Maliszewski comenta um pouco sobre a dinâmica "Necessidade X Recompensa (não apenas monetária)" ao longo da escalada de uma campanha duradoura, algo que ele mesmo admite não ser novo, porém, mesmo assim, não deixa de trazer suas reflexões... |
Há pouco tempo, comentei com o árbitro de uma campanha de longa duração da qual participo que ele havia conseguido algo bastante raro: um equilíbrio constante e satisfatório entre recompensa e necessidade. Nossos personagens recebem apenas o suficiente — seja em dinheiro, itens ou status — para sentir que seus esforços são significativos, mas nunca o bastante para que se tornem complacentes ou percam o rumo. E por “recompensas”, não me refiro apenas a dinheiro, embora valha notar que os incentivos monetários são frequentemente subvalorizados nos jogos modernos. Na campanha House of Worms, por exemplo, dois dos seis personagens originais foram inicialmente motivados em grande parte pela busca por riqueza. Levaram anos de jogo para alcançar esse objetivo, momento em que já haviam adquirido novas aspirações, baseadas em relacionamentos, segredos e obrigações acumulados ao longo do caminho. A busca pelo ouro os colocou em movimento, mas nunca foi o destino final.
Na minha experiência, um dos desafios constantes nos jogos de interpretação é manter o equilíbrio entre deixar os personagens “famintos” o suficiente para se manterem motivados, mas não tão privados que cada ação seja impulsionada pelo desespero. Essa tensão é especialmente acentuada nos primeiros anos de uma campanha, quando os personagens ainda estão se firmando. Trata-se de um ato de equilíbrio sutil e vital, que árbitros e jogadores devem saber conduzir, pois tem um impacto profundo sobre o quão envolvente, empolgante e até mesmo jogável a campanha se torna.
Personagens excessivamente empobrecidos podem ver suas escolhas limitadas pelas demandas constantes da sobrevivência. A campanha corre o risco de se tornar um fardo, em que cada sessão é uma luta por rações ou munição, e os objetivos de longo prazo são deixados de lado. Por outro lado, personagens que já têm tudo de que precisam podem perder facilmente o ímpeto, dificultando a justificativa para continuarem se arriscando ou explorando. O ponto ideal está entre esses extremos: quando os personagens têm o suficiente para seguir em frente, mas não o bastante para estarem satisfeitos. É aí que a verdadeira aventura acontece, onde ambição, curiosidade e necessidade se cruzam.
Esse princípio se aplica a todos os gêneros. Na maioria dos jogos de fantasia, especialmente aqueles derivados ou inspirados em Dungeons & Dragons, o ouro é mais do que uma medida de riqueza ou experiência. Ele pode comprar armas e armaduras melhores, financiar pesquisas mágicas, lubrificar as engrenagens da burocracia ou conquistar o favor de patronos influentes. Em um cenário de ficção científica, surgem restrições semelhantes em torno da moeda, mas frequentemente filtradas por lentes diferentes: combustível, custos de manutenção, upgrades tecnológicos ou a aquisição de componentes raros podem funcionar como fatores limitantes. Até necessidades básicas como oxigênio podem se tornar mercadorias preciosas. Enquanto isso, em jogos de horror ou pós-apocalípticos, essa mesma dinâmica aparece de forma mais sombria — água potável, munição, remédios ou abrigo seguro — todos podem ser o que separa os personagens de um fim horrível.
Embora o dinheiro seja frequentemente a forma mais óbvia e fungível de recompensa, está longe de ser o único — e muito menos o mais interessante — recurso a ser administrado. O princípio se aplica com a mesma força a outras necessidades dentro do jogo. Equipamentos, comida, informação, treinamento, cura, influência e até tempo — ao longo dos anos, usei todos esses elementos para manter a campanha em andamento. Um personagem pode ter a bolsa cheia, mas carecer de acesso a um mentor que o treine em conhecimentos raros, o que o leva a uma jornada até um local distante. Outro pode possuir uma reputação que lhe garante entrada na alta sociedade, mas se ver lutando para adquirir os materiais necessários para fabricar algo importante. Ainda outro pode ter acesso a tecnologia avançada, mas sem o conhecimento ou as permissões para utilizá-la. As lacunas entre o que os personagens têm e o que querem são vitais para a saúde de uma campanha. Elas se tornam motivos para explorar, negociar, correr riscos e mudar. Administrar essas lacunas sem frustrar os jogadores faz parte da arte do árbitro e, quando bem executado, garante que o mundo continue dinâmico e cheio de oportunidades para aventura.
Na medida em que tenho alguma sabedoria a oferecer sobre esse assunto, ela vem de anos de tentativa e erro, tanto como árbitro quanto como jogador. Muito disso me parece senso comum, mas vale a pena ser dito, pois é fácil ignorar no calor do jogo ou na pressa de iniciar uma campanha.
No início de uma campanha, geralmente é sensato estabelecer uma base de escassez — seja de dinheiro, equipamentos, informações ou acesso a aliados influentes. Isso não significa deixar os personagens à míngua ou transformar o início do jogo em uma tarefa árdua e sem prazer, mas sim fazer com que eles lutem pelas coisas de que precisam. Mesmo um patrono bem relacionado não deve simplesmente distribuir itens poderosos ou recursos sem custo ou consequência. Os desafios iniciais devem reforçar a ideia de que o mundo não gira em torno dos personagens dos jogadores — pelo menos ainda não. Deixe que conquistem seu status e que se lembrem de como o conquistaram.
