(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em janeiro de 2024)
Primeiro: um grandioso e memorável 2024 a todos vocês. Obrigado por suas palavras gentis, críticas afiadas, percepções penetrantes, apoio laborioso e humor ao longo do último ano. Vocês são o melhor público que um blogueiro poderia desejar.
Ao que interessa (e não temam, o NAP III continua sem interrupções). Tive alguns pensamentos sobre certas tendências que permeiam a confusa e invertida névoa do pós-OSR, após uma proclamação do oráculo e algumas conversas com colegas apreciadores do OSR (e também do “OSR”).
Complexidade & Profundidade
O primeiro é um curto vídeo [2] do enigmático Underground Parti, um aspirante a criador de retroclones do tipo mais raro; um que eu não desejo imediatamente queimar na fogueira. Nele, ele descreve dois conceitos em design de jogos: Complexidade e Profundidade. Em design de jogos, um designer pode adicionar Complexidade com a intenção de trazer Profundidade, o que torna as escolhas dos jogadores mais significativas e, portanto, mais prazerosas. O problema é que Complexidade nem sempre aumenta profundidade. Existem ainda duas formas adicionais de complexidade [3], a Complexidade de Compreensão [Comprehension Complexity] (que pode ser definida, de forma aproximada, como o esforço necessário para entender uma regra) e a Complexidade de Acompanhamento [Tracking Complexity] (o número de coisas que precisam ser acompanhadas durante o jogo).
Com esse princípio simples em mente, vejamos o OSR e as tendências de design [4] que têm surgido nos últimos anos.
O OSR Inicial
É interessante observar que, no OSR inicial (digamos de 2006 a 2015), materiais e regras começaram a ser publicados para jogos mais antigos que eram fundamentalmente aditivos. Eles são ferramentas para aumentar a profundidade. O suplemento Realms of Crawling Chaos permite jogar B/X em um modo mais lovecraftiano. Stars Without Number fornece uma caixa de ferramentas para a criação e geração rápida de sistemas estelares e um sistema abstrato de combate entre facções. A arte de criar megadungeons é redescoberta e formalizada. O sistema Adventurer Conqueror King oferece cobertura abrangente do Jogo de Domínio [Domain Play]. A polêmica regra Shields will be Splintered! adiciona uma opção extra para o guerreiro negar um golpe ao custo de um escudo (com um efeito colateral indesejado, já que guerreiros podem carregar vários escudos). A Table of Doom dá ao MJ uma forma de resolver personagens perdidos na masmorra. Há inúmeros exemplos a serem encontrados. O denominador comum é que todos tentam aumentar e acrescentar ao esplendor, possibilidade e profundidade do jogo original.
Esse é o ciclo de vida normal de um jogo. As regras básicas originais são publicadas e suplementos são criados para aumentar a profundidade, as opções do jogo e levá-lo a direções antes inalcançáveis. Revisões de regras existentes são, em geral, menores.
O novo ‘OSR’ ou No-SR
Com o OSR, à medida que o tempo passa e o fascínio pelos jogos originais começa a enfraquecer, vemos surgir uma segunda tendência. O “Rulings not rules” de Matt Finch [5] é expandido muito além de seu escopo original por pessoas que carecem de seu contexto, e a inovação passa a ser cada vez mais subtrativa. As interpretações confusas e simplificadas do estilo de jogo original são documentadas para codificar essa confusão [6]. Inicialmente, isso é ocasionalmente justificável. Quem nunca usou um sistema simplificado de carga como em Lamentations of the Flame Princess? Mas, com o tempo, essas “inovações” começam a se acumular. O hazard die procura eliminar a complexidade de acompanhamento, ligando o consumo de tochas e rações à tabela de encontros aleatórios. Into the Odd e, posteriormente, Knave eliminam as classes. As habilidades dos personagens são reduzidas. Pessoas passam a defender ataques que acertam automaticamente para que “não precisem esperar uma rodada inteira.” A direção de toda essa suposta inovação é diminuir a complexidade, muitas vezes ao custo da profundidade. O que se ganha com esse sacrifício?
Acessibilidade e facilidade de uso tornam-se o nome do jogo. Os jogos já não são discutidos em termos do que permitem ao jogador ou ao MJ fazer de novo, mas sim, em quão confortáveis ou rápidos são de usar. Esse é um estado fundamentalmente decadente e criativamente invertido. Quase nenhum esforço é dedicado a elevar o teto e explorar horizontes antes inexplorados, complexidade e refinamento que se danem. Em vez disso, a mesma matéria-prima é incessantemente desgastada, as faixas de níveis são comprimidas e a jogabilidade é expurgada para acomodar a troca de sistemas a cada 5 sessões. A complexidade é reduzida ao custo da profundidade.
