(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em outubro de 2017)
*
"Digressão sobre [dois módulos de aventura bem avaliados]: é uma leitura muito boa, mas reforça meu desejo de ser mestre de uma fantasia 'vanilla' a níveis desconhecidos. Não tenho certeza do por quê exatamente." -- Settembrini
Resumo: Este post defende uma nova visão sobre a fantasia vanilla e considera como devemos abordá-la. Neste ponto, é mais um experimento mental do que um guia prático.
***
"Vanilla..." |
A fantasia vanilla muitas vezes tem uma má reputação, e nada torna isso mais claro do que o fato de que até seus fãs tendem a se desculpar por apreciá-la. Embora sua definição seja tão vaga quanto a do pornô “eu sei o que é quando vejo”, é fácil encontrar críticas direcionadas a ela. A fantasia vanilla é comumente ridicularizada como entediante, "ainda presa a um modo pós-tolkieniano com uma variedade padrão (e estagnada) de tipos raciais/culturais e ambientes", tão previsível que "todos conhecem os principais clichês do cenário antes mesmo de você contar o pano de fundo", e fortemente dependente de "características clichês de fantasia", e "já esgotada" (trechos aleatórios de um tópico aleatório de fórum discutindo o subgênero).
"Vanila também..." |
***
Há muitos que acusam o jogo old school de ser essencialmente revisionista, e embora inevitavelmente percam o ponto sobre por que as pessoas gostam desses jogos, eles não estão totalmente errados. Esses materiais old school têm muito mais vanilla neles do que alguns admitiriam. Hoje em dia, tendemos a nos fixar nas partes mais exóticas dos Wilderlands of High Fantasy, mas em seu cerne, é tanto sobre castelos, hobbits, dragões e nazgûls quanto sobre naves estelares caídas e deuses bárbaros reinando sobre cidades-estado isoladas. Greyhawk é metade a fantasia fantástica fora do comum de White Plume Mountain e a série GDQ, e metade um conjunto de reinos pseudo-medievais com a textura de The Village of Hommlet e Keep on the Borderlands.
"Vanilla com açúcar extra por cima..." |
***
A fantasia vanilla está sendo feita no jogo old school? Sim; na verdade, há uma quantidade considerável dela se você olhar os lançamentos da RPGNow, e provavelmente não passa uma semana sem que saia um novo módulo de caverna de goblins que se encaixe nessa descrição. Mas o motivo deles receberem pouca atenção não é apenas por causa de hipsters terríveis que odeiam a torta de maçã da mamãe, a segunda emenda e Gary Gygax (como a teoria vai no K&KA), mas também porque a maioria deles é simplesmente ruim ou desinteressante. Além de problemas estruturais (como a questão de “16 salas em 24 páginas”, o indicador mais confiável de uma aventura decepcionante ao lado de longos trechos de texto encaixotado), eles frequentemente trabalham a partir de um conjunto exaurido de blocos de construção padrão, que foram usados em excesso até o ponto em que perderam seu desafio, imaginação e maravilha. Seu conjunto de influências muitas vezes se limita a dois ou três módulos (mas, na verdade, principalmente Keep on the Borderlands sem o esforço extra). Mesmo hoje, a má reputação da fantasia vanilla não é inteiramente imerecida.
"Vanilla boa pra caramba..." |
Além disso, as pessoas que têm um bom olhar para a fantasia vanilla, e podem ter algo a dizer sobre a aplicação de suas lições no jogo, têm estado inativas. Li muitas queixas sobre a falta de bons e honestos módulos de aventura, que você poderia importar para Greyhawk ou para sua terra de fantasia pseudo-medieval caseira, mas muito menos propostas ativas para resolver o problema escrevendo e compartilhando algumas aventuras realmente boas nesse estilo. Reclame dos hipsters o quanto quiser, mas pelo menos eles estão fazendo algo – eu poderia listar inúmeros produtos old school memoráveis dos últimos anos com algum tipo de premissa hiperexótica, mas é muito mais difícil lembrar o que a fantasia vanilla fez por mim ultimamente (Secrets of the Wyrwoode [2] foi uma boa exceção recente). Por vários motivos, as pessoas que escrevem coisas boas tendem a evitar a vanilla; as pessoas que poderiam escrever uma boa vanilla não o fazem; e sem a maré criativa que elevaria todos os navios, o campo é deixado para estagnar. (Há uma enorme biblioteca de produtos para Pathfinder e 5e sobre os quais sei muito pouco e que podem se encaixar no perfil, mas, sinceramente, nada até agora me fez querer olhar mais de perto).
Mas não precisa ser assim. Não há nada inerentemente errado com a vanilla. Ao contrário das imitações, diluições e substitutos, a verdadeira vanilla tem um sabor rico e complexo. Uma colherada de sorvete de baunilha é uma pequena amostra do paraíso, e a vanilla é um ótimo ingrediente em muitas receitas. Há uma boa razão pela qual as pessoas começaram a gostar de vanilla em primeiro lugar. Se percebermos isso, podemos acertar. Podemos tornar a vanilla grandiosa novamente!
