(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em julho de 2025)
O tema do balanceamento de jogo tem circulado bastante, então achei que seria apropriado dar minha opinião e explicar, da melhor forma possível, o que todos deveriam pensar a respeito.

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Em todos os exemplos, o cinza representa a diferenciação da soma de todos os poderes, itens, monstros e habilidades; o azul é considerado balanceado, enquanto o vermelho é desequilibrado. Não importa se o poder do personagem diminui ou aumenta exponencialmente. |
O Balanceamento de Jogo pode ser expresso como “a distância de um bloco ou mecânica gygaxiana, em relação à curva de poder derivada de todos os outros blocos”. O jogo é considerado desequilibrado se uma parte for muito mais eficaz do que todas as outras de nível semelhante. Curiosamente, muitas vezes, se um bloco ou mecânica estiver muito abaixo dessa curva imaginária de nível e poder, isso não é um problema — é apenas muito provável que essa magia ou item mágico veja pouco uso. Só será considerado desequilibrado se substituir uma característica central de classe. Não apenas os recursos disponíveis aos jogadores podem ser desequilibrados — monstros também podem ser fortes demais ou oferecer recompensas excessivas em relação ao seu nível de desafio.
A posição reacionária em relação ao balanceamento de jogo no OSR é a de que ele não existe em um jogo OSR (ou, em uma edição posterior: que não tem importância). Embora pareça absurda à primeira vista, essa posição é uma resposta à concepção de balanceamento de jogo que existia durante a era D20 da Terceira Edição de Dungeons & Dragons.
Balanceamento de Jogo na Era D20
É importante entender o ponto de origem para explicar a posição reacionária e, em seguida, explicar qual deveria ser a posição real.
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DMG 3.5, pg.36
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A terceira edição de Dungeons & Dragons era tanto mecanicamente complexa quanto quase obsessiva no seu foco em balanceamento de jogo e ajustes minuciosos. A principal fonte de experiência era o combate. Experiência era concedida cruzando o ND (Nível de Cesafio) do monstro com o nível do grupo, assumindo-se um certo número de personagens. O número de suposições embutidas no sistema de ND era rigoroso, o que significava que, a menos que os personagens tivessem acesso à quantidade assumida de riqueza por nível, suas habilidades sairiam dos trilhos e as premissas do modelo de ND seriam violadas. Esse balanceamento focava fortemente no combate, o que fazia sentido, já que, para avançar, os personagens jogadores buscariam lutar o máximo possível. Somente em situações extremas valeria a pena ignorar um monstro para pegar seu tesouro.
Em resposta a personagens mais complexos com habilidades múltiplas e variadas, e à necessidade de manter o balanceamento, as dungeons logo se tornaram pequenos centros de arenas de combate cuidadosamente ajustadas, com encontros variados que desafiassem as habilidades explícitas dos personagens em diversos níveis — idealmente, cerca de 5 vezes entre cada descanso. A menos que concebido explicitamente de outra forma, um encontro com vários NDs acima dos níveis declarados dos personagens seria considerado desequilibrado. E isso, como dizem, é isso.
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DMG 3.5, pg.135 |
A questão é que o balanceamento de jogo era ao mesmo tempo muito rígido E quase inteiramente preocupado com a capacidade do personagem de superar um desafio EM COMBATE DIRETO. Grande parte do jogo consistia em maximizar cuidadosamente os pontos fortes e minimizar as fraquezas por meio de escolhas inteligentes de talentos, níveis de personagem e itens mágicos (que tinham valores de mercado explícitos, ao contrário das versões anteriores). Existe uma curva de nível/poder, e o quanto os objetos se encaixam bem nessa curva determina o quão balanceados eles são.
Balanceamento no OSR & Por que todos pensam assim.


O consenso da maioria da OSR, e em particular da OSR mais tola e casual, a OSR Roxa, mas também da idiota OSR grognard da red box, parece ser que o balanceamento de jogo não existe (ou não tem importância) nos jogos old school. Essa ideia não é totalmente desprovida de mérito superficial. Se o balanceamento de jogo for entendido como o balanceamento expresso na 3.5e, esse elemento está de fato quase ausente nos jogos OSR. Nos jogos OSR há bem menos mecanismos rigorosos de controle e equilíbrio no avanço por meio de itens mágicos; é considerado PARTE do jogo o uso ocasional de monstros que devem ser evitados, enganados, contornados ou emboscados, em vez de enfrentados diretamente, e o grosso do avanço não vem do combate, mas da aquisição de tesouros. O Mestre de Jogo (MJ) pode usar uma Medusa contra personagens de nível 1, ou os personagens podem encontrar um item mágico poderoso em seu tesouro, e isso não será um problema.
De fato, o primer ilustra isso, afirmando que “um personagem temporariamente mais poderoso do que outro não quebrará o jogo”.
Balanceamento de jogo nos jogos old school como ele realmente existe.
