sábado, 20 de dezembro de 2025

Sandboxes de ermos rasos e profundos

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em abril de 2019)

Apesar das dificuldades relacionadas a esse tipo de jogo [2], a maioria de nós consegue criar e conduzir aventuras de ermo gratificantes. Os livros de regras de OD&D e AD&D oferecem procedimentos funcionais para conduzir uma expedição ao ar livre, e há múltiplas abordagens para construir um sandbox [3] de ermo, desde jornadas fixas e lineares ao longo de estradas e rios, até pointcrawls e hexcrawls [4] mais livres. Apenas três ingredientes são necessários:
  1. Uma abordagem subjacente para transformar o mundo imaginário em um espaço de jogo (hexágonos ou quadrados, linhas de conexão, marcos visíveis) que possa ser descrito pelo MJ e navegado pelos jogadores.
  2. Procedimentos para expedições ao ar livre: movimento, exploração, encontros, comida e outros recursos, e assim por diante.
  3. Pontos de interesse que deem um motivo para visitar o ermo e diferenciem ir por um caminho ou por outro caminho.
Os três pontos podem ser satisfeitos de formas muito diferentes, geralmente com uma abordagem de combinação e variação. Com um pouco de preparação — ou uma prodigiosa capacidade de improviso (enrolação) — não é difícil montar e conduzir um cenário em miniatura.

No entanto, há uma questão frequentemente ignorada que faz grande diferença em como campanhas realmente baseadas no ermo acabam se desenrolando. Essa é a questão da profundidade. O conceito de configurações profundas e rasas é familiar. Em linhas gerais, você pode esboçar um cenário amplo em traços gerais ou selecionar uma área mais estreita e tratá-la em profundidade, onde cada cantinho tem algo. Fazer ambos é teoricamente possível (Tolkien, Greg Stafford e M.A.R. Barker o fizeram, assim como o menos respeitável Ed Greenwood), mas o cenário resultante pode se tornar inacessível para os jogadores e trabalhoso, ou ao menos muito difícil de gerenciar, para o MJ. A questão da profundidade também levanta perguntas para campanhas com forte componente de ermo: esse é o assunto deste post, que destaca as diferenças entre ermos rasos e profundos.

Um ermo raso: estrutura de camada única...

Um ermo raso se estende amplamente, e seus pontos de interesse tendem a ser individualmente pequenos e muitas vezes discretos — os proverbiais “grãos de areia”. O Senhor dos Corvos mantém um castelo no hex 1212; 1214 é o covil de 26 gnolls vivendo em um acampamento no topo de uma colina cercado por uma paliçada; e 1313 é um obelisco misterioso onde corvos sábios leem glifos conhecidos apenas por sua espécie. Essas são, na maior parte, descrições em nível de encontro; podem ser independentes (como os gnolls) ou inter-relacionadas (e o motivo dos corvos?), menores ou maiores, mas são mais ou menos tão complexas quanto a sala típica de uma dungeon. Há uma única “camada” de aventura: o próprio ermo. Isso não significa que não existam cidades ou vilas — mas elas existem principalmente no nível de encontro, sem entrar em detalhes mais profundos. Wilderlands of High Fantasy é, obviamente, o principal modelo dessa abordagem, enquanto The Sea of Vipers — que em parte inspirou este post — é um exemplo mais recente.

As implicações para o jogo apontam para muita viagem através de um grande número de hexes. Procedimentos relacionados à viagem, como monstros aleatórios do ermo, perder-se, gerenciar comida e assim por diante, tornam-se um aspecto importante da jogabilidade. Alguns recursos dos personagens serão menos preocupantes (feitiços e pontos de vida podem ser recuperados com descanso), enquanto questões como taxas de movimento e frequência diária de encontros aleatórios podem se tornar mais relevantes. Em geral, o ermo constitui a maior parte da aventura, ao menos por algumas sessões: nossa grande campanha de Wilderlands 3.0 foi basicamente uma longa jornada de uma dungeon (Rappan Athuk, da Necromancer) para outra dungeon (Dark Tower, da Judges Guild, embora infelizmente a campanha tenha terminado logo antes de chegarmos lá). Houve desvios e paradas ao longo do caminho, mas o jogo era em grande parte sobre vagar pelas áreas costeiras de dois enormes mapas de campanha e causar destruição.

