(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em janeiro de 2023)
A Questão Dramática é um termo que se originou com dramaturgos.
A questão dramática de uma história é a ideia temática central que impulsiona as ações dos personagens. É o conflito central da história.
Normalmente, a questão não é declarada explicitamente. Ela é implícita. Nas melhores histórias, a questão dramática é empolgante e carregada de emoção. A energia dramática dela impulsiona nossa curiosidade.
O que os rebeldes farão em relação à Estrela da Morte?
Será que a determinação de ferro e a agilidade felina de Conan vão superar a traição e o macaco-demônio de Thoth-Amon?
Um replicante que parece humano, se comporta como humano e acredita ser humano, é humano?
Cada cena de uma história tem uma questão dramática.
Será que Jules e Vincent vão sair da lanchonete sem matar Ringo e sua namorada?
Cada batida de uma cena tem uma questão dramática.
O que o carrasco vai fazer com aquela faca?
Nos RPGs, usamos a história para criar a situação e dar contexto. Usamos as ferramentas da contação de histórias para criar uma questão dramática do mesmo jeito que qualquer contador de histórias faria, mas não a resolvemos da mesma forma. A diferença crucial entre histórias recebidas passivamente por um público e jogos de RPG de mesa está no método pelo qual determinamos a resolução da questão dramática.
O contador de histórias impõe a resolução da questão dramática ao público.
Em um RPG de mesa, as decisões dos jogadores, combinadas com as regras e mecanismos do jogo, interpretadas pelo mestre de jogo (MJ), determinam a resolução da questão dramática.
O que torna cada sistema de jogo único é a combinação de quais perguntas estão sendo feitas e como elas são respondidas.
Qual é a questão?
A questão dramática está entrelaçada com todo o resto no jogo.
O cenário influencia quais questões dramáticas são interessantes. Um jogo investigativo ambientado na Roma Antiga terá questões dramáticas diferentes de um jogo investigativo ambientado na Berlim de Weimar.
O designer do jogo precisa selecionar ou criar regras, procedimentos ou mecanismos para resolver as questões dramáticas do jogo.
A questão dramática básica do RPG de fantasia original era: “Os aventureiros sobreviverão à masmorra e levarão o saque de volta para a cidade?”
À medida que novas possibilidades foram exploradas, questões mais complexas surgiram: “Os aventureiros matarão ou expulsarão todos os gigantes da colina?” “Os aventureiros descobrirão o que Kalak está tramando e impedirão que aconteça?”
Cada encontro tem uma questão dramática. Será que o grupo derrotará os cultistas? Será que o ladrão roubará a algibeira do nobre sem ser detectado?
Cada vez que os jogadores tomam uma decisão, há uma questão dramática.
Grande parte da jogabilidade de um RPG depende de quais perguntas o designer está fazendo. Se o designer quer saber: “Como os personagens jogadores vão resolver uma situação em que lutar é imprudente ou contraproducente para o objetivo?”, um bom designer cria uma situação onde lutar é uma péssima escolha, mas deixa uma gama de soluções possíveis aberta para os jogadores.
Regras da Casa podem surgir quando o mestre de jogo discorda do designer sobre quais questões dramáticas são interessantes. Alguns grupos consideram a seguinte pergunta entediante: “O arqueiro tem flechas?” Alguns árbitros nem se preocupam em acompanhar a munição e assumem que o personagem sempre a tem. Outros pedem que o jogador role um dado para descobrir. Alguns grupos acham interessante acompanhar equipamentos, munição e carga porque isso exige planejamento estratégico e antecipação, e eles gostam desse tipo de desafio.
O mestre de jogo e o designer podem discordar se essa é uma pergunta que vale a pena fazer ou se o sistema utilizado está produzindo uma resposta aceitável. Se o MJ não acha importante, ele ignora o problema da munição e segue em frente. Se ele acha que o sistema não responde de forma satisfatória, cria ou adapta um mecanismo diferente.
“Sistemas”
Quando a maioria das pessoas fala sobre sistemas de RPG, o que acham que estão falando são os mecanismos de dados, as regras, os procedimentos. Isso não é verdade e é a parte menos interessante dos jogos de RPG de mesa.
01
20
12
17
Empolgante! Conte-me mais!
12
74
82
Emocionante!
“Faça um teste de Vontade CD15.”
“Role um D6 e me diga se tirou 1.”
“Quero gastar um bennie para rolar novamente.”
Inspirador!
Os mecanismos não têm sentido sem o contexto [2]. A mecânica de um jogo está ligada ao cenário, aos personagens não jogadores, às convenções de gênero e às expectativas das pessoas que estão jogando.
A estrutura contextual é de onde vem a Questão Dramática.
Os mecanismos do jogo são o que tornam tudo isso um jogo. Sem eles, você tem apenas um ponto de partida para uma história ou um exercício de improvisação. A combinação de mecanismos e estrutura contextual cria um jogo.