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DMG 1e, pg.85 |
Leitores atentos talvez já tenham notado as sutis ressalvas no primer do Sr. Finch, indicando que algum tipo de balanceamento certamente existe. Trata-se simplesmente de um balanceamento mais flexível, capaz de lidar com flutuações temporárias no poder dos personagens (ênfase no temporárias). A realidade é que todo jogo old school reconhece que existe uma relação entre desafio e recompensa, e que subverter essa relação cria uma experiência de jogo insatisfatória — seja por torná-la difícil demais, seja fácil demais.
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Diferentes níveis de masmorra com desafios progressivamente maiores, DMG 1e, pg.177 |
A principal diferença entre o balanceamento da era D20 e o balanceamento em um jogo OSR é que eles são medidos em eixos diferentes. Um jogo D20 tem pouco mais do que um único eixo: UM JULGAMENTO HONESTO PELO COMBATE. Sua capacidade de contribuir e atuar em combate é quase a única medida do seu valor e, a partir disso, determinamos se um personagem é balanceado.
No entanto, em um jogo OSR, onde o progresso é alcançado principalmente pela aquisição de tesouros e apenas secundariamente pelo combate, esse conceito de "balanceamento" é muito mais flexível. É permitido lançar monstros contra os personagens para que eles devam fugir, incluir tesouros difíceis de encontrar que aumentam muito seu poder, ou usar truques ou aliados para derrotar um monstro. Em qualquer ponto específico no tempo, um jogo OSR pode estar mais “desequilibrado” do que seu primo D20. No entanto, ao longo de um período prolongado, o balanceamento ainda existe. Áreas conterão tesouros aproximadamente proporcionais ao desafio que apresentam. O conceito de campanhas Monty Haul — onde personagens adquirem grandes quantidades de itens mágicos e poder e se tornam ultra poderosos sem enfrentar desafios — ainda é reconhecido e desprezado. A parte interessante de muitos jogos old school é que os próprios jogadores têm certa influência na determinação do nível de risco que estão dispostos a assumir. Quer explorar o nível IV da masmorra em vez do II? Tudo bem, está ali a entrada. Você que descubra se consegue sobreviver lá. A chance, é claro, é menor — mas a recompensa é proporcionalmente maior. Isso é balanceamento de jogo. 
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DMG 1e, pg. 86. Observação: progressão limitada também existe em B/X. |
Existe uma exceção ao Balanceamento de Jogo, e ela ocorre quando se adota uma escola de jogo simulacionista e se utilizam procedimentos totalmente naturalistas para construir um mundo fantástico como ele existiria naturalmente, sem se preocupar com justiça, jogabilidade, recompensa, e assim por diante. O grau em que isso realmente acontece é algo que pode ser debatido. Mesmo os jogos simulacionistas mais rigorosos (como o ACKS [2]) incorporam pressupostos fantásticos (por exemplo, muitas ruínas subterrâneas com níveis de desafio que aumentam gradualmente e que, por “motivos inteiramente naturalistas”, também possuem maiores quantidades de riquezas — o que, curiosamente, se encaixa perfeitamente no modelo de jogo old school). É verdade que certos desafios são emergentes e podem surgir naturalmente de um mundo logicamente consistente, mas esses mesmos desafios tendem a ser problemáticos de recompensar em sistemas baseados principalmente em ouro = XP.  |
Jogadas de Proteção para Itens, DMG 1e, p. 80. Usadas para remover itens mágicos em excesso e punir o uso excessivo de força. |
A verdade é que a maioria dos jogos old school não são simuladores de mundos fantásticos, mas se propõem a ser jogados como jogos, ainda que jogos abertos, com potencial para ideias mirabolantes, e todo jogo incorpora o conceito de balanceamento; os jogos Oldschool não são exceção. Não acredita? Substitua todos os humanoides do B2 por Balrogs e coloque um grupo de personagens de 1º nível para jogar. Aliás, dê armadura de placas e arcos longos a todos os humanoides e tente. Ah, ficou muito mais difícil para um grupo de 1º nível, de forma que eles não têm muitos meios intrínsecos para lidar com isso? Então talvez isso tenha sido, ousamos dizer, "desbalanceado"?
Há um último argumento que precisa ser enfrentado: que jogos OSR são abertos, e por isso a astúcia e o brilhantismo estratégico dos jogadores superam qualquer consideração matemática de nível, dano ou pontos de vida. Se isso for verdade — se a matemática não importa — então você não está jogando D&D, pois não está interagindo com as mecânicas de D&D. Uma descrição mais realista da jogabilidade OSR seria que, embora esses planos e estratégias sejam uma parte excelente do jogo, no fim das contas o brilhantismo estratégico precisa se manifestar por meio de implementação mecânica e ajustes finos. Um bom MJ conduzirá seu jogo de forma a desafiar os jogadores de maneira justa e satisfatória — e não permitindo que seja intimidado ou enganado enquanto os jogadores ficam preguiçosos e desdenhosos.
Atualização: à qual acrescento 10 enumerações.
