*Classic Fantasy Adventure Games
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Travis Miller aborda o conceito de "Jogo Infinito" do autor James Carse neste ensaio sobre a infinidade intrínseca presente na própria estrutura do Jogo Clássico de Fantasia e Aventura... |
"Existem pelo menos dois tipos de jogos. Um poderia ser chamado de finito, o outro de infinito.Um jogo finito é jogado com o propósito de vencer; um jogo infinito é jogado com o propósito de continuar jogando."
"Se as regras de um jogo finito são exclusivas desse jogo, é evidente que elas não podem mudar durante a partida — caso contrário, um jogo diferente estaria sendo jogado.É nesse ponto que encontramos a distinção mais crítica entre o jogo finito e o infinito. A regra de um jogo infinito deve mudar durante a partida. As regras mudam quando os jogadores de um jogo infinito concordam que a partida está ameaçada por um resultado finito — ou seja, pela vitória de alguns jogadores e pela derrota de outros.As regras de um jogo infinito são alteradas para evitar que alguém vença o jogo e para trazer o maior número possível de pessoas para jogar."
Finite And Infinite Games: A Vision of Life as Play and Possibility, de James P. Carse
O livro Finite and Infinite Games, de James Carse, é um interessante texto filosófico/teológico. Possui algumas limitações e há pontos em que ele me perdeu completamente. É um livro fino e estruturado para ser lido em trechos curtos. Vale a pena conferir se você tiver interesse em teologia e filosofia.
Tomei conhecimento dessa obra pela primeira vez através do autor de negócios e palestrante motivacional Simon Sinek. Simon usa o conceito para encorajar líderes empresariais a criar empresas mais reflexivas, com uma “mentalidade infinita.”
O Dr. Carse (e Simon) usam a palavra “jogo” de forma ampla. Ele a utiliza para se referir a relacionamentos de todos os tipos. Filósofos, teólogos, designers de sistemas e psicólogos costumam usar a palavra “jogo” para descrever as relações entre pessoas. Relações comerciais, amizades, empregos, comunidades — todas têm características semelhantes a jogos.
Usamos expressões como “Ah, você quer fazer esse jogo comigo” ou “Não faça jogos comigo” ou “Eu também sei fazer esse jogo.” O que queremos dizer, nesse caso, é que a outra pessoa está tentando nos manipular usando alguma tática ou estratégia para benefício próprio. Na terminologia de Carse, ela está jogando um jogo finito.
Vamos pensar no que ele está argumentando sob a perspectiva dos jogos de aventura fantástica de mesa que jogamos por diversão. Eu já usei alguns conceitos de Carse em postagens anteriores do blog, mas nunca os referenciei diretamente antes [2].
Jogos Finitos
Jogos finitos, segundo Carse, são jogos jogados com o objetivo de vencer.
As regras são fixas e não podem ser alteradas no meio do jogo.
Se você está jogando Scythe ou Advanced Squad Leader, você joga para vencer. O tabuleiro, os componentes, as regras e os procedimentos são fixos. Podemos até discutir sobre como interpretar uma determinada regra, mas ela não muda no decorrer da partida.
Há condições de vitória predefinidas e, quando alguém atinge essa condição, o jogo acaba.
No hobby de jogos de mesa, esses jogos são onipresentes. A maioria dos jogos de mesa são jogos finitos.
Jogos Infinitos
A maior distinção que torna os jogos infinitos diferentes dos jogos finitos é o propósito do jogo.
O objetivo de um jogo infinito é continuar jogando.
Os jogadores de jogos infinitos procuram incluir o maior número possível de pessoas no jogo. Jogadores entram, jogadores saem, mas como o objetivo do jogo é jogar, não importa quem está participando naquele momento, importa apenas que a partida continue.
Como o objetivo é jogar, as regras devem ser flexíveis. Este é um elemento crítico de um jogo infinito. Se as regras são fixas e uma delas cria uma situação em que o jogo deve acabar quando for invocada, isso significa que o jogo termina.
Num jogo infinito, quando os jogadores percebem que uma regra vai contra o propósito de continuar a partida, eles a descartam ou a modificam.
Com base no livro de Carse, podemos dizer que os jogos de aventura fantástica são jogos infinitos [3].
Nossos critérios, segundo Carse, são:
- O objetivo de um jogo infinito é continuar jogando.
- O jogo tem regras que devem mudar para continuar a partida e manter os jogadores no jogo.
- As regras mudam para trazer o maior número possível de pessoas para o jogo.
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Imagem do documentário Secrets of Blackmoor... |
O propósito dos jogos de aventura fantástica é continuar jogando.
Uma característica singular desses jogos é a persistência da partida, mesmo quando jogadores ficam temporariamente fora por causa da morte de um personagem ou por não poderem participar devido a circunstâncias da vida real. Você pode sair do jogo e voltar depois, e ele ainda será o mesmo jogo.
O milieu onde o jogo acontece (o cenário de campanha) é o ponto central da experiência. É o que une tudo. Personagens morrem, PNJs morrem, castelos caem, cidades queimam… mas o milieu persiste. Isso era algo relativamente incomum nos jogos em 1974.
