quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Fortaleza Gygax

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em novembro de 2024)


"O Legado Gygax..."

Gary Gygax é provavelmente o nome mais conhecido no universo dos jogos de RPG, mesmo quase 15 anos após sua morte. Considerado co-inventor de Dungeons & Dragons e autor principal da maior parte do material inicial do jogo, "Tio Gary" também foi um incansável promotor tanto do jogo quanto do conceito de jogos de interpretação de papéis como um todo. Ao longo de meio século do hobby, o nome de Gygax tornou-se sinônimo dele. Ele não deveria precisar de apresentações, mas ainda vale a pena analisar de perto o legado de design de aventuras que ele deixou, especificamente como Gygax criou suas aventuras de masmorra.

Gygax foi autor de muitas das primeiras e melhores aventuras de Dungeons & Dragons, incluindo: Steading of the Hill Giant Chief, Vault of the Drow, Village of Hommlett, Expedition to the Barrier Peaks, Tomb of Horrors e, claro, Keep on the Borderlands, provavelmente a aventura de Dungeons & Dragons mais jogada de todos os tempos. Embora algumas de suas aventuras, como Expedition to the Barrier Peaks e Tomb of Horrors, tenham sido, ao menos em parte, trabalhos significativos de outros (Kask e Lucien, respectivamente), Gygax sem dúvida teve uma participação nelas também. Sua produção foi prolífica, e suas aventuras fundamentais ainda são amplamente conhecidas hoje. Pode-se argumentar que a criação de aventuras, mais do que a elaboração de regras ou mecânicas, foi a maior força de Gygax como designer. Com Arneson, Gygax escreveu um sistema de criação de aventuras ou masmorras [2] na edição de 1974 de Dungeons & Dragons, mas ele não seguiu esse sistema por muito tempo, especialmente em seus trabalhos publicados, inovando e se desviando de seus próprios conselhos iniciais para inaugurar um novo estilo de design de aventuras. Sim, sua contribuição mais importante para o hobby foi provavelmente sua organização e promoção – e o mundo dos RPGs deve muito a ele, talvez até sua própria existência, por esses esforços –, mas o design de aventuras de Gygax ainda se destaca, meio século depois, repleto de lições e técnicas úteis.

GYGAX E DESIGN

Como todo bom designer, especialmente no início do hobby, o design de Gygax tem seu próprio estilo e preocupações características. Para ele, o design de aventuras geralmente foca na natureza das forças que se opõem aos jogadores e nos fatores ambientais ou conflitos internos entre esses inimigos que os jogadores podem explorar. Gygax começou como um wargamer, e suas aventuras mais emblemáticas são muito mais “cerco” ou “infiltração” do que “exploração”, embora isso não seja uma regra absoluta. A escrita de aventuras de Gygax é marcada por uma relativa indiferença ao design de mapas e pelo uso de descrições concisas, que oferecem o mínimo de detalhes ambientais, concentrando-se mais nos monstros encontrados e em suas estratégias militares ou comportamentos.

Gygax projetou uma variedade de cenários ao longo de sua longa carreira, mas o desafio central em suas aventuras mais conhecidas, pelo menos aquelas em que ele é claramente o único designer (excluindo Tomb of Horrors e Expedition to the Barrier Peaks), está na tática ou estratégia militar. Em uma aventura de Gygax, o grupo terá sucesso se conseguir superar, destruir, subornar ou contornar uma força hostil organizada mais poderosa do que eles. Exemplos dessas forças incluem os gigantes nos módulos Against the Giants, as tribos humanoides em Keep on the Borderlands ou o gigante da montanha e seus asseclas em The Forgotten Temple of Tharizdun. Em todos os casos, o grupo provavelmente não sobreviverá a um confronto direto com as forças inimigas e, em vez disso, precisará usar esquemas, informações descobertas no local ou subterfúgios para vencê-las. Muitas vezes, essas soluções exigem que o grupo acesse a base ou masmorra do inimigo sem alertar os guardas e, então, conduza uma campanha de roubo, assassinato e sabotagem.