1. Em D&D, monstros fracos carregam pouco tesouro, e monstros poderosos carregam muito. Da mesma forma, grandes grupos de monstros tendem a ter mais tesouro do que poucos, ou do que monstros solitários. Não é necessário que isso seja universalmente verdade, apenas que seja geralmente verdadeiro ao longo de uma campanha. Se fosse o oposto ou não fosse verdade, não haveria incentivo para enfrentar monstros poderosos. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
2. O balanceamento pode ser concebido como o grau em que o desafio corresponde ao ganho potencial. Uma tática ou item é considerado desequilibrado se permitir grande recompensa com pouco esforço. Uma forma secundária de balanceamento existe dentro de um conjunto ou faixa, por exemplo, se um feitiço de certo nível for vastamente mais potente que suas equivalentes, a ponto de torná-las irrelevantes ou marginais. Assim, é possível que um feitiço seja desequilibrado mesmo que o jogo continue desafiador. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
3. Na OSR, mesmo aqueles que dizem que o balanceamento de jogo não existe reconhecem que um novo feitiço deve ter um nível com base em sua eficácia e efeito. Portanto, eles reconhecem que certos níveis representam uma determinada faixa de poder. Se um nível representa uma faixa, então efeitos podem estar fora dessa faixa — e, assim, ser desequilibrados. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
4. Na OSR, há um apreço por geração aleatória e imprevisibilidade. Objetos estranhos com efeitos misteriosos são parte fundamental do design de masmorras. Mas mesmo aqui, há método na loucura. Se objetos estranhos sempre causarem infortúnio, os jogadores deixarão de interagir com eles. Se sempre causarem benefícios, os jogadores interagirão com todos. O mesmo vale se a magnitude de seus efeitos for excessiva ou letal demais. Assim, pode-se deduzir que esses efeitos precisam cair dentro de uma faixa — e essa faixa depende do poder inerente dos personagens. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
5. O balanceamento em um jogo OSR não é medido dentro de um único encontro, mas como a soma de uma equação composta por encontros, tesouro e monstros. Como os níveis são abertos, não há garantia de que os jogadores sequer enfrentarão determinado encontro, nem que o farão em uma ordem específica. Isso permite maior liberdade. Mas com o tempo, o balanceamento precisa existir: se as recompensas forem fáceis demais, o jogo deixa de ser desafiador e os jogadores param de evoluir; se forem difíceis demais, os jogadores se frustram, não avançam e logo desistem. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
6. O grau em que a aleatoriedade é componente de um jogo versus o grau em que a habilidade o é. Parte da OSR gira em torno de exploração e imprevisibilidade, ou seja, “o que acontece em seguida”. Essa é a essência do D&D encarnada por itens como o Deck of Many Things, a Bag of Tricks, o Deck of Illusions, a Wand of Wonder, e presentes fortemente em jogos como LotFP [3]. Pode-se dizer que o balanceamento está menos presente em jogos assim do que em AD&D ou ACKS. Mas mesmo aqui, a maioria das aventuras é resolvida por habilidade, jogo inteligente ou ousadia. Raras são as aventuras deliberadamente feitas para serem resolvidas por estupidez ou pura sorte. Os desafios nem sempre podem ser superados, mas geralmente podem ser sobrevividos, se o jogador for cuidadoso. Se isso for verdade, então o balanceamento de jogo existe.
7. Em D&D, o exemplo mais simples e primordial do jogo é a megadungeon. Na megamasmorra, os monstros se tornam mais poderosos à medida que se desce. Podem existir exceções locais, na forma de níveis secretos ou subníveis, mas no geral, isso é necessariamente verdade. Também deve ser necessariamente verdade que, conforme se desce, as recompensas aumentam. No fim das contas, não há diferença entre a masmorra e o mundo exterior, ou mesmo os planos: áreas muito difíceis sem recompensa serão ignoradas; áreas com grande recompensa e pouco desafio serão sempre escolhidas, mas tiram o desafio do jogo. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
8. Em jogos old school, os itens mágicos variam de fracos a poderosos. Os itens mais poderosos são artefatos. Esses itens têm desvantagens que impedem seu uso prolongado pelos jogadores. Isso representa o limite da quantidade de poder que pode ser conferido por um único item. Se esse limite existe, seja nos artefatos, que podem conceder poder próximo ao divino, seja nos itens mágicos comuns, que não podem eclipsar artefatos, então itens que ultrapassem esse limite seriam considerados poderosos demais. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
9. Na OSR, as classes têm habilidades que são balanceadas, não em torno de desempenho em combate, mas de nichos. Cada classe tem uma função definida. Uma classe sem função ou com função muito fraca pode existir como curiosidade (como as antigas classes de Alquimista ou Sábio). Já uma nova classe que substitui ou invalida uma ou mais classes é considerada poderosa demais. Existe uma estrutura de classes que serve como base de comparação para novas classes. Essa estrutura é o balanceamento. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
10. O balanceamento nos jogos old school existe ou no contexto de uma aventura inteira, no sentido de que o desafio pode ser superado de alguma forma pelos jogadores embora essa forma nem sempre envolva combate (mas muitas vezes envolva), ou no contexto da campanha, no sentido de que, embora existam locais que sejam formidáveis demais para os personagens em seu poder atual, devem necessariamente existir locais que possam ser superados, ou o jogo se torna impossível de vencer. Esse equilíbrio é chamado de balanceamento. Portanto, o balanceamento de jogo existe.
∞ PrinceofNothing ∞
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