terça-feira, 23 de setembro de 2025

Sutilezas de “Arbitragens, não Regras”

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em julho de 2023)

Travis Miller segue cozinhando suas ideias em relação às arbitragens do mestre de jogo, ao "Rulings Not Rules"...

Os primeiros anos da OSR foram, em parte, uma rejeição às intenções de design fundamentais [2] que sustentavam as edições do jogo da WotC.

O mantra “Arbitragens, não Regras” [Rulings, not Rules] surgiu naquela fase inicial da Old School Renaissance. Ele vem do panfleto de 2008 de Matt Finch, The Quick Primer for Old School Gaming [3].

"Na maior parte do tempo no estilo de jogo antigo, você não usa uma regra; você faz uma arbitragem. É fácil entender essa frase, mas é preciso um lampejo de insight para realmente “captar” a ideia. Os jogadores podem descrever qualquer ação, sem precisar olhar a ficha de personagem para ver se eles “podem” fazê-la. O árbitro, por sua vez, usa o bom senso para decidir o que acontece ou rola um dado se achar que há algum elemento de aleatoriedade envolvido, e então o jogo segue adiante. É por isso que os personagens têm tão poucos números na ficha, e por que eles têm tão poucas habilidades especificadas."
Matt escreveu: “Na maior parte do tempo no estilo de jogo antigo, você não usa uma regra; você faz uma arbitragem.”

Eu discordo, um pouco. Existe outra categoria de regras que muitos designers e mestres de jogo ignoram.

Essas são as regras implícitas.

As regras implícitas dos jogos de interpretação.

Uma regra implícita é uma regra derivada por raciocínio dedutivo a partir do cenário do jogo e das regras escritas. As regras implícitas são os muitos pressupostos não declarados de um RPG que também frequentemente permanecem inexplorados até que surja uma situação incomum.

Por exemplo, em jogos OSR, personagens jogadores podem realizar muitas tarefas básicas por padrão. Isso é uma regra, mas é implícita e não escrita.

Muitas das regras implícitas podem ser deduzidas a partir de objetos no jogo. Pederneira e aço estão na lista de equipamentos no AD&D Player’s Handbook. Pode haver alguma regra sobre acender fogueiras em algum canto empoeirado do DMG, mas não vou me dar ao trabalho de procurar. A regra implícita é que um aventureiro pode acender uma fogueira com pederneira e ignição.

A diferença entre uma arbitragem e uma regra implícita é que a regra implícita raramente deixa dúvidas quanto à questão que responde. É tão óbvio, que Gary não achou que valia a pena gastar tinta para explicar.

Isso não seria apenas uma decisão de bom senso?

Eu prefiro minha taxonomia de “regra implícita” porque toda pessoa razoável na mesa conhece a regra implícita. Eles a levam em consideração quando fazem uma escolha para seu personagem. Quando o árbitro descreve uma consequência negativa baseada em uma regra implícita, ninguém reclama.

Por que os jogadores compram rações não perecíveis? Porque, se colocarem um pedaço de carne crua na mochila para cozinhar depois, ele vai estragar em um dia, deixar os personagens doentes se comerem, começar a feder e atrair monstros. Você sabe disso. Eu sei disso. Não é necessária nenhuma decisão. É óbvio.

Você pode dizer: “E quando um jogador tenta fazer algo que vai contra uma regra implícita óbvia e o árbitro tem que decidir contra isso? Isso não seria uma arbitragem?”

Eu penso nisso como uma forma de advocacia de regras [comportamento do famoso "advogado de regras"] não muito diferente de um jogador que afirma uma interpretação duvidosa de uma regra escrita. Às vezes, regras implícitas viram regras caseiras por causa desse comportamento.

O que é uma arbitragem e quando eu a faço?

Eu faço arbitragens quando um jogador quer que seu personagem faça algo e

  1. Não existe regra que possa ser aplicada à situação.
  2. Existe uma regra, mas ela não leva em conta variáveis específicas da situação específica.
  3. O resultado não é certo e criará uma mudança significativa no estado do jogo [4].

Na maioria das situações, os árbitros da OSR não precisam fazer uma arbitragem porque as regras são suficientes.

Se estamos em um combate padrão, com adversários padrão, e todos estão escolhendo movimentação e ações de combate padrão; o árbitro não precisa fazer uma arbitragem porque as regras escritas são claras sobre como lidar com ações rotineiras [5].

Se os personagens estão se movendo em um corredor de masmorra, batendo com uma vara e abrindo portas da maneira usual, nenhuma arbitragem é necessária porque as regras para esses tipos de atividades são implícitas.

Essas situações normais que se enquadram nas regras constituem a maior parte da experiência de jogo old school.

Isso não significa que “Arbitragens, não regras” é um pouco exagerado?

A coisa mais importante a entender sobre “Arbitragens, não Regras” é que jogadores criativos vão inventar ideias que não estão cobertas pelas regras, produzem resultados significativos no estado do jogo, e esse comportamento deve ser encorajado.

Uma das maiores queixas que árbitros old school têm com jogadores focados em regras é que o jogador está constantemente tentando jogar o jogo em vez de jogar o mundo.

“Jogar o mundo” é uma abreviação comum na conversa OSR em que os jogadores são encorajados a imaginar o espaço que seus personagens habitam e então agir com base no que está nesse constructo mental compartilhado, mesmo que não exista regra ou mecanismo para aquela ação.

Jogadores que jogam o mundo criam a necessidade de arbitragens. Há tantas incertezas criadas por esse tipo de jogo que nenhum conjunto de regras poderia cobrir todas as situações.

Arbitragens são necessárias quando não existe regra (escrita ou implícita) que se aplique e o resultado do evento em questão tem um impacto significativo no estado do jogo.

“Arbitragens, não Regras” é um conceito central do jogo clássico de aventura fantástica. É uma forma imersiva e envolvente de jogar RPG quando o árbitro toma boas decisões [6] que resolvem a questão [7] levantada de maneira satisfatória para os participantes.

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