar que a chance de seus personagens era de apenas 30%.

Seja ou não verdade que ele disse isso, essa diferença entre a probabilidade emocional e a probabilidade real muitas vezes ajuda a legitimar a morte de personagens. É comum, ao ver meus jogadores arrumando seus livros e dados, ouvir um ou vários deles comentarem: “Estou surpreso que a gente sobreviveu hoje!” ou até: “Estou surpreso que só perdemos um cara!”

Esses sinais indicam que você está no caminho certo — especialmente quando, ao mesmo tempo, eles comentam como a sessão foi divertida.

Se você duvida que tais atitudes possam existir, garanto que ouço isso o tempo todo. Não é a melhor ou a única forma de jogar RPGs, mas é um excelente exemplo de uma campanha que entende como lidar com a morte de personagens quando esse tipo de drama é considerado benéfico para a experiência geral.

A quarta etapa trata de legitimar a morte. A morte de personagens deve, se possível, ser construída até o momento da expiração. Ela não deve ser apenas plausível, mas esperada.

Uma forma de fazer isso é tornar hábito rolar os dados à vista dos jogadores e anunciar previamente o número-alvo e o que o sucesso ou o fracasso significarão.

Costumo dizer ao grupo que o monstro precisa de um 13 para acertar — e então faço a rolagem abertamente. Dano, testes de resistência de monstros e muitos outros tipos de rolagens acontecem à vista, após os devidos anúncios.

As únicas rolagens mantidas em segredo são aquelas cujo resultado poderia alterar as ações dos jogadores de forma desfavorável ou ilógica, como o sucesso ou fracasso em detectar armadilhas ou se esconder nas sombras.

Agora, sei que muitos MJ acreditam no direito de “trapacear” nos dados, especialmente para tornar os resultados mais aceitáveis para o destino dos personagens ou para preservar o arco da história e afins.

Embora eu entenda esse ponto de vista e até o aceite quando jogo sob a condução de outro MJ, não costumo segui-lo em meus próprios jogos. Embora ocasionalmente eu altere os eventos a favor do grupo, reservo isso para as circunstâncias mais excepcionais.

Acredito que anunciar a importância da rolagem antes de lançar os dados está completamente no espírito de uma mesa de craps [jogo de dados onde a aposta é sobre o resultado do lançamento] em Las Vegas. Nos meus jogos, os dados contam a história. Nem sempre os dados contam a história mais favorável — mas as rolagens são memoráveis. Elas acontecem e, como cartas de tarô, são interpretadas na narrativa. As presas da víbora erram o alvo. O ladrão tropeça em uma pedra solta. E assim por diante.

Muito parecido com investir na bolsa de valores, um portfólio diversificado (no caso, de personagens) permite que os dados contem a história livremente, com menos necessidade de interferência e menos preocupação com sentimentos feridos.

Quando você diz ao grupo que a víbora mordeu e que a jogada de proteção a seguir determinará a vida ou morte do personagem, todos os olhos se voltarão para o dado lançado.

Mas lembre-se! Você construiu as bases para esse momento. Treinou seus jogadores. Disse a eles que esse clímax dramático estava vindo.

E quando a jogada de proteção falhar, você entregará a cena da morte com entusiasmo e drama — talvez permitindo que o personagem fale e aja por mais algumas rodadas, até seu último suspiro ser dado.

Quinta Etapa:

A tarefa da limpeza.

Gostamos da festa, mas não queremos arrumar a bagunça. No entanto, limpar a bagunça pode acrescentar significado e definição ao caos da noite anterior.

Ao vasculhar os destroços, descobertas são feitas e surpresas vêm à tona.

No caso da morte de personagens, cada instância deve ser tratada de forma diferente — como um evento único.

Às vezes, por conta do drama do momento, a morte do personagem quase passa despercebida. Um ajudante ou NPC é entregue ao jogador para o restante da sessão, e só no final é que discutimos o que acontece em seguida.

Isso permite que o jogador tenha um tempo para digerir a morte antes de realmente ter que falar sobre ela.

Geralmente há outros personagens na “estábulo” do jogador que ele gosta de jogar ou está ansioso para experimentar pela primeira vez. Isso ajuda a aliviar o impacto.

