domingo, 25 de agosto de 2024

Os 13 mandamentos do CAG (ou como CAGar pra eles). Um comentário.

"Então vocês entram na sala e veem o 'the mudcoreman' cagando para o CAG..."

Pensando no excelente texto do EOTB como base [1], resolvi pegar os pontos fundamentais que ele mesmo destacou e definir os “mandamentos do CAG”. A escolha deste termo é proposital e provocativa justamente para estimular o leitor a questionar o fato de que tudo de novo (ou velho renascido) que aparece no meio do RPG é interpretado como a nova “verdade absoluta” que deve esmagar todas as outras que vieram anteriormente, sem perdão nem discussão. O que não é o caso aqui. A nomenclatura CAG e os textos publicados aqui são apenas um norte para identificar um estilo para quem se interessa por ele e não achou no OSR moderno o que procura. O CAG não é escrito em pedra, nem é algo para se pregar de porta em porta. É apenas uma rememoração do que o Gygax já ensinava em seus textos lá atrás nos anos 70, sobre o jogo de fantasia aventuresca e como aplicar suas fantásticas regras nele.

Portanto, aí vai: os 13 mandamentos do CAG e como CAGar pra eles:

1) Nenhum jogador é obrigado ou esperado a substituir sua própria personalidade na mesa em prol de uma fictícia.

Esse é um dos que mais geram controvérsias e gerou até uma resposta do autor original do texto [2]. Quando o autor diz que o jogador não é obrigado a substituir quem ele é por uma personalidade fictícia em mesa, ele quis dizer justamente isso, você não é obrigado a atuar o personagem, não é obrigado a fazer vozinhas, a fazer escolhas baseadas “no que meu personagem faria”, mas também não é obrigado a não fazê-lo. Se seu Mestre gosta disso na mesa dele, e você quer fazer, manda brasa, vai fundo. As prioridades de uma mesa é da mesa. Ninguém se importa (e nem deve) com o que cada um escolhe aplicar em seu jogo. Mas o estilo CAG define que o ideal é focar em outras questões mais importantes, como, se aventurar.

2) Espera-se que os jogadores melhorem no jogo e demonstrem um domínio crescente de suas habilidades para com as regras.

Aqui começa a brilhar o palco do estilo. Quando você escolhe um sistema robusto e investe seu tempo e interesse nele, com o tempo você e seus jogadores vão notando como as peças se encaixam, como aquela mecânica que parecia esquisita ou exagerada no início precisava ser daquele jeito no início para só então não quebrar no meio ou no fim do jogo. Com a propriedade do conteúdo e o domínio das regras, você e seus jogadores vão jogar liso, a jogatina fica muito mais suave. E consequentemente, a experiência de jogo vai melhorando cada vez mais. É excelente ver isso na prática de jogo. Mas se você não quer se apegar a um sistema, não quer mudar o estilo de sua jogatina de fim de semana com os amigos que não querem se dedicar ao jogo, tudo ótimo também, talvez há outros pontos aqui que te interessem.

3) Espera-se que os jogadores usem o que o hobby moderno erroneamente despreza como “metagame” - e que seu uso não seja desencorajado.

Outro tópico que rende desde sempre. Metajogo é um termo curioso, pois no oldschool ele simplesmente não existe, pois, é esperado que o jogador traga de sua experiência pessoal, seu conhecimento, para ajudá-lo a vencer. Não se proíbe que isso aconteça, se estimula. Ignorar a aplicação de seu conhecimento em um jogo, é pedir para perder, pura e simplesmente. Mas se você é aquele que preza a imersão, que adora atuar seu guerreiro burro que não sabe que um zumbi morde, boa sorte, vista a roupa do boneco e transforme-o em um personagem dramático de várias camadas, desde que o Mestre de jogo esteja alinhado com você e os outros jogadores também não se importem. Há excelentes outros estilos de jogos que cobrem o que você deseja fazer (praticamente tudo de D&D que saiu nos anos 90 até o início dos anos 2000).

