terça-feira, 22 de abril de 2025

Pode vs. Deve

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em maio de 2024)

"Há muitas atitudes presumíveis sobre como D&D deve ser jogado, e não muitas perguntas sobre como ele pode ser jogado."
Travis Miller comenta um pouco sobre duas mentalidades na abordagem de jogos: "como DEVE ser jogado" e "como PODE ser jogado..."
Leitores atentos talvez tenham notado que os títulos e temas mudaram um pouco aqui no Blog do Grumpy Wizard nos últimos meses.

Embora haja algumas postagens em que declaro uma opinião forte, escrevi muitos posts com a frase “Como eu…” ou “Como faço para…” no título.

Como eu crio tabelas de geração aleatória?

Como faço para atrair os jogadores a criarem seus próprios objetivos em uma campanha
[sandbox]?

Esses posts não são sobre como “você deve” fazer essas coisas. São postagens que explicam como “eu” faço essas coisas.

Prefiro oferecer ideias e exemplos de como eu jogo, para que você possa decidir se isso funciona para você. Minha perspectiva é apenas uma dentre muitas sobre como jogos de RPG de fantasia clássica podem ser jogados.

Deve vs. Pode
 
Um problema em pensar que existe um conjunto restrito e limitado de regras, métodos e experiências desejadas é que outros jogadores não são eu.

Eles não têm as mesmas experiências de vida que eu. Eles não vivem as mesmas circunstâncias que eu.

Eu prefiro jogar presencialmente. Há muitas razões pelas quais outras pessoas preferem jogar virtualmente.

Encontrar um grupo local consistente pode ser difícil. Talvez a pessoa tenha uma doença ou deficiência que dificulte sair de casa. Talvez o cônjuge trabalhe no turno da noite e alguém precise ficar com as crianças. Talvez ela simplesmente prefira jogar online.

A pergunta não é: “Você deve jogar online?” A pergunta é: “Você pode jogar online?”

A resposta é: “Sim, se isso se adequa melhor a você e à sua situação do que jogar presencialmente.”

“Você pode jogar desse jeito?” aplicado de forma mais ampla

Ter uma inclinação para o “pode” e não para o “deve” se aplica a todas as partes do hobby.

Você pode ignorar as regras de carga?

Você pode jogar sem clérigos?

Você pode substituir o sistema de espaços de magia por um sistema de pontos de magia porque não gosta dos espaços de magia?

Você pode colocar alienígenas cinzentos, viagem no tempo e armas de fogo na sua campanha de Dungeons & Dragons?

A resposta mais uma vez é: “Sim, se isso se adequa a você e à sua situação.”

Você pode fazer o que quiser.

A única coisa que impede você de fazer isso é encontrar pessoas que queiram jogar o jogo que você quer jogar, da maneira que você quer jogar.
 
Pode” nem sempre se aplica

Alguns assuntos são verdadeiros ou falsos. Não acho que existam muitos, mas alguns existem.

As edições de D&D da WotC incentivam os jogadores a aplicarem uma mecânica [2] em vez de interagirem com o mundo do jogo de forma diegética. Jogar com um retro-clone ou com o conjunto de regras original é jogar uma versão old school do jogo. Rolar 1d6 gera uma distribuição plana, e rolar 2d6 gera uma curva de sino. Manipular dados é mentir para os jogadores; talvez com boas intenções, mas ainda assim é uma mentira.

Existem algumas práticas que todos os jogadores deveriam seguir se quiserem jogar ou conduzir uma sessão satisfatória. Quais são essas práticas é uma questão de debate que nunca chegará a um consenso, mas isso não significa que elas não existam.

Mesmo nesses elementos dos RPGs, experimentar vale a pena.

Você pode mexer nos elementos de um jogo, mas isso tem consequências.

Seus experimentos podem falhar. Ignorar ou alterar a pequena área dos jogos de RPG que são verdadeiras/falsas, corretas/incorretas provavelmente vai resultar em falhas. E isso pode ser algo bom. Você vai aprender algo sobre design de jogo e mestragem. Pode ser uma lição desagradável — o que também é positivo. Você não vai esquecer a lição depois que ela te der uma rasteira.

"Deve" tem consequências e limitações

Embora eu ache que existe uma pequena área de verdades quase absolutas sobre jogos de RPG, há um vasto campo de possibilidades ainda não exploradas porque muitos jogadores pensam em termos de “deve”.