O cenário de cerco ou infiltração surge de forma bastante natural, especialmente considerando a origem no wargame de escaramuças – um formato que justifica o uso de um pequeno grupo de personagens e proporciona agência aos jogadores dentro do contexto de um conflito militar maior. Em 2002, durante uma sessão de perguntas e respostas no fórum da ENworld, Gygax rejeitou a ideia de que Dungeons & Dragons tinha um análogo exato aos cenários de cerco militar, afirmando: “Nenhum módulo de jogo de D&D que eu já tenha visto levou a base, cercos, ao estágio de 'ataque de Comando', seja para infiltrar uma fortaleza ou escapar dela para causar estragos nas linhas do inimigo.” No entanto, Gygax gostava do conceito e afirmou estar escrevendo uma aventura baseada nesse cenário de infiltração durante um cerco. Sua rejeição à ideia parece mais relacionada à terminologia específica do que à adequação do design. Ao deixar de lado o contexto de um “ataque de Comando” estritamente militar, fica evidente que Gygax frequentemente escreveu aventuras centradas na infiltração como parte de um conflito violento – emboscadas, fugas, assassinatos e sabotagens. Embora haja elementos de exploração de masmorra, incluindo aventuras inteiras escritas em outros formatos de design, o cenário de infiltração é distinto, e Gygax o aperfeiçoou, até criando ferramentas especiais para gerenciá-lo com mais eficiência.

Ao analisar esse estilo de design, a primeira coisa a notar é que a principal fonte de tensão em um Cerco Gygaxiano não é o esgotamento de recursos ou o risco puro de encontros aleatórios, mas o risco maior de um alarme ser disparado. Uma vez que a fortaleza está em alerta, a aventura muda fundamentalmente, com as forças inimigas começando a patrulhar ativamente, reforçar umas às outras e se agrupar em pontos estratégicos. Uma aventura de cerco geralmente não é uma corrida contra o esgotamento constante de recursos, como nos dungeon crawls [n.t.; exploração de masmorras] tradicionais, mas um esforço para chegar o mais perto possível dos objetivos antes que o alarme seja acionado e os inimigos comecem a caçar o grupo.

AS ARMAS DE CASTLE GREYHAWK

As aventuras mais memoráveis e características de Gygax são, em diferentes graus, centradas em "cercos" ou infiltrações. Os locais dessas aventuras, portanto, são variados tipos de "Fortalezas" que o grupo deve infiltrar. Essa distinção pode ser sutil em comparação com masmorras baseadas em exploração, já que muitas das preocupações relacionadas à navegação são, até certo ponto, compartilhadas. Conforme mencionado anteriormente, a distinção se encontra melhor no desafio central enfrentado pelos personagens, o que provoca um efeito cascata que altera toda a aventura. Em uma aventura focada em exploração, o desafio central é a navegação. O grupo busca um caminho pela masmorra que minimize os riscos e ofereça as maiores recompensas. Em uma infiltração, os personagens se deparam quase imediatamente com um ou mais grupos de inimigos organizados que guardam o acesso às recompensas, seja o melhor tesouro ou, mais frequentemente, o objetivo explícito da aventura. Superar esses inimigos torna-se o quebra-cabeça central da experiência.

"Os Canhões de Novarone, 1961..."

Para destacar essa distinção, considere as influências ficcionais das “Fortalezas Gygaxianas” – mais obviamente os “filmes de Comandos” como o filme Os Canhões de Navarone de 1961. Em uma Fortaleza Gygaxiana, o grupo de personagens é encarregado de entrar em um local bem defendido para destruir algo ou roubar um objetivo importante, lar de uma força hostil poderosa. Curiosamente, essa também é a descrição da trama de Os Canhões de Navarone – uma adaptação cinematográfica extremamente bem-sucedida do romance de ação de Alistair MacLean, um veterano naval britânico da Segunda Guerra Mundial. O filme segue uma equipe de Comandos enviada para destruir dois canhões alemães superpoderosos em uma pequena ilha-fortaleza no Egeu (completando o cenário com templos clássicos em ruínas, uma fortaleza antiga que parece um castelo e bunkers subterrâneos – um tipo de mega masmorra com vários níveis...).

A equipe de Comandos é composta por uma variedade de especialistas, heróis de guerra duvidosos e partidários locais, todos com passados obscuros e conflitos internos. Esse cenário compartilha traços com o gênero de assalto/crime e também aparece com frequência no gênero Western, especialmente nas tramas de “histórias de cavalaria” e “histórias de foras-da-lei” – três gêneros que, evidentemente, contribuíram bastante para o RPG. Durante sua missão, os Comandos utilizam disfarces, esquemas, alianças com os partidários locais e, claro, muita violência sangrenta e vagamente sobre-humana para superar e enganar os defensores da ilha, cumprindo sua missão contra um inimigo maligno, mas perdendo vários membros no processo.