4) Os GMs não devem fazer metajogo – porque um GM tem conhecimento perfeito, eles devem se limitar.

Isso aqui é extremamente importante e é essencial pra se entender bem a proposta do jogo. O Mestre não tem permissão para usar conhecimento externo para influenciar em sua interpretação do jogo. Quando ele está usando um NPC, ele precisa ser aquele NPC, não na atuação, mas no conhecimento dele. O Mestre não pode ajudar e nem atrapalhar os jogadores baseado no que sabe fora das fronteiras daquele personagem que ele controla naquele momento, custe o que custar. O Mestre que usa disso pra contar a sua história, ou pra manter a história do jogador no eixo, precisa definitivamente CAGar pro CAG, pois esse não é seu estilo de jogo, nem de longe.

5) Um único conjunto de regras é usado por longos períodos de tempo.

Como foi comentado uns tópicos acima, para se aprofundar na prática de jogo de um determinado sistema (sistema completo que cobre todas as etapas de um jogo de fantasia aventuresca, não ruleslite) o grupo precisa jogar com aquele sistema, jogar bastante, progressivamente em uma campanha. Só assim dá pra se tirar proveito de uma campanha, só assim o jogador sente seu personagem criando laços de camaradagem, seu poder aumentando, sua marca sendo deixada no mundo de jogo. Mas é o que foi dito mais acima, é preciso investimento de tempo, interesse e dedicação do jogador àquele grupo de pessoas e respeito ao Mestre que se dedica àquele tempo com você. Se você só quer passear pela prateleira e testar aquele livrinho amarelo bacanudo que ouviu falar no reddit hoje, e aquele outro livro super bem acabado que viu o Ben Milton alisar no canal dele, e a vida é muito curta pra se dedicar a uma coisa só, neste pleno ano de 2024, vai fundo, CAGue para o CAG.

6) O jogo em nível alto é abraçado, é o objetivo de toda campanha.

Reforçando os tópicos acima sobre dedicação. Todo jogo que você começa em CAG, mesmo sendo um personagem nível 1 (ou 3, como geralmente é recomendado) o seu objetivo é atingir as estrelas, você planeja que seu boneco sem nome, sem história, seja, no futuro o cara dos contos heroicos. Mas isso demora. Demora e exige planejamento. Não só seu, mas do grupo como um todo, vocês precisam escolher bem aonde explorar, com quem lidar, como dividir as obrigações e os espólios, quem contratar, como enfrentar os inimigos, como carregar o tesouro, onde guardar, como gastar, e etc. O jogo é uma sucessão de desafios que exigem planejamento: tem frustração, alívio, regozijo, assim como toda aventura deve ser. E toda aventura gera histórias para se contar, boas e ruins. Isso exige – adivinhe – tempo e dedicação. Estou me repetindo. MAS se você quer só curtir aquele mudcore level 0 com os parceiros? Mais uma vez, divirta-se e CAGue pro...Isso mesmo.

7) Nenhuma tentativa é feita para predeterminar o curso do que acontecerá se os jogadores decidirem se envolver com esse conteúdo.

Mais uma chamada pro Mestre de jogo. Assim como foi comentado no 4 sobre o mestre que faz metajogo querer alinhar os jogadores à sua narrativa, aqui se faz claro que ele não pode, de jeito nenhum, predeterminar o que vai acontecer em um conteúdo quando os jogadores decidem interagir. O Mestre cria elementos, ele cria locais, ele não cria histórias, eventos que vão acontecer como um filme para os jogadores assistirem. Assim que os jogadores tocam em um conteúdo, o mestre deve se ater a reagir ao que os jogadores fazem usando os dados e o seu bom senso na hora de interpretar os resultados, nada mais. Se você é um Mestre que quer ser cineasta, por gentileza CAGue pro que é dito aqui e vá procurar algo que agregue ao seu destino rumo ao estrelato.

8) Os jogadores têm permissão para “vencer” situações de forma convincente e sem tensão artificial ou perigo imposto pelo GM.