Saquear os corpos dos antigos companheiros também pode revelar segredos que o jogador estava guardando do grupo, o que costuma gerar discussões hilárias e cheias de drama.

Por fim, e mais notavelmente no caso de Dungeons & Dragons, há alternativas após a morte.

Sempre permito a possibilidade de ressurreição ou reencarnação. É sensato que esses recursos sejam caros e muitas vezes fora do alcance de personagens de nível baixo (pelos quais os jogadores ainda têm pouco apego), mas que se tornem mais acessíveis para heróis de nível alto e renome (em quem os jogadores investiram muitas horas). Frequentemente, há uma dívida com uma divindade ou outro poder, e uma pequena maldição, algum feitiço ou voto compulsório [geas], ou penalidade, acompanha o personagem ressuscitado a partir daí.

Na minha campanha atual, dos muitos personagens que já caíram, apenas dois foram restaurados à vida. Cada jogador controla agora pelo menos um personagem de nível médio e vários de nível inferior.

Outro aspecto da limpeza é o legado.

É gratificante para os jogadores ouvirem NPCs comentando sobre seus personagens mortos e reagindo às notícias da morte. Às vezes, os jogadores descobrem um filho até então desconhecido de seu personagem morto… ou que estavam secretamente ligados a NPCs nefastos do mundo.

Uma ladra altruísta da minha campanha teve um monumento erguido em sua homenagem em uma certa cidade, marcando sua tumba. Avançando vinte anos na linha do tempo da campanha: os jogadores percebem que ela foi enterrada com um item mágico notável, mas ao chegarem ao monumento, descobrem que a tumba foi violada e saqueada. Decidem então perseguir os responsáveis, que estão sempre um passo à frente.

Eventos como esse imortalizam os personagens e, mais uma vez, engrandecem os jogadores, fazendo com que se sintam conectados ao mundo e ao grande arco da história e do tempo.

Sexta Etapa:

O TPK (Total Party Kill: Morte Total do Grupo)

Cerca de oito meses antes da escrita deste texto, o grupo enfrentou uma série particularmente infeliz de eventos.

O cenário era um templo em ruínas dedicado a uma deusa da tempestade, há muito esquecida, na fronteira do Sultanato. O grupo maligno de NPCs com quem os personagens vinham lutando desde o início da campanha — sim, aqueles canalhas que atacaram o Templo de Prata da Chama Transcendente — havia estabelecido uma base nas ruínas e se preparava para causar caos nas terras dos paxás.

Ao descobrir a localização por meio de espiões, o grupo liderou uma pequena força de cerca de 100 homens até a área e eliminou o acampamento antes de entrar nas ruínas propriamente ditas, em busca dos líderes entrincheirados ali.

O local era bem fortificado, com muitos gargalos favoráveis aos defensores.

A batalha foi feroz e, justo quando os jogadores pensavam estar com vantagem, uma nova onda de inimigos se revelou.

Eventualmente, a maior parte da resistência foi vencida, e o grupo iniciou o avanço final por um corredor traiçoeiro cheio de armadilhas e vigiado por arqueiros no extremo oposto.

No meio do corredor, um jogador ignorou os apelos dos colegas e abriu uma porta sem qualquer checagem. Essa porta liberou um raio que ricocheteou três vezes no espaço estreito, atingindo os quatro personagens que estavam no espaço de 3 metros por 3 metros. O dano foi tão alto que, apesar das jogadas de proteção, os quatro morreram ali mesmo, queimados em suas botas.

O que antes era um avanço confiante e valente virou uma debandada total, quando os inimigos, agora encorajados, investiram contra os sobreviventes — e os três membros restantes do grupo fugiram.

Você pode pensar que isso foi ruim. Mas piora.

Permiti que os personagens fugitivos escapassem, fizessem a longa jornada de volta à civilização e se reorganizassem. Os personagens reservas foram introduzidos e um grupo sedento por vingança retornou às ruínas, decidido a acabar com os que tanto os humilharam.

Claro que, ao chegarem, encontraram as ruínas vazias. Os bandidos haviam fugido, sabendo que seu esconderijo não era mais seguro. Levaram consigo os corpos dos caídos e tudo de valor.