Um ermo profundo: estrutura multicamadas...

Um ermo profundo talvez se conecte melhor à experiência comum de D&D: aqui, a parte da expedição pelo ermo é o tecido conectivo entre outros tipos de aventuras, que são substanciais por si mesmas. Os jogos resultantes talvez sejam melhor entendidos como multicamadas: há camadas de tamanho decrescente e complexidade crescente conforme você desce do “mapa geral” para o hex individual, e além. Para tomar um exemplo de uma campanha intermitente que estou conduzindo:
  1. Você tem um mapa geral de cenário (o império inspirado na Roma decadente, Kassadia, e suas cidades-estado sucessoras do início da Renascença)…
  2. …mas algumas áreas, como “A Floresta de Gornate” na imagem incorporada, são descritas com mais detalhe; no meu caso, como um pointcrawl
  3. …e alguns pontos desses mapas são, eles próprios, locais detalhados (a cidade de Mur) ou dungeons separadas (a Grande Fenda; a Vila de Lucretia Vinalli; os Jardins Suspensos de Marabundus etc.). No nosso caso, a Grande Fenda tem mini-dungeons ao estilo de Keep on the Borderlands!
Obviamente, apenas áreas selecionadas do cenário amplo são descritas com esse nível de detalhe, já que seria extremamente demorado, para não dizer desperdiçador, estender esse tratamento ao todo.

Um cenário de ermo profundo coloca um pouco menos de ênfase em viagens prolongadas e seus procedimentos associados. Na verdade, tende a ancorar os jogadores em uma área menor, atraindo-os para áreas de sítios de aventuras e envolvendo-os em conflitos locais. Uma vez que você começa a se enredar nos assuntos dos nobres da região, ou a ser levado mais fundo nos mistérios da floresta, faz menos sentido simplesmente cortar vínculos e viajar para Frabotia, quanto mais para Thrygia ou para as terras além da fronteira norte do mapa. Você poderia jogar uma minicampanha inteira em uma área limitada — e fizemos isso em vários cantos das Wilderlands (em torno da vila de Tegel, na península de Wormshead, nas terras devastadas e reinos insulares ao redor de Zothay).

O jogo pode desenvolver uma complexidade que não acontece tanto em um longo itinerário (que tende a encorajar um jogo episódico), e os mesmos locais podem ser reutilizados a ponto de se tornarem familiares, enquanto ainda revelam novos desafios e ameaças. Descobrir que o esconderijo do cultista da besta estava nas Colinas de Ligonia o tempo todo, ou voltar a Mur para desvendar um complô de insurreição envolvendo antigos amigos, é uma experiência marcante. No entanto, você perde a magia da viagem de longo alcance: há algo libertador em cenários amplos e rasos, onde você pode realmente seguir rumo ao horizonte para ver o que há lá.

Neste ponto, não sei se nossa campanha em Kassadia vai evoluir para um lado ou para o outro — isso será resultado de sua trajetória natural — mas vejo potencial em ambas as rotas. Gostaria que meus jogadores vissem a Viaskar de muros vermelhos e seus lugares de peregrinação, e enfrentassem os selvagens Harepsi e suas fortalezas ambulantes. Mas também gostaria de envolvê-los em tramas locais complexas e deixá-los descobrir interconexões e detalhes ocultos. E aqui está o dilema: o tempo e a vida natural de uma campanha limitarão o quanto podemos abarcar; e a profundidade terá um efeito decisivo sobre para onde nossas aventuras nos levarão.

∞ Gabor Lux ∞

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