Sabe aquele tempo de horas e horas que você Mestre ficou criando aquela área sinistra, mirabolante e cheia de intenção de ser um momento épico digno de Senhor dos Anéis? (o anime). Então, o ladrão colheu informação antes, usou pergaminho de invisibilidade, passou por um buraco no telhado e o usuário de magia inverteu a gravidade na sala e jogou o tesouro todo num saco preso no telhado, de uma vez, saindo de fininho pela traseira do lugar, sem sequer despertar um guarda. E você que chore calado, pois é assim que deve ser. Sério. Você se diverte fazendo o conteúdo, os jogadores se divertem quebrando ele, é assim mesmo. Ser bom Mestre é saber identificar onde está a diversão. MAS, se sua diversão é fazer railroading, aí meu amigo, já sabe, vai andar de Trem da Alegria e deixar o Pluto CAGar em paz na fantasia.

9) O jogo de aventura não é bem compatível com uma mesa composta inteiramente por jogadores passivos, independentemente de quão entusiasmado o GM possa estar para tentar.

Como o exemplo acima demonstrou, um grupo proativo que planeja e quebra as expectativas da sessão do mestre, o estilo CAG exige que o grupo seja atento e eficaz. Um Mestre CAG não consegue atuar com um grupo passivo em mesa. É preciso que, pelo menos, um seja proativo e colabore com o mestre para que o jogo ande. E um jogador estimulado consegue afetar o grupo todo, desde que seja focado no jogo e os colegas tenham também a intenção de se esforçar para se divertir. Diversão é responsabilidade de todos, não só do Mestre. MAS, aqui vamos nós de novo. Se você é o mestre do monólogo que adora ouvir sua própria voz e os jogadores dormindo não te incomodam, desde que você consiga descrever a sua cena de amor entre o gnomo e o orc, boa sorte nos fanfics, porque RPG CAG não tá com nada, irmão.

10) Os GMs gostam de criar mundos por si só.

Então, os jogadores passaram seu desafio sem piscar porque foram mais espertos que você? Mal sabem eles que você já se divertiu demais criando ele em primeiro lugar. E também mal sabem eles que você vai expandir esse módulo e usar com outro grupo ou até eles mesmos, em um futuro não distante. O Mestre de jogo se diverte não só na mesa, mas lendo módulos, criando módulos, expandindo módulos, modificando, e etc. O jogo começa para o Mestre no momento em que ele começa a pensar sobre o jogo. E isso é extremamente gratificante. MAS, Mestre que odeia tudo isso, eu não sei o quê diabos você faz jogando RPG… Melhor procurar terapia, afinal, isto aqui é só um texto sobre um jogo.

11) O ritmo de jogo torna-se muito mais rápido do que a maioria dos grupos de jogos de RPG experimenta na mesa.

Um jogo que não tem atuação, vozes teatrais, em que todos os envolvidos estão afinados com as regras e seus objetivos, já conseguem agir em conjunto, otimizando os procedimentos e se adaptando aos desafios, conseguem agilizar o jogo maravilhosamente bem. Quanto mais o tempo passa, cada um se adapta ao papel que desempenha em jogo, mais ágil e eficaz se torna o grupo, o jogo rende que é uma maravilha, logo, o jogo flui e é só festa. Se seu grupo adora ficar na taverna por ¾ da sessão só para decidir se vai dormir ali ou não, e isso é divertido, sem problemas, só acordem o Mestre pra vida quando acabar. Mas ele também curte isso, bom jogo, só não enganem os outros na chamada da mesa dizendo que é CAG (Jogo de Aventura Clássico), porque senão vão ser CAGados (e com razão) pelo pobre coitado que teve que dirigir meia cidade para chegar nesse evento frustrante.