***
"Vanilla boa pra caramba com magos em chapéus cônicos..." |
Precisamos revisitar os temas dos quais a fantasia vanilla é construída para apreciar sua beleza e clareza – as paisagens, personagens e enredos que apelam à imaginação. Precisamos devolver-lhes seu significado, preenchê-los com conteúdo. Se fizermos isso, há poder nas histórias de cavaleiros que tentam fazer o bem e representar um ideal heroico, mesmo que (e talvez especialmente quando) não seja fácil ou conveniente. Há valor em preservar terras rurais bucólicas se elas incorporam um modo de vida digno. Não há nada banal ou clichê nas maravilhas da beleza natural, ou no mistério de uma densa paisagem florestal pontilhada por ruínas de uma era melhor derrubada por um império maligno. Imbuídas de seu apelo original, as fadas podem ser misteriosas e assustadoras novamente, e podemos, de maneira semelhante, apreciar a magia em seu devido lugar – como algo caprichoso, maravilhoso, mas fundamentalmente perigoso. A beleza (embora muitas vezes uma beleza perigosa e corrompida) é um marco desse subgênero, assim como terras desoladas inóspitas são o domínio da espada & feitiçaria. A própria paisagem frequentemente tem uma certa dimensão moral – os pontos de luz de Tolkien, como a casa de Beorn ou Lothlórien, têm poder curativo, enquanto lugares corrompidos por Sauron são ativamente hostis e degradantes.
"Vanilla boa pra caramba com esquilo assassino..." |
Também precisamos redescobrir uma complexidade moral que geralmente falta nas imitações de segunda categoria. A fantasia vanilla lida com conceitos relativamente bem definidos de bem e mal, e este elemento pode ser o mais difícil de executar sem moralizações simplistas, vilania de desenho animado de sábado de manhã, ou algo onde o “bem” acaba apenas sendo corrompido e assustador. Para deixar sua marca no jogo, o mal deve ser mais do que “parece mal” ou “pertence a um grupo que é mau” e estar presente no nível de “faz coisas más”. Vance (novamente) deu uma definição excelente: “O que é um homem mau? O homem é mau quando coage a obediência para fins privados, destrói a beleza, causa dor, extingue a vida.” Isso serve como uma boa definição prática. Da mesma forma, o bem não deve ser um rótulo conveniente, nem uma manifestação do "Ordeiro Idiota", nem mesmo um conceito satisfeito apenas ao se aventurar e derrotar monstros malignos. O bem exige esforço – em atos de generosidade, em fazer o certo mesmo quando inconveniente, e em resistir à tentação do mal. Conflitos morais têm lugar nesse tipo de fantasia; de fato, dilemas semelhantes dão um verdadeiro significado ao bem e ao mal (embora MJs adolescentes insuportáveis que fazem de tudo para forçar os virtuosos a cair por meio de situações impossíveis, sejam um aviso justo sobre o que não fazer com esse elemento).
Há um obstáculo onde a tarefa de conduzir uma campanha propriamente heroica sempre será difícil. As regras de D&D e o estilo de jogo presumido não favorecem um jogo muito heróico, já que os ousados e os tolos tendem a morrer de forma rápida e ignóbil em buracos úmidos em vez de seguir em grandes feitos. Provavelmente, este é um aspecto onde a lógica do gênero deve ficar em segundo plano. Destinos heróicos e personagens destinados a serem heróis podem não ser ideias completamente inviáveis, mas essas características precisam ser adaptadas ao estilo específico de D&D para evitar perder a agência dos jogadores e a emoção do risco. Ou seja, precisamos fazer tudo isso funcionar no jogo, o ponto onde Dragonlance tropeçou e nunca se recuperou, e onde vários jogos narrativos que tentam emular o gênero acabam sendo insatisfatórios porque os jogadores são protegidos das consequências de suas ações. Ironia das ironias, o monomito, aquele velho clichê popular que tenta explicar todas as épicas, de O Senhor dos Anéis a Star Wars e Harry Potter, é precisamente o que devemos abordar com cautela: não só tende a reduzir o escopo da fantasia heroica a um enredo padrão, mas está cheio de armadilhas ocultas que o tornam perigoso para um bom jogo.
***
"Vanilla boa pra caramba com heroínas, cristais e valquírias..." |
Claro, não precisa ser sempre tão dramático. Uma boa campanha de fantasia vanilla pode simplesmente ser uma que encontre uma maneira de apresentar os motivos tradicionais da fantasia de uma forma nova, onde o pano de fundo pseudo-medieval tenha um verdadeiro senso de maravilha e onde o jogo tenha uma dimensão moral interessante. É isso que é necessário, mas provavelmente é muito mais difícil de fazer hoje em dia do que uma campanha "Apêndice N" propriamente dita – evitando a corrupção das coisas ruins (e algumas delas são bem terríveis), ou a tentação de afundar a campanha em cinismo e ironia pós-moderna (onipresentes, mas em declínio na Era da Sinceridade). Mas como conseguimos isso, e a partir de onde seguimos?
1. https://beyondfomalhaut.blogspot.com/2017/10/blog-osr-module-o3-good-vanilla.html
2. https://beyondfomalhaut.blogspot.com/2017/03/review-secrets-of-wyrwoode.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário