quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Quando o Dungeons & Dragons “Old School” se tornou Dungeons & Dragons “New School”?

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em junho de 2023)

A Terceira Edição e a continuação da virada da maré [2] na transição entre o estilo "old" e "new"...

Alguns jogadores não têm certeza de quando o “old school” se tornou o “new school” em Dungeons & Dragons. Há quem argumente que foi a publicação de Dragonlance que marca essa fronteira. Outros dizem que foi o excesso de suplementos da 2ª Edição o momento em que o “velho” virou “novo”.

Pode-se argumentar que não foi um momento singular, mas uma progressão, e há algum mérito nisso.

Eu coloco a linha divisória entre “old school” e “new school” na 3ª edição.

Uma das grandes diferenças entre elas está centrada na responsabilidade que os Mestres de Jogo (MJ) têm de interpretar regras e fazer arbitragens. Existem outras diferenças importantes, mas essa é a chave para a porta onde o tesouro está escondido.

Arbitragens, não Regras

Rulings, Not Rules” [Arbitragens, não Regras] é uma frase comum usada por jogadores da Old School Renaissance [3]. Provavelmente foi cunhada por Matt Finch e certamente popularizada em seu Quick Primer for Old School Gaming [4]. O conceito de “arbitragens, não regras” tornou-se uma característica definidora dos jogos e do estilo de jogo da OSR.

Um dos objetivos fundamentais de design da 3ª edição de Dungeons & Dragons foi eliminar a necessidade do Mestre de Jogo fazer arbitragens, criando um conjunto de regras que não exigisse isso dele.

A 3E era o oposto do old school. Seu objetivo era “Regras, não arbitragens”.

"Os primeiros designers estavam errados. Tudo se resume a isto: se você quer ter controle sobre o seu personagem, você precisa ter alguma ideia de como qualquer coisa que você tente pode resultar. E você não pode saber disso a menos que tenha alguma noção de como as regras vão lidar com a situação. Se o MJ está tomando decisões arbitrárias sobre o que acontece no jogo, você está sempre atirando no escuro e não tem controle real sobre seu personagem.

O jogo simplesmente funciona melhor se o MJ e os jogadores têm expectativas semelhantes sobre como as regras tratam as situações."
— Skip Williams, em entrevista ao Grognardia

Foi aí que o “velho” se tornou “novo”.

Os designers da 3E estavam tentando limitar as situações em que os mestres de jogo precisavam fazer arbitragens. Se as regras estão nas mãos dos jogadores, eles já sabem como quase toda situação “deveria” se desenrolar antes mesmo de dizer ao MJ o que seus personagens iriam fazer. Boas regras eliminam a possibilidade de más arbitragens, essa era a hipótese.

Contexto para o design da 3ª Edição

Como funcionário da TSR, Skip tinha a ingrata tarefa de responder perguntas na coluna Sage Advice da revista Dragon. Essas eram questões que os entusiastas enviavam à TSR sobre como interpretar uma regra ou lidar com um caso de exceção. Sage Advice era meio que uma coluna de conselhos ao estilo “Querida Abby” para D&D.

Skip passou anos lendo essas cartas e respondendo a elas. As cartas dos leitores são uma verdadeira aula de como ser um Mestre de Jogo ruim.

Lendo a entrevista, tenho a impressão de que a longa experiência de Skip nos jogos e como responsável pelo Sage Advice o levou a acreditar que a má condução por parte dos Mestres de Jogo era um problema recorrente na era da TSR. Ele parece acreditar que um conjunto de regras abrangente, que permita pouquíssima interpretação por parte do Mestre de Jogo, poderia prevenir esse tipo de falha.
"O árbitro está ali para manter o jogo em andamento. Como Patton disse uma vez: uma boa resposta hoje é melhor do que uma resposta perfeita na próxima semana.

Um conjunto de regras bem escrito é o melhor amigo que um MJ pode ter. Ele ajuda a gerenciar as expectativas dos jogadores e dá ao MJ um ponto de apoio quando as coisas não saem do jeito que os jogadores querem.
"
Essa afirmação sobre o papel do MJ é particularmente reveladora. Ele insiste em um papel limitado para o MJ. Certamente, uma das funções de um árbitro é “manter o jogo em andamento”, mas não vejo isso como a razão principal de sua presença. Há muitas outras tarefas mais importantes para um MJ. Skip também diz que o MJ precisa de apoio quando um jogador reclama que seu personagem teve um resultado ruim. Em vez de seguir uma linha de raciocínio lógica que possa explicar, o MJ só precisa apontar para o livro e dizer: “Essas são as regras.”

O jogador não precisa mais confiar na justiça do MJ. O MJ não precisa ser o intérprete das regras, capaz de alterá-las quando necessário. O MJ deve seguir as regras como estão escritas. Os jogadores, por sua vez, são esperados a conhecer e usar as regras ao tomar decisões sobre as ações de seus personagens.