O wargaming já tinha um pouco disso na forma de campanhas longas e jogos por correspondência que duravam meses ou anos. Esse conceito foi incorporado em Blackmoor.
Uma das regras de Dungeons & Dragons é que, quando um personagem morre, o jogador pode criar um novo personagem e voltar ao jogo. O jogador nunca é permanentemente eliminado da partida como pode acontecer em jogos finitos.
Blackmoor começou em 1970 e o jogo ainda não parou. São 52 anos e a partida continua. Alguns dos jogadores originais ainda participam: Dave Megarry, Greg Svenson, Dave Wesley e outros ainda se reúnem para jogar às vezes. O jogo pode continuar enquanto houver pessoas para jogá-lo.
O jogo de Dave continuou sem Dave.
Enquanto os jogadores trouxerem novos participantes quando os antigos morrerem ou saírem, o jogo pode seguir indefinidamente.
Jogos de aventura fantástica trazem o maior número possível de jogadores para o jogo.
Quantas pessoas jogaram Blackmoor com Dave e Greyhawk com Gary?
Centenas? Milhares?
Gary e Dave tiveram muitos jogadores entrando e saindo de seus jogos ao longo das décadas. Ambos conduziram partidas em seus cenários durante convenções. Isso é uma continuação de seus jogos originais, que começaram no porão de Dave e na cozinha de Gary.
Amigos e familiares de Dave Arneson e Gary Gygax às vezes jogam nos milieus dos fundadores, apresentando mais jogadores ao jogo.
Jogos de aventura fantástica são jogos que podem mudar durante a partida.
"Tentamos fornecer uma estrutura ampla, e construir sobre ela deve ser fácil e divertido. Nesse sentido, pedimos que você evite escrever para pedir interpretações de regras ou algo do tipo, a menos que esteja absolutamente perdido, pois tudo aqui é fantástico, e a melhor maneira é decidir como você quer que seja e então fazer exatamente assim!"
Pós-escrito do Dungeons & Dragons Original
Toda edição de Dungeons & Dragons traz uma declaração dizendo para você mudar aquilo de que não gosta, para adequar melhor ao seu gosto.
Esse é o princípio fundamental do hobby.
Dave começou chamando Blackmoor de um jogo Braunstein medieval. Ele mudou o Braunstein original. Criou uma variação.
Blackmoor era um jogo que mudava constantemente. Alguém surgia com uma ideia e a apresentava para Dave: Posso jogar como um mago? Posso jogar como um anão? Como construo um castelo?
Ele pensava em uma forma de incorporar a ideia ao jogo, e ela então passava a existir em Blackmoor. O calabouço sob o Castelo Blackmoor mudava. Novas áreas eram descobertas, criadas, escavadas por jogadores e monstros.
Você não pode fazer isso em um jogo finito. No xadrez, a torre se move na horizontal e vertical, nunca na diagonal. Você não pode adicionar peças ao tabuleiro no meio da partida.
Luke Gygax queria uma magia que continuasse causando dano após a conjuração inicial, mas precisava fazer isso sem explodir o calabouço ou destruir o tesouro que o inimigo carregava. Seu personagem, Melf, pesquisou e criou a Flecha Ácida de Melf [Melf's Acid Arrow]. Se você joga uma campanha usando as versões de magias do OD&D por um tempo, começa a entender como as versões de AD&D surgiram. Foi porque um dos jogadores astutos de Gary pensou em um jeito criativo de abusar delas.
Eles estavam tentando “vencer” o jogo. O jogo precisava mudar para que a partida continuasse.
Somos todos parte do mesmo jogo infinito?
Essa ideia de que existem jogos finitos e infinitos pode ficar bem abstrata.
Se aceitarmos a versão mais abrangente da definição ampla de Carse para um jogo infinito, surgem implicações interessantes.
Quando jogamos, criamos, escrevemos sobre ou discutimos esse hobby, entramos no jogo infinito dos jogos de aventura fantástica. O hobby como um todo é um jogo infinito.
Também podemos dizer que novas edições ou variações caseiras são exemplos de jogadores mudando as regras para que mais pessoas possam jogar.
Isso sugeriria que todo o hobby de RPG é um grande jogo infinito, com pessoas mudando regras para expandir o alcance e o número de jogadores, mantendo o jogo vivo.
Mesmo que muitos de nós neguemos, de certo modo, qualquer pessoa jogando um RPG de fantasia faz parte do mesmo jogo infinito.
Voltando para a terra.
Teoricamente, uma campanha poderia ser jogada para sempre. Contanto que alguém passe os mapas, as informações e mantenha o jogo vivo, ele pode continuar enquanto houver gente para jogar.
Na prática, para a maioria de nós, nossas campanhas acabarão em algum momento.
Na concepção mais ampla da formulação de Carse, ser jogador no jogo infinito significa compartilhar nosso hobby de forma positiva, criativa e construtiva, mudando as regras para que mais pessoas entrem e a partida continue.
Acho que esse é um propósito válido para continuar fazendo parte do jogo.
∞ Travis Miller ∞
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