Para os cinéfilos, um aspecto notável de Os Canhões de Navarone e do gênero de filmes de Comandos em geral é como o gênero se afasta dos filmes de guerra dos anos 1950, que eram fundamentalmente mais realistas – provavelmente porque o público, os atores e os produtores da época tinham uma familiaridade maior com as realidades da Segunda Guerra Mundial. Os filmes de Comandos fizeram parte do movimento em direção ao cinema de ação moderno, no qual os heróis começam a transcender as habilidades de soldados apenas resistentes ou habilidosos, assumindo aspectos mitológicos ou quase super-heroicos. O cinema de super-heróis moderno, os filmes de ação dos anos 1980 e os filmes de Comandos têm essa herança em comum, embora os poderes dos heróis nos filmes de Comandos ainda permaneçam no limite da capacidade humana. Nos filmes de Comandos, os protagonistas não possuem as habilidades sobre-humanas de John Wick ou Rambo, e os Comandos não têm a quase invencibilidade desses heróis de ação modernos, muito menos de super-heróis. Balas podem facilmente ferir, matar ou incapacitar um herói Comando. Os protagonistas de Os Canhões de Navarone ainda precisam de tempo para se recuperar de ferimentos, e morrem com uma frequência bastante alta se comparados aos padrões do cinema de aventura moderno. Além disso, os filmes de Comandos dos anos 1960 e 1970 não seguem tanto um protagonista individual, mas sim o grupo como um todo, permitindo que alguns ou até a maioria dos membros morram ou falhem.

Os gêneros de ficção popular e os RPGs interagem naturalmente, e os personagens de Dungeons & Dragons nos primeiros dias do hobby são muito parecidos com os personagens dos filmes de Comandos. Não se trata de realismo exatamente, mas há influência dos heróis pulp como Grey Mouser e John Carter. O gênero ainda depende de personagens que não são dramaticamente mais poderosos do que humanos normais, e as histórias frequentemente têm múltiplos protagonistas – como um grupo de RPG, e não um único herói [3]. Jogos mais antigos se assemelham mais a filmes e ficções de gênero mais antigos, enquanto os personagens nos jogos modernos compartilham muito com os heróis de ação contemporâneos.

Reconhecer Os Canhões de Navarone e o gênero de filmes de Comandos como base ficcional para muitas das aventuras de Gygax oferece insights sobre escolhas de design específicas que ele fez repetidamente, apesar de sua rejeição parcial da analogia. Para entender melhor a “Fortaleza Gygaxiana” como uma forma de design de masmorra, é útil examinar os tipos de desafios encontrados em filmes de Comandos (e até em filmes de assalto). Para explorar mais a fundo essa conexão e como ela funciona no RPG, vale a pena analisar algumas das aventuras mais conhecidas de Gygax, incluindo: Steading of the Hill Giant Chief, The Forgotten Temple of Tharizdun e Keep on the Borderlands. Todas essas aventuras exigem ataques de Comandos ou infiltrações para que o grupo sobreviva, e adaptam muitas das cenas ou elementos comuns no cinema de Comandos.

CERCO À FORTALEZA GYGAXIANA

No centro do cenário de cerco, ou da Fortaleza Gygaxiana, está um inimigo poderoso e organizado que controla a fortaleza ou a maior parte dela. Isso pode parecer um desvio de outras formas de design de Dungeon Crawl, onde as intrigas entre facções frequentemente impulsionam a jogabilidade. Contudo, Gygax mantém o elemento de intriga ao introduzir facções na forma de prisioneiros, rivais ou elementos insatisfeitos dentro das forças do antagonista principal. A aparência inicial do local é a de uma fortaleza totalmente defendida contra intrusos. Isso é intencional: informa ao grupo que não podem simplesmente entrar pelos acessos mais óbvios e começar a procurar tesouros. Para ter sucesso, o grupo deve evitar ser detectado pelos habitantes da fortaleza, que, coletivamente, são mais poderosos que os personagens, mas mais vulneráveis quando desprevenidos e dispersos.