Mecânicas de dados sem contexto são uma abstração. Histórias de fundo e mapas sem um sistema de jogo são narrativas desconectadas da jogabilidade. A situação que cria uma questão dramática é o “ato um” de uma história. Esses elementos precisam estar integrados para que um jogo exista.
A forma como você obtém a resposta é menos importante do que a aceitabilidade do resultado.
O mecanismo que o designer usa para responder à questão dramática deve atender às expectativas dos jogadores.
O espectro de possibilidades é outra maneira de diferenciar jogos. Se você está emulando filmes de Kung-Fu de Hong Kong dos anos 1970, é perfeitamente aceitável que um personagem salte pelo ar e derrube seu oponente de um cavalo em disparada com uma voadora no peito. Um jogo que modela a física do mundo real puniria um jogador que tentasse uma voadora no peito. Ambos os resultados são aceitáveis no contexto de seus mundos de jogo específicos.
Uma vez que você entenda o alcance de possibilidades que quer incluir no jogo, as regras precisam corresponder a isso.
Se as regras de um jogo produzem um resultado que você considera inaceitável, há um problema. O mestre de jogo está tentando fazer algo para o qual o jogo não foi projetado, surgiu um caso extremo que o designer não previu ou o jogo tem uma falha crítica.
Implicações e Aplicações
Os principais diferenciadores entre RPGs são:
- O contexto do cenário, personagens e situações.
- As questões dramáticas que estão sendo levantadas.
- Os mecanismos para responder à questão dramática.
A grande implicação é que o mecanismo é importante, mas, para muitos de nós, muito menos importante do que o contexto e a questão dramática.
Há jogadores que só jogam a versão Star Wars WEG D6. Provavelmente não são tão fãs de Star Wars quanto são fãs do sistema D6.
Um fã de Star Wars não se importa com a versão do RPG de Star Wars que você está jogando. O que importa é que os personagens sejam personagens de Star Wars, na galáxia de Star Wars, enfrentando uma questão dramática de Star Wars com um resultado que pareça uma história de Star Wars para as pessoas jogando.
Essa estrutura pode ser uma forma de avaliar se um jogo é adequado para o seu grupo ou de consertar um jogo que não parece estar funcionando.
Quais questões dramáticas estão no núcleo deste jogo? A combinação de personagens, cenário e mecânicas resolve essas questões? Os possíveis resultados são satisfatórios para mim e meu grupo? Se algo não funciona, posso mudar sem quebrar outro resultado esperado do jogo?
Se algo parecer errado durante uma campanha ou sessão, observe como os personagens estão entrando em conflito com os PNJs [NPCs] ou com o próprio cenário. Estou produzindo uma questão dramática que o grupo acha interessante? Os resultados são satisfatórios? O processo para chegar ao resultado é entediante ou frustrante? Uma vez que o problema esteja devidamente enquadrado, é possível resolvê-lo.
Isso se aplica ao design e preparação de aventuras. Eu crio a maioria das minhas aventuras e encontros na ordem inversa. Quero saber qual será a questão dramática no final da aventura antes de começar a criar os encontros que levam a essa questão. Os aventureiros salvarão a vila? O grupo matará o dragão e levará seu saque? O grupo derrotará os esqueletos que guardam a entrada da masmorra? Preciso criar uma mecânica especial para resolver isso ou posso usar as regras como estão escritas?
Isso também se aplica a fazer uma arbitragem na hora ou improvisar uma mecânica de dados. Antes de rolar o dado, considere os possíveis resultados. Qual é a questão dramática? A gama de resultados possíveis vai produzir uma resolução que os jogadores acharão aceitável? Perceba a palavra “aceitável”. Morte de personagem, mutilação ou uma situação ruim podem ser aceitáveis dadas as circunstâncias e as expectativas dos jogadores.
É para isso que servem as mecânicas de dados. Você rola porque há um momento de incerteza. Incerteza é um momento carregado de emoção, no qual existem riscos com consequências interessantes. Essa emoção é o que torna os RPGs diferentes de qualquer outro tipo de jogo.
Conclusão
Na maioria das vezes, um ótimo jogo ou um jogo ruim se resume a um ou mais destes três elementos:
O cenário e os PNJs apresentados são interessantes para os jogadores?
As questões dramáticas, colocadas pelos conflitos entre os PJs e os PNJs, são empolgantes e emocionalmente estimulantes?
O sistema utilizado produz uma resolução que os jogadores consideram aceitável?
Ao escolher um jogo para jogar, preparar uma aventura ou tentar extrair o máximo do jogo, você terá ótimos resultados se todas as três questões forem respondidas de forma satisfatória, de uma forma que cada uma esteja alinhada com as outras.
∞ Travis Miller ∞
∴
1. https://grumpywizard.home.blog/2023/01/19/the-dramatic-question-and-game-mechanics/
2. https://grumpywizard.home.blog/2022/06/23/getting-started-with-the-osr-part-3-put-story-in-its-proper-place/
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