Aprendi que muitas das técnicas e métodos mais recomendados para construir e conduzir jogos podem ser melhorados, ou que existem outros métodos que produzem resultados diferentes, que eu prefiro mais.

Muitas das “melhores práticas” amplamente seguidas são apenas práticas que são boas o suficiente na maioria das circunstâncias para a maioria dos jogadores. São métodos populares, não necessariamente os melhores.

Sabe o que mais é popular? Walmart. McDonald's. Café Folger's. Cueca Fruit of the Loom. O que torna essas coisas populares é que elas consistentemente não são ruins. Elas são consistentemente boas o suficiente a um preço que o maior número possível de pessoas aceita.

A maioria das pessoas vai preferir a chance de 100% de algo “bom o suficiente” do que uma chance de 25% de algo realmente transformador.

Muitas práticas, métodos e estéticas de jogo simplesmente não são ruins e custam um tempo e esforço que a maioria dos mestres ou jogadores está disposta a investir. Muitos mestres e designers de jogos acreditam que esses métodos “não ruins” são o que se deve fazer, quando na realidade, são apenas uma das coisas que se pode fazer.

Alguns métodos exigem mais esforço e mais investimento de tempo do que a maioria dos mestres quer gastar. O método alternativo pode não funcionar para eles, mesmo que funcione para outra pessoa. Então, voltam à abordagem consistentemente boa o suficiente. Um esforço mais arriscado ou que consuma mais tempo poderia gerar a melhor sessão de jogo que já tiveram, mas eles não sabem disso e preferem não correr o risco. Um mestre assim passa a acreditar que aquilo que ele faz habitualmente é o que deve ser feito.

A mentalidade do deve pode levar um mestre a parar de experimentar formas de jogar que talvez funcionassem melhor para ele do que o método padrão. Quando você acredita que está fazendo algo da forma que deve ser feita, você para de se perguntar: “E se eu fizesse de outro jeito?”

O deve sufoca a criatividade.

O maior benefício que encontrei ao perguntar sinceramente “Posso fazer isso...” foi abrir as possibilidades da experiência de jogo.

A crença padrão é que “murder hobos” são algo ruim para uma campanha. Se eu simplesmente aceitasse essa crença como a forma como o jogo deve ser jogado, eu nunca teria perguntado: “Murder hobos podem ser divertidos?

Decidi criar situações nas minhas campanhas em que os jogadores são tentados, ou até incentivados, a jogar como um bando de andarilhos homicidas. Descobri que isso pode ser recompensador quando NPCs e facções reagem a esse tipo de comportamento colocando recompensas pela cabeça dos personagens dos jogadores e criando outras consequências para os que escolhem cometer atos malignos. Gostei mais dessa experiência do que a de aplicar restrições mecânicas (como penalidades de XP) para incentivar os jogadores a se manterem dentro de alinhamentos bons e feitos heróicos.

Prefiro deixar os jogadores com a opção de escolher o mal para alcançar seus objetivos. Isso exige um esforço extra da minha parte, e alguns jogadores não se sentem muito confortáveis com esse tipo de coisa, o que limita meu público de jogadores potenciais. Tudo bem, eu aceito isso.

Todos os jogadores "devem" adotar uma mentalidade de “pode”?

Há benefícios em manter certas abordagens testadas e aprovadas para jogar. As regras, procedimentos e métodos que Gary e os primeiros designers de RPG criaram realmente produzem a experiência que a maioria dos jogadores busca.

Mas também há benefícios em experimentar formas diferentes. Às vezes, os métodos antigos não se encaixam nas circunstâncias de um grupo. Às vezes, eles não produzem o resultado que estamos procurando. Experimentar pode revelar uma experiência que não sabíamos que era possível ter com um jogo.

“Jogos diferentes para pessoas diferentes” se tornou um dos meus aforismas favoritos por um motivo.

Eu quero o tipo de experiência de jogo que eu quero ter.

Abandonar a teoria de que só existem certas formas de jogar um jogo específico, e experimentar como ele pode ser jogado, me ajudou a obter mais do que eu quero, do que aceitar os conselhos comuns dados por pessoas que não são eu e que não querem o que eu quero.
 
∞ Travis Miller ∞

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