A masmorra como um local ativo com um inimigo unificado é a estrutura fundamental da Fortaleza Gygaxiana, e é isso que a torna uma forma distinta, diferente de outras masmorras. A aventura apresenta um inimigo provavelmente forte demais para ser enfrentado de forma direta, o que faz com que os jogadores busquem enfraquecer esse inimigo e atingir seus objetivos sem desencadear uma batalha massiva. Isso geralmente envolve infiltração e evitar alertar os habitantes da fortaleza. No entanto, como a máxima do OSR (Old School Renaissance) sugere que "o combate é um estado de falha", o combate e o disparo do alarme são inevitáveis, mesmo que indesejáveis. Eventualmente, a sorte dos jogadores se esgota, e a fortaleza reage contra eles. Com o alarme disparado, a experiência da aventura muda completamente. Ela perde quaisquer elementos de exploração e se torna uma corrida dramática ou uma batalha contínua. À medida que o inimigo se organiza e começa a caçar o grupo, os jogadores precisam decidir: continuar em direção ao objetivo, fazer uma resistência final ou fugir para a segurança com o que tiverem conseguido até então. O sucesso de qualquer uma dessas estratégias dependerá em grande parte do quanto de sabotagem, planejamento e assassinato o grupo conseguiu realizar antes do alarme.

Essa estrutura efetivamente cria um clímax para o cenário, provavelmente culminando em uma grande batalha final. No entanto, para que esse estágio da aventura seja favorável ao grupo, os jogadores precisam adotar uma série de esquemas ao estilo de Comandos: eliminar patrulhas, assassinar líderes, realizar sabotagens, preparar o campo de batalha, encontrar aliados locais e organizar rotas de fuga. Fazer com que um cenário tão complexo funcione de maneira consistente, especialmente como uma aventura publicada para outros mestres de jogo conduzirem, não é apenas uma questão de criar e descrever a masmorra e imprimi-la. Assim como em qualquer forma de design, há maneiras de incentivar um tipo específico de jogabilidade, ou pelo menos torná-la mais fácil para os mestres conduzirem e recompensar os jogadores que se engajam nela.

"A arte da capa de Forgotten Temple... Sinta os pastéis dos anos 80..."

JOGUE COMO UM WARGAME [Jogo de Guerra]

Uma das inovações ou ferramentas mais notáveis e bem definidas das Fortalezas Gygaxianas, além de aplicável a outras formas de design de masmorras, é o conceito de “Ordem de Batalha”. Uma Ordem de Batalha é uma lista dos habitantes hostis de uma facção ou área, incluindo uma variedade de informações: estatísticas, localização inicial, tempo de resposta aos alarmes, táticas e como esses inimigos responderão a diferentes eventos.

Embora seja uma parte quase essencial de qualquer cenário de wargame, a Ordem de Batalha ainda é rara em cenários de RPG, mesmo hoje. No entanto, Gygax começou a experimentar esse tipo de design já em 1978, com o lançamento do módulo G1 - Steading of the Hill Giant Chief. A Ordem de Batalha nesse módulo é bastante limitada, específica para uma única localização, e não aborda questões como o tempo de resposta de guardas sobreviventes ou de animais de estimação às ordens do chefe gigante ou ao som da batalha. Ainda assim, é claramente uma Ordem de Batalha. O formato foi projetado para oferecer ao Mestre do Jogo [n.t.: referee = árbitro] uma maneira acessível de conduzir um encontro de combate tático. Ela contém uma lista de alguns dos elementos essenciais de uma Ordem de Batalha mais complexa, como as localizações iniciais dos defensores da área (que poderiam estar melhor marcadas no mapa) e uma tabela dos pontos de vida [n.t.: PV ou HP, hit points] dos inimigos. Além disso, a chave da masmorra inclui uma tática especial que o chefe gigante usará (sua balista ou besta pesada).

"Propriedade fortificada: movendo-se em direção à funcionalidade..."

Com o tempo, o uso das Ordens de Batalha por Gygax se torna mais complexo e aprimorado. Em The Forgotten Temple of Tharizdun, de 1982, Gygax demonstra confiança ao incluir duas Ordens complexas. A primeira é para uma caverna cheia de orcs, e a segunda, muito mais expansiva, cobre o local principal da aventura, o templo esquecido. Além da divisão das forças, ele dedica três páginas para descrever quando os defensores chegarão e de quais locais, oferecendo notas sobre como os residentes do templo reagirão a ataques, o que acontece se fugirem em derrota e como serão reforçados. Gygax também lista tanto as patrulhas normais do calabouço (encontros aleatórios) quanto como essas patrulhas mudam após qualquer encontro com o grupo. Uma Ordem de Batalha como essa é um recurso incrivelmente útil para o mestre que deseja gerenciar uma facção organizada em grande escala, pois reúne e organiza todos os recursos e táticas de uma facção antagônica em uma única folha de referência. Isso não apenas facilita a execução de combates em massa ou ataques repetidos, mas também enfatiza para o mestre que os monstros são organizados e não permanecerão escondidos em seus covis individuais aguardando serem mortos, a menos que sua coalizão seja destruída e eles sejam forçados a fugir.