- Usei isso com bons resultados várias vezes na campanha House of Worms, especialmente à medida que os personagens passaram a se envolver mais profundamente com as facções da política Tsolyáni. A designação para governar a colônia de Linyaró, por exemplo, inicialmente parecia uma recompensa — e foi, em muitos aspectos — mas logo perceberam que também os prendia e os tornava responsáveis por resolver problemas que os ocuparam por anos de jogo.
A escassez pode ser mais do que uma condição econômica quando é usada para recompensar a engenhosidade. Uma das formas mais simples que encontrei para encorajar o jogo criativo é vincular o sucesso não à força bruta ou à sorte, mas à criatividade. Permita que os personagens negociem, troquem favores, aproveitem contatos ou até assumam riscos calculados para satisfazer suas necessidades. Se tiverem sucesso graças à engenhosidade, devem ser recompensados mas com moderação. O objetivo é dar o suficiente para que continuem avançando, nunca tanto a ponto de perderem o ímpeto.
- Quando a campanha Barrett’s Raiders ainda se passava na Polônia, por exemplo, os personagens frequentemente precisavam trocar itens de seus suprimentos — munição, roupas, combustível, até armas — para obter a ajuda de NPCs neutros ou não comprometidos que encontravam. Em outras ocasiões, algum desses NPCs podia ter algo que eles desejavam, e a única forma de conseguir era fazendo algum favor. Essa dinâmica foi um excelente “portal para a aventura”, que achei muito eficaz (e continuo usando).
À medida que a campanha avança e os personagens evoluem, suas motivações também devem mudar — assim como os desafios que as acompanham. Por exemplo, um personagem que antes acumulava moedas pode passar a desejar legitimidade, terras ou até mesmo um título. Esses novos desejos devem ser mais difíceis de alcançar do que o simples ouro, pois envolvem reputação, confiança ou planejamento de longo prazo. Não se pode simplesmente saquear um título em uma masmorra. Se um jogador estiver realmente interessado na busca de seu personagem por esses objetivos, isso inevitavelmente moldará a direção da campanha.
- Na minha campanha de Dolmenwood, um dos personagens, Clement, começou como um aspirante a cavaleiro. No entanto, para se tornar um cavaleiro, ele precisava encontrar alguém de posição elevada que aceitasse seu serviço — algo difícil, pois tinha fama de ser meio tolo. Nem mesmo sua própria família o leva muito a sério. A busca por um patrono nobre acabou se tornando uma parte central dos primeiros meses da campanha. Mesmo agora, depois de encontrar uma patrona, seu desejo de se provar digno dela impulsiona muitas sessões.
Outra maneira pela qual encontrei uma boa forma de manter a tensão na campanha é introduzindo novas necessidades à medida que as antigas são satisfeitas. Personagens que dominaram um ambiente podem ser lançados em outro, onde seus equipamentos são menos úteis ou seus conhecimentos, insuficientes. Esse momento de deslocamento, no qual as vantagens antigas deixam de se aplicar, não é apenas um desafio — é uma oportunidade de envolvimento mais profundo com o cenário. Isso força os jogadores a se reorientarem e a não tomarem nada como garantido.
- Um momento importante nos primeiros anos da campanha House of Worms ocorreu quando os personagens se encontraram em uma região onde feitiços e itens mágicos não funcionavam. Diante de um ataque iminente de uma força numericamente superior, tiveram que encontrar outras formas de se defender e escapar.
A escassez, quando usada com inteligência, também pode ser uma ferramenta de construção de mundo. No exemplo citado, os personagens aprenderam, pela primeira vez, que em Tékumel existem lugares onde as energias extra-planares que alimentam a feitiçaria não funcionam como em outros. Na próxima vez em que se viram diante de uma situação parecida, puderam usar esse conhecimento arduamente conquistado para lidar com ela com mais facilidade. Alguns dos meus momentos favoritos na campanha House of Worms foram justamente aqueles em que os personagens se deparam com algo que desafia o que pensavam saber sobre o mundo e suas regras — e não têm escolha a não ser improvisar.
Outra coisa que aprendi é que, por incrível que pareça, os jogadores se lembram da primeira grande conquista de seus personagens. Personagens iniciantes economizam cada moeda para melhorar seu equipamento, então a descoberta de uma gema valiosa ou de um esconderijo de armas mágicas pode ser algo marcante. Já personagens veteranos, por outro lado, mal reagem diante de outra pilha de moedas, mas se empolgam com a chance de recuperar um tomo perdido de conhecimento ou ganhar o favor de um patrono influente. O segredo está em alinhar os desejos atuais do grupo com as recompensas oferecidas por suas ações. Quando a “cenoura” corresponde aos desejos do personagem, o jogador quase sempre segue o caminho. Quando não corresponde, o gancho perde força.
Mais uma vez, não imagino que nada disso seja novidade para árbitros experientes, mas estive pensando sobre o assunto nos últimos dias e decidi transformar essas ideias em um texto. Espero que ao menos algo do que foi dito sirva como alimento para reflexão.
∞ James Maliszewski ∞
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