Negados o sabor da vingança, o grupo decidiu explorar as áreas ainda seladas das ruínas — áreas que, segundo lendas, continham artefatos míticos de poder e que os bandidos não ousaram tocar.

Infelizmente, as armadilhas e feitiços do local acabaram por lançar o grupo em um grande salão escuro, sem conexão com as áreas previamente exploradas.

Com engenhosidade e bravura, conseguiram atrair um golem de carne para uma armadilha de fosso, onde ele ficou preso.

O grupo agora estava com pouca vida, sem feitiços e com suprimentos escassos: restava apenas uma tocha.

Posicionaram-se diante de um arco que levava a uma câmara escura que ainda não haviam explorado e ali começou a discussão: seguir em frente ou acampar no desconhecido?

Essa discussão atraiu a atenção de três gárgulas da sala seguinte, que escorregaram por uma passagem lateral e cercaram o grupo por trás.

Foi feita uma rolagem de surpresa com penalidade, devido ao calor da discussão, e as gárgulas atacaram com impunidade. Todos, exceto um personagem, foram reduzidos a 0 ou menos pontos de vida na rodada surpresa, e o último — aquele que segurava a tocha — recebeu dano letal na rodada seguinte.

Declarei: “Na escuridão profunda daquele salão terrível, ecoam os sons de carne sendo rasgada e ossos se partindo, e enquanto a última tocha cai da mão do clérigo e se apaga, sangue banha o chão daquele solo profano.”

Esse foi o TPK. Agora é conhecido pelo grupo como “a vez em que a tocha se apagou”.

Um único personagem que havia ficado do lado de fora esperava o grupo retornar. Quando isso não aconteceu, voltou à base e trouxe outro grupo de personagens que, mais tarde, saqueou um grande tesouro no templo.

Como AD&D tem um sistema de pontos de experiência baseado principalmente no saque de tesouros, esses novos personagens se tornaram ricos e subiram de nível graças ao esforço dos personagens anteriores.

Após o massacre de um grupo de quase uma dúzia de personagens, tive uma conversa franca com meus jogadores na qual expliquei que aquela masmorra fora criado por mim e representava os limites superiores de letalidade que eles poderiam esperar enfrentar.

Perguntei diretamente se achavam que tinha sido injusto ou sem graça e se queriam que eu reduzisse a dificuldade de futuras masmorras extremamente desafiadores.

Embora eu não possa lançar detectar mentiras na vida real, posso afirmar que todos responderam que a masmorra foi muito desafiadora — mas também muito divertida — e que não queriam que eu diminuísse a dificuldade no futuro.

Todos esses jogadores ainda estão na minha mesa. Sou chamado de o Mestre Mal. O Mestre Cruel. Fazem piadas às minhas custas. Um em particular diz que nunca jogou uma campanha como essa. Diz que é a campanha mais difícil em que já jogou, mas que a aprecia imensamente porque sente que as vitórias são reais. São honestas. E os tesouros conquistados com dificuldade são verdadeiramente merecidos.

Esse tipo de jogo, claro, não é para todos. Mas tem um apelo claro e vendável. Se você conduzi-lo corretamente, se preparar a experiência e treinar seus jogadores, e se der a eles mais em que investir do que uma única folha de papel; em suma: se permitir que moldem grandes eventos no mundo e vivenciem múltiplos aspectos do cenário, você também poderá se orgulhar do sangue que testemunhou, e ainda sair disso como amigos.

Dungeons & Dragons evoluiu dos wargames. E embora a história da sua campanha seja — e deva ser — central para a experiência, é na disposição de abraçar batalhas desesperadas e frenéticas que você pode encontrar alguns dos momentos mais memoráveis de jogo.

Saúde!

∞ Anthony Huso ∞

2 comentários:

  1. Essa ideia de começar a campanha dando aos jogadores o controle dos vilões é simplesmente brilhante e ecoa as introduções de muitas histórias -- em especial quadrinhos e nos contos de Conan -- , com os antagonistas tramando contra os heróis e dando uma amostra de seu poder.

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