"Uma Ordem de Batalha... The Forgotten Temple..."

Embora a segunda Ordem em Forgotten Temple seja mais extensa e informativa, a primeira, para o "Vale dos Orcs", é notável porque constitui uma entrada completa além das notas sobre a heráldica vermelha e amarela dos orcs, um mapa de suas cavernas relativamente extensas (sem uma legenda fornecida) e uma única linha que cobre seus tesouros (um baú com moedas) e não combatentes (incluindo 120 bebês orcs indefesos). O encontro com o Clã de Orcs da Faca Serrilhada parece ser quase totalmente tático, mas, no estilo típico de Gygax, os orcs expulsaram uma lamia de sua caverna e agora estão em uma espécie de guerra de guerrilha contra o monstro felino e seu grupo de leucrotta. Mesmo esses dois encontros relativamente limitados no mapa exterior de Forgotten Temple oferecem oportunidades que vão além do combate puro, já que, de repente, surge a possibilidade de intriga entre facções e de os personagens construírem relacionamentos com a lamia ou os orcs. Ambos poderiam ser aliados em potencial contra a ameaça maior do Gigante da Montanha e seu bando de Norkers (embora seja provável que ambos exigissem tesouros em troca do risco, mesmo que o grupo tenha eliminado seus rivais).

Além da ferramenta útil da Ordem de Batalha, Gygax frequentemente fornece outros elementos para integrar melhor infiltrações e intrigas entre facções em seus cenários. Estes incluem tanto elementos puramente de design de mapas, que tornam uma situação tática mais interessante ou permitem que o grupo encontre maneiras inteligentes de contornar pontos fortes, quanto oportunidades de assassinar ou sabotar os inimigos dentro da fortaleza. O módulo B2 - Keep on the Borderlands possui vários desses elementos de mapa, como portas secretas que conectam muitos dos covis individuais das facções. Um bom exemplo é a "sala esquecida" entre os dois covis de orcs, que permite a um grupo que invadiu um dos covis acessar quase imediatamente o líder do outro, após encontrar a porta secreta, potencialmente eliminando a liderança do segundo grupo. Outras portas secretas permitem acesso à caverna do líder dos bugbears, aos aposentos escondidos do líder dos hobgoblins (incluindo acesso a partir do covil dos goblins, que é muito mais fácil de infiltrar), e ao templo do caos. Há também uma conexão secreta entre o covil do ogro e a sala de guarda dos goblins, o que facilita o uso do ogro como mercenário pelos goblins.

"Mapa das Cavernas do Caos, por Dyson Logos..."

Ferramentas semelhantes baseadas em mapas para facilitar infiltrações incluem acessos por telhados ou janelas, como a possibilidade de descer no pátio da propriedade em G1, além de clássicos métodos de infiltração em castelos, como portões traseiros secretos ou canais de drenagem que levam ao nível da masmorra. Até mesmo seções inteiras esquecidas ou abandonadas da masmorra (também encontradas em G1) podem permitir que os personagens criem esconderijos dentro da masmorra ou encontrem entradas secretas. Além desse tipo de característica, os mapas de Gygax geralmente não são muito grandes nem especialmente interconectados, mas sua organização e o posicionamento das áreas específicas seguem uma lógica interna. Eles fazem sentido, especialmente quando vistos de uma perspectiva defensiva ou militar. Há salas de guarda que monitoram entradas, áreas onde os humanoides que invariavelmente defendem as masmorras de Gygax podem se reunir para uma batalha maior, além de alojamentos e arsenais. Essa sensibilidade ao design de fortalezas permite que os jogadores em infiltração aprendam o suficiente para adivinhar onde estão na masmorra e o que pode estar próximo. Por exemplo, o mapa da propriedade dos gigantes da colina em G1 possui quatro áreas distintas: um salão central e pátios; um agrupamento de edifícios na parte oriental/esquerda, onde vivem os gigantes; um quartel e arsenal no nordeste; e, no lado ocidental/esquerdo, um amontoado de edifícios que inclui alojamentos de servos, quartos de hóspedes, cozinhas e outros espaços funcionais. Mesmo o nível da masmorra da propriedade é amplamente funcional, sendo usado pelos gigantes para aprisionar seus escravos orcs. Apesar de a propriedade ser um espaço fantástico, incluindo algumas peculiaridades no nível da masmorra, ela faz sentido como um todo. Por exemplo, não se encontrará a cozinha levando diretamente à câmara do chefe.