Isso é celebrado por pessoas sem interesse no jogo original (ou, às vezes, com antipatia bizarra por ele), porque permite acesso a um movimento popular, e elas não percebem a perda de profundidade, pois nunca tiveram consciência dela. Mas, para aqueles que já ultrapassaram a barreira da Complexidade de Compreensão, essa suposta “inovação”, na realidade, anti-inovação, é inútil no melhor dos casos e obscena no pior. Também é incentivada porque a capacidade criativa das gerações anteriores, já familiarizadas com o material por décadas de jogo, supera em muito a dos designers aspirantes, então o campo precisa ser “limpo” para que eles possam prosperar.
Há um efeito cumulativo. No modelo aditivo inicial, materiais e princípios anteriores são usados como base e fundação para mais inovação. Tudo é avaliado em contexto com o que já existiu. Isso gera movimento ascendente, pressão. Os benefícios são óbvios se olharmos, por exemplo, para comunidades de modding de videogames. DOOM ainda é jogado e WADs ainda são criados até hoje. Os melhores desses WADs são muito mais complexos e, muitas vezes, melhor projetados do que os mapas originais (que já são ótimos), porque o jogo é bem compreendido e as pessoas têm a vantagem da retrospectiva.
No NoSR, que busca se livrar do peso de suas fundações, e cujos membros frequentemente não recorrem a conquistas anteriores como base para inovação, o resultado é a falta de rumo. Os membros discordam até sobre o que o OSR realmente é, e para evitar conflito, a definição é tornada o mais ampla possível para que todos se sintam bem-vindos. Isso cria um problema, porque a inovação aditiva requer concordância de direção. Se você quer acrescentar algo, precisa primeiro concordar sobre qual é o objetivo desejado. É imersão narrativa? É desafiar a habilidade do jogador? Uma vez que isso deixa de ser acordado, a única inovação possível com apelo amplo é reduzir a complexidade, aumentando assim a facilidade de uso.
O objetivo final e a direção dessa anti-inovação é extrair os princípios das regras e “libertá-los”, para que o OSR possa ser experienciado sem precisar lidar com o jogo oldschool em si. Por que isso é desejável, ninguém sabe. A tolice, claro, é que os princípios estão contidos e enraizados nas regras e blocos de construção do jogo. O melhor que se produziu até agora são fac-símiles expurgados, de pouco interesse para quem está imerso nas obras originais, porque os desconstrucionistas medíocres da era do Google+ foram incapazes de compreender, em alguns anos, as complexidades de um jogo que nem mesmo é totalmente dominado após décadas, e não estavam dispostos a aprender. A única direção possível é a desconstrução ainda maior.
Tive que conter uma risada quando alguém descreveu, digamos, Cairn 2e como “abrindo novos caminhos”, quando com os ruleslites, a verdade é exatamente o oposto. Terreno antigo é cedido sem reflexão, e esse recuo rastejante é considerado desejável e “moderno”. Mas todo o objetivo do OSR era corrigir os excessos do design "moderno" de jogos e vivenciar uma era mais fluida, orgânica e inspiradora!
O Padrão da Utilidade e suas consequências têm sido um desastre para a raça humana.
Acredito que isso também esteja ligado ao Padrão da Utilidade. O Tenfootpole.org continua sendo o site de resenhas de OSR mais popular da internet, de longe, e há excelentes razões para isso. Bryce foi pioneiro em codificar um conjunto de qualidades desejáveis em aventuras [7] que tiveram grande influência na forma como o design de aventuras foi moldado no OSR, inicialmente em grande benefício da qualidade geral. Essa codificação influenciou bastante meus próprios padrões de resenha. Além disso, ele é incansável: cobre quase tudo, e a amplitude de seu trabalho permite que leitores filtrem muitas das inúmeras obras ruins que proliferam. Em resumo, com esta crítica não desejo, de forma alguma, diminuir a significativa e positiva contribuição que o Tenfootpole deu ao oldschool gaming.
Dito isso, ao longo do tempo, as tendências nas deficiências dos módulos resenhados tiveram um efeito desproporcional e distorcido nos padrões de avaliação do blog. Onde antes considerações como quantidade de tesouro, design de mapas, criação de novos monstros e itens mágicos, presença de jogo entre facções e outros atributos primários da jogabilidade eram fortemente levados em conta no veredito final, com o tempo as críticas começaram a se concentrar na usabilidade: a prosa precisava ser curta (mucho texto) e evocativa para estimular a imaginação criativa, e o material precisava ser fácil de consultar durante o jogo (layout).