12) Personagens de 1º nível não têm um feitiço de parar o tempo de 9º nível que podem usar a qualquer momento que desejam mais informações para tomar uma decisão. (O tempo de decisão é curto e as informações são limitadas)

Isso agrega muito bem aos outros tópicos que falam sobre a velocidade do jogo quando estão todos alinhados e com domínio sobre as regras. O Mestre dessa forma pode demandar mais dos jogadores. Ele exige velocidade maior de reação, assim como também precisa reagir de acordo com sua própria demanda, quando necessário. O tempo corre tanto fora quanto dentro do jogo, então não há possibilidade de perder tempo que não se tem em uma situação de risco. Em combate, aja rápido; quando explorando, não vacile pra decidir pra que lado vai; quanto mais tempo parado enrolando, mais rolagens ocorrem, mais risco se corre. Não marque bobeira. MAS, se você é lerdo assim como eu, tome um café e treine agilidade, com o tempo tudo melhora. Ou então a mesa acaba: acontece direto. Boa sorte.

13) A agência do jogador requer amplos recursos para os jogadores, e o GM não se intimida com os jogadores crescendo rapidamente em riqueza, poder e independência à medida que o jogo inicial é superado.

O estilo CAG respeita o tempo de todos os envolvidos. Quando os jogadores acumulam riqueza por desafios superados, o Mestre precisa reconhecer isso, não deve tomar isso dos jogadores sem mais nem menos, não deve frustrar planos só pelo fato deles terem recursos de sobra para executá-los. O Mestre deve abraçar isso, deve respeitar o poder dos personagens, que foi conquistado com muito custo. Se eles estão tão fortes assim, eles mesmo superam aquela etapa de jogo e eles mesmos decidem ir para uma nova etapa, ainda mais arriscada e emocionante, pois, são veteranos e devem poder apostar mais, para ter ainda maiores recompensas ou morrerem miseravelmente tentando. Se seu jogo é só sobre você, como Mestre, ganhar, rir da miséria do jogador morrendo pela enésima vez com o boneco dele de 1HP, tá aí o mudcore pra você chafurdar, pois o CAG é pra quem almeja vencer de vez em quando e esbanjar em seguida.

E é isso, obviamente nada foi aprendido neste texto, não se você já leu os outros infinitamente superiores que já foram traduzidos por aqui e já citados. Mas espero que esta zoeira tenha pelo menos ilustrado que você não precisa odiar o CAG por CAGar em sua caixinha de areia. Continue curtindo o jogo da maneira que você curte. Só saia daqui com mais conhecimento sobre este estilo, que pode ter uma fronteira meio turva com o OSR clássico, mas que está aí sendo jogado regularmente há décadas por uma galera que saca muito de D&D e que curte demais a palavra escrita do grande Gygax.

∞ Megarato

1. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/o-que-e-classic-adventure-gaming-cag.html
2. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/sem-interpretacao-de-papeis.html

2 comentários:

  1. Das regas propostas a mais difícil e polêmica é a número 12.

    Difícil impor esse ritmo em mesa. Talvez o uso de um recurso como uma ampulheta ajude na métrica dessa abordagem.

    Uma ideia que tenho é o Mestre antecipar os riscos a medida que os jogadores dão sugestões. De maneira que auxilie na agência mas não interfira na decisão.

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    1. Salve!

      De fato, como o texto insinua, é preciso muita prática para se chegar a este ponto, portanto, o estilo CAG estimula o jogo de periodicidade regular, assim, em questão de certo prazo de tempo, todo o grupo vai adquirindo domínio e clareza sobre as regras e estilo de jogo, o que contribui para o desdobramento célere de situações, uma vez que todos vão se sentindo confortáveis com as regras estabelecidas e abraçam tudo aquilo que o jogo tem a oferecer.

      Mas... É preciso prática... Muita prática... Regular e consistente... Envolvendo um mesmo sistema de regras, de preferência com robustez suficiente para suportar uma campanha de longo prazo que alcança níveis altos. Isso dá condições reais para o grupo crescer enquanto grupo de jogo, por várias razões, a maioria delas, óbvias.

      É claro que qualidade é um fator de grande relevância, mas quantidade também importa.

      Abraço!

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