Essa abordagem é atraente se você acredita que a maioria dos Mestres de Jogo falha de formas que prejudicam a jogabilidade. Essa linha de pensamento também parte do pressuposto de que os jogadores conhecem as regras tão bem quanto o Mestre de Jogo. Ambas as suposições são, no mínimo, bastante questionáveis.

O problema com a premissa de Skip Williams

Skip e a equipe de design da 3E basearam sua edição em uma ideia cheia de viés de seleção.

As pessoas que escreviam para a Dragon com histórias de horror sobre más arbitragens de MJs eram, em geral, maus MJs ou jogadores em mesas conduzidas por maus MJs. Eles não representavam a maioria das pessoas que jogavam D&D.

A coluna Sage Advice provavelmente recebia centenas de cartas por mês no auge da popularidade de Dungeons & Dragons nos anos 80. Quando o seu trabalho é ler centenas de cartas mensais descrevendo arbitragens estúpidas de MJs, é fácil ter a impressão de que o problema está fora de controle.

O que Skip não recebia eram centenas de milhares de cartas dizendo: “Semana passada apareceu uma situação estranha na nossa mesa. Meu MJ pediu para rolarmos um D20 e disse que a tentativa foi bem-sucedida. Todos comemoramos e seguimos para o próximo encontro. Ninguém se importou que não houvesse uma regra específica para aquilo.”

A maioria das sessões de jogo usando os conjuntos de regras antigas era divertida para seus participantes. Ninguém ia escrever uma carta e gastar US$ 0,32 com um selo só para informar ao Sage que tinha um MJ competente e que o sistema funcionava bem.

Se Skip tivesse considerado que, por mais de vinte anos, milhões de MJs se viraram sem a restrição de regras excessivamente rígidas; que esses jogadores, em sua maioria, não mandavam cartas para a TSR contando como seus jogos eram ótimos (eles davam seu voto com seus dólares); e que, na realidade, poucas mudanças eram realmente necessárias; talvez a equipe de design da 3E tivesse feito escolhas diferentes.

Os problemas que Skip tentava resolver eram mestres de jogo inexperientes e babacas atrás do escudo.

O problema dos Mestres de Jogo inexperientes ou pouco habilidosos não é intransponível. Não sou aficionado da 3E, então não posso afirmar com certeza, mas acredito que os designers sabiam que mestrar é uma habilidade que pode ser ensinada. Ouvi dizer que o Dungeon Master’s Guide da 3E trazia bons conselhos. Isso indica que, pelo menos, os designers tinham consciência de que novos MJs poderiam melhorar suas habilidades com a orientação dos mais experientes. Tenho certeza de que Skip conhecia a série de livros DMGR da 2ª edição, escritos justamente para treinar novos MJs. A internet estava começando a se tornar um serviço de massa e também oferecia meios de disseminar mais conhecimento sobre mestragem. A TSR e a WotC tinham tanto o conhecimento quanto os meios para lidar com o eterno desafio de treinar MJs e ajudá-los a se desenvolver.

Já o problema dos babacas não é algo que o departamento de design pode resolver. Nem regras nem mecanismos de dado conseguem impedir que um idiota, egomaníaco ou imbecil estrague uma mesa [5]. Babacas sempre encontrarão um jeito, não importa quais regras estejam usando.

Em certo ponto, cabe aos jogadores lidarem com essa questão. Pode-se oferecer orientações, sugerir livros ou vídeos sobre habilidades sociais eficazes e negociação, mas isso não é algo que as regras possam resolver. Lidar com babacas não é trabalho do designer de jogos.

Arbitragens, não Regras


Matt Finch colocou a frase “Rulings, Not Rules” logo no início do Quick Primer for Old School Gaming por um motivo. Essa ideia está no coração do que torna os jogos de RPG de fantasia do estilo old school diferentes dos jogos contemporâneos. Ela permite que a jogabilidade tenha uma abertura ou permeabilidade [6] que é restringida em edições mais pesadas em regras.

A OSR foi, em parte, uma reação à abordagem “Regras, não Arbitragens” da 3ª Edição. Se Skip e os designers da 3E tivessem continuado com os métodos antigos, a OSR teria sido apenas um passatempo para saudosistas e colecionadores de jogos antigos. Mas a OSR é muito mais do que esse suposto “mercado da nostalgia” que alguns alegam. Jogos como Shadowdark e Knave já são provas suficientes disso.

O método "old school" é um estilo de jogo que espera que jogadores e árbitros confiem uns nos outros. É um estilo que exige que árbitro e jogadores se comuniquem quando surgem divergências. Ele se baseia em maturidade, bom senso e colaboração.

As arbitragens existem para preencher as lacunas nas regras, porque nenhum conjunto de regras pode ser completo no sentido de nenhum conjunto de regras pode dar conta de todos os cenários possíveis que podem surgir.

Isso não significa que árbitros da OSR ignorem as regras ou que elas não tenham importância [7]. Esse é um equívoco muito comum sobre o princípio de “Rulings, Not Rules[8].


∞ Travis Miller ∞

Nenhum comentário:

Postar um comentário