Esses atributos, dentro de contexto, são em geral qualidades desejáveis. Mas a ênfase excessiva neles em detrimento de preocupações primárias mais tradicionais gerou um efeito distorcido, não apenas no blog, mas em todo o OSR que foi influenciado por ele. Isso ajudou a alimentar uma tendência de materiais bem produzidos, impecavelmente diagramados, com descrições floridas e salpicados de ideias interessantes, mas cuja jogabilidade era, em última análise, rasa. A imitação superficial era incentivada, enquanto um engajamento mais profundo era rejeitado. Isso culminava em materiais ricos, complexos e, em certo sentido, brilhantes, como Night Wolf Inn ou Melonath Falls, sendo deixados de lado em favor de entradas bem produzidas e estilosas, porém simplistas ou estruturalmente frágeis, apenas porque seriam relativamente difíceis de usar ou possuíam pequenos problemas de apresentação, mesmo que o esforço adicional fosse amplamente recompensado.
O resultado final é uma tendência de design voltada para a facilidade de uso e para o alívio do sofrimento. O OSR já não olha mais para as estrelas ou para novos horizontes, mas voltou-se para dentro de si mesmo.
Design Aspiracional e NAP
O NAP é minha contribuição pessoal para reverter algumas dessas tendências destrutivas atualmente predominantes no hobby, primeiro ao ilustrar a riqueza e a variedade do jogo original estimulando o engajamento com sua premissa, fomentando a inovação A PARTIR dessa fundação, em vez de um desordenado “pintar com os dedos” criativo em busca de aplausos, e agora ao tentar abrir novos caminhos sobre essa base.
Eu digo: que o design de jogos volte a ser aspiracional e aditivo. Mesmo em uma década, o OSR não conseguiu explorar totalmente o potencial, a vastidão deixada em pousio pelo oldschool, nem redescobrir tudo o que foi esquecido. Vejo nos arquivos antigos incontáveis joias cintilantes de aventuras obscuras esperando para serem exploradas; no horizonte, novas terras esperando para serem conquistadas; e dias gloriosos de jogo real, ainda diante de nós.
O que proponho é uma criação que parte do que veio antes, que constrói sobre as lições do passado, pois esse é o único caminho para seguir adiante. Cada coisa nova é comparada ao que já existiu. Isso significa que, inevitavelmente, se você deseja publicar, descobrirá que alguém, anos atrás, já trilhou o mesmo caminho. Eu digo que podemos suportar essa dor. Eu digo que apenas com um olhar firme para o passado poderemos avançar com ousadia para o futuro incerto. O que vocês já me mostraram com o NAP III é que isso não só é possível, como é grandioso.
Não vamos mais ficar à deriva entre sistemas, como diletantes. Muitas vezes são necessários anos de jogo para explorar plenamente uma única edição de D&D, para realmente absorver suas peculiaridades, suas complexidades, sua beleza sublime. Foda-se suas “melhorias” e “regras da casa” que cobre eternamente o mesmo terreno. Ao inferno com as one-shots de níveis 1 a 3. Campanhas duradouras. Jogos (e haverão jogos reais) intrincados que valham a pena ser exploradas por anos, até décadas. Aventuras que busquem expandir os limites do possível. Algo genuinamente novo. Uma campanha naval como a odisseia. Viagens pelos planos infinitos. Campanhas urbanas. Rumo às estrelas, aos abismos mais profundos, às alturas do poder. O oldschool gaming deve ser aspiracional. Vamos acrescentar Profundidade.
O OSR está morto, viva o eternamente renascido, OSR dividido.
∞ PrinceofNothing ∞
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1. https://princeofnothingblogs.wordpress.com/2024/01/01/on-design-and-anti-design/
2. https://www.youtube.com/watch?v=-N7ZpGmpSxM&ab_channel=UndergroundParti
3. https://www.gamedeveloper.com/design/design-101-complexity-vs-depth
4. https://dustdigger.blogspot.com/2024/10/um-olhar-historico-sobre-o-osr-parte-v.html
5. https://dustdigger.blogspot.com/2025/04/quick-primer-for-old-school-gaming-2024.html
6. https://lithyscaphe.blogspot.com/p/principia-apocrypha.html
7. https://tenfootpole.org/ironspike/?page_id=1201
Eis uma opinião bem divisiva. Acho que design é design, pode ser bom ou ruim, mas não "anti". A título de exemplo, veja o FKR, surgido justamente da cena OSR e mirando os lendários jogos de Arneson, Wesely, Barker e outros. Sua proposta é leve e libertadora, deixando de lado a maioria das regras mas sem renunciar ao componente estratégico do jogo (táticas, planejamento para uma expedição etc.).
ResponderExcluirTranquilo. Talvez o "anti" aí seja frente a uma proposta clara e específica de design. De qualquer forma, o Prince gosta de manter um estilo "forte" de escrita.
ExcluirInteressante colocação sobre o FKR, camarada. Obrigado!
Salve, Seeker! Não sei se concorda, mas a ideia de "anti-design", além de remeter a uma proposta específica de design, acho que também contém a noção de esforço consciente empregado, justamente por isso torna-se "anti-design", pois é uma reação deliberada contrariando certos princípios específicos de design.
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