(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em janeiro de 2025)
Um tópico que surge de tempos em tempos nas discussões sobre jogos de RPG é a questão do que é apropriado incluir em um jogo. O que deveria [2] ser permitido?
A resposta curta que dou é: o que quer que o designer, o editor e os jogadores do jogo desejem.
Velho argumento. Mídia diferente.
Pouco depois da publicação dos primeiros quadrinhos, surgiu uma discussão sobre o que deveria estar neles [3]. Isso resultou na criação da Comics Code Authority, um acordo entre as principais editoras e distribuidoras para censurar os quadrinhos. Esse código desapareceu porque as editoras encontraram maneiras de contornar os censores e os livros com temas mais maduros fizeram enorme sucesso.
Houve muitos debates sobre se temas maduros deveriam ser "permitidos" nos RPGs de mesa. De modo geral, esse conteúdo tem sido evitado. Embora as empresas de jogos tenham estabelecido diretrizes de conteúdo desde os anos 80, não há uma autoridade que impeça alguém de publicar o que quiser.
O que impediu os jogos com temas sombrios de se tornarem populares foi a mentalidade dentro do próprio hobby.
Entusiastas de RPG que querem jogos maduros foram deixados de lado
Os principais editores de RPG evitam criar jogos para públicos maduros porque, sempre que o fazem, são acusados (por uma minoria pequena, mas barulhenta) de serem pessoas horríveis que defendem crenças terríveis ou incentivam comportamentos terríveis.
Se aplicarmos essa lógica a outros meios de entretenimento, a estupidez dessa ideia se torna evidente.
Esse é o mesmo tipo de retórica usada para atacar a música heavy metal durante o Pânico Satânico dos anos 80.
Culpa por associação
Uma das razões pelas quais jogadores evitam comprar RPGs com material maduro é que essa mesma acusação absurda é feita contra qualquer um que tenha interesse em jogar um desses jogos.
"Oh, você gosta desse jogo? Então você deve ser um sexista / psicopata / pervertido / racista / fascista / comunista / imperialista..."
Não assumimos que um jogador que interpreta um bardo que quer transar com qualquer coisa que tenha um coração pulsante seja um viciado em sexo com um caso grave de herpes.
Ainda assim, alguns idiotas acreditam que, se você joga uma campanha de Dark Sun, você deve ser a favor de genocídio e escravidão.
Mais uma vez, a ideia de que pessoas que jogam RPGs que incluem algumas das realidades mais feias da experiência humana, são automaticamente imorais, é um absurdo evidente.
Quando você joga um RPG de mesa, é diferente.
Se meu personagem faz algo antiético, imoral ou que não seja considerado correto sob a ótica moderna, fui eu quem tomou essa decisão – e há testemunhas.
A maioria dos jogadores não quer jogar um jogo onde possa ter que dizer em voz alta algo que o "diabinho no seu ombro" considera uma ótima ideia. Isso os obrigaria a confrontar sua própria sombra interior.
Eles preferem jogar um jogo onde podem ser o herói sem ambiguidades.
A maioria dos jogadores não quer que seus jogos sejam experiências emocionais desconfortáveis ou perturbadoras. Eles querem ser heróis que empunham espadas, balançam em lustres e cavalgam rumo ao pôr do sol. Eles querem se divertir.
A diversão é ótima, mas não é tudo
Experiências de entretenimento divertidas geralmente não são particularmente profundas do ponto de vista emocional ou intelectual. Eu gosto de ler Dickens, mas não o chamaria de "divertido" da mesma forma que uma história do Conan é divertida. Embora as histórias de Conan tenham alguns temas pesados se você procurar por eles, Dickens é mais complexo e instigante.
Se você quer ter uma experiência emocional ou intelectual profunda, precisa explorar lugares sombrios. Não há como evitar isso. Drama não é sobre coisas boas acontecendo a pessoas boas.
O que deve ser excluído dos jogos de RPG?
Nada.
Qualquer coisa pode ser excluída. Há muitas razões válidas para alguém querer excluir certos temas do seu jogo ou dentro de um grupo específico.
Isso significa que esses temas devem ser excluídos de todos os jogos e de todas as mesas? Não, não significa.
Se um grupo quiser jogar como vikings do século IX saqueando aldeias nos Bálcãs e vendendo cativos em portos bizantinos, então é isso que eles devem fazer.
Jogar um jogo assim é imoral? Não.
Interpretar um personagem que saqueia aldeias e leva cativos é imoral? Não.
Isso não é mais imoral do que ler um romance histórico ou assistir a um filme onde o protagonista é um viking que invade uma aldeia, incendeia um monastério e leva uma bela jovem gaélica como sua nova esposa para a Islândia.
Sabemos que o que os vikings fizeram foi terrível. A maioria das pessoas vivas no século IX também achava que os vikings eram terríveis. Jogar como um viking em um jogo não significa que os jogadores acham isso maravilhoso.
Esse jogo não será para todos. Pode ser muito desconfortável. Algumas pessoas querem essa experiência.
Isso não as torna más pessoas.
Jogar um personagem fictício que faz coisas terríveis a pessoas fictícias não é o mesmo que defender ou justificar atos terríveis que pessoas reais cometeram ou cometem contra outras pessoas.
O que eu faço
Na maioria dos grupos e circunstâncias, jogo e mestro RPGs de aventura pura e simples.
Quando me dá vontade de incluir temas imorais, antiéticos ou francamente malignos nos meus jogos, eu o faço.
Escolho isso porque, às vezes, quero criar experiências de jogo que desafiem o grupo (incluindo a mim mesmo) a refletir sobre questões difíceis e a passar por experiências emocionais desconfortáveis que vão além do simples entretenimento e diversão.
Sei que nem todos querem jogar esse tipo de jogo. Sempre discuto como será a experiência e me certifico de que todos os jogadores estejam de acordo.
Se não estiverem, terão que encontrar outro grupo para jogar, porque é esse o jogo que estou mestrando.
Se um jogador do meu grupo decidir que seu personagem faz algo perturbador, não vou presumir que ele seja um psicopata ou um defensor do mal.
Vou presumir que ele está tendo um momento catártico que, de outra forma, não poderia experimentar. Ficarei feliz por ter facilitado isso e espero que possamos ter mais momentos assim juntos.
∞ Travis Miller ∞
∴
1. https://grumpywizard.home.blog/2025/01/09/why-i-include-awful-things-in-my-tabletop-rpg-campaigns/
2. https://grumpywizard.home.blog/2024/05/23/can-vs-should/
3. https://cbldf.org/comics-code-history-the-seal-of-approval/
*Aproveite também a leitura do seguinte texto do Megarato, "Ferramentas de segurança e temas sensíveis em RPG de mesa: Para que serve e para quem são?", relacionado ao tema.
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