"O mapa da propriedade..."

As masmorras de Gygax costumam ser assim, espaços cujo layout os jogadores podem aprender ou antecipar, o que resulta em um cenário de infiltração melhor. Os jogadores podem planejar assassinatos de líderes em seus aposentos, sabotagens no arsenal, barricadas nas portas dos quartéis, envenenamento de suprimentos na cozinha ou a libertação de prisioneiros, porque o local é organizado de maneira mais ou menos lógica. Os jogadores aproveitarão essas oportunidades, e é possível perceber chances de enfraquecer a força geral dos gigantes em G1 ao longo de toda a aventura. Conheço jogadores que realizaram os seguintes esquemas com sucesso variado: tocar a trompa para soar um alarme e atrair os gigantes em festa para armadilhas, infiltrar-se nos depósitos da cozinha para envenenar o banquete dos gigantes, sabotar o arsenal dos gigantes, encantar a matilha de lobos terríveis dos gigantes e, em seguida, deixá-los ser chamados para atacarem seus próprios donos, libertar os orcs abaixo e, claro, incendiar todo o local.

Gygax também amplia essas oportunidades baseadas em mapas com situações específicas que oferecem chances de minar suas fortalezas. Em G1, há até oportunidades explicitamente descritas no texto muito sucinto: o grupo pode roubar roupas de jovens gigantes e se disfarçar, negociar com várias empregadas, servos e escravos insatisfeitos para obter informações, tesouros ou alianças, e o grupo pode emboscar gigantes individuais, como os numerosos guardas bêbados ou um “belo guerreiro gigante” que quer se exibir para as empregadas gigantes nos aposentos dos servos e não pedirá ajuda. Criar a Fortaleza Gygaxiana é mais do que simplesmente configurar um cenário de jogo de guerra, embora isso seja parte do processo; trata-se de criar um espaço que oferece oportunidades claras e definidas para ações e esquemas dos jogadores, utilizando uma variedade de ferramentas.

"Arte alternativa para Forgotten Temple... Templo da Selva, Erick Desmazières (1973)..."

NATURALISMO GYGAXYANO

Nenhuma discussão sobre o design de Gygax estaria completa sem referência a outro de seus atributos-chave, um que também acrescenta funcionalidade às suas aventuras — o "Naturalismo Gygaxiano" [4]. A expressão foi amplamente discutida e definida pela primeira vez, como muitos conceitos da OSR (Old School Renaissance), no blog de James M., Grognardia. Ela significa, de maneira geral, uma abordagem ecológica ou lógica mais solta para a construção de cenários de RPG. Em uma publicação de 2008, James M. define o termo como “[A] tendência, [...] de ir além de descrever monstros puramente como oponentes/obstáculos para os personagens dos jogadores, dando a eles mecânicas de jogo que têm pouco propósito além de situar esses monstros no mundo da campanha.” James cita exemplos como magias e habilidades de monstros que têm pouco ou nenhum efeito no jogo e a inclusão, frequentemente controversa, de humanoides não combatentes no processo de criação de seus covis.

Em uma postagem anterior, o naturalismo de Gygax também tinha um aspecto estético para James, encontrado na maneira como a representação de Orcus no Monster Manual possui elementos de arte medieval e uma aparência menos polida ou clichê do que a versão então nova da capa do Monster Manual da 4ª edição. Há um elemento de funcionalidade e estética no Naturalismo de Gygax - ele é tanto a interconexão fundamentada e compreensível dos mundos de Gygax quanto sua estética específica. A estética de Gygax pode talvez ser descrita como os livros da Osprey Publishing sobre exércitos históricos, temperados com Tolkien e outros autores de fantasia e ficção científica de meados do século XX.

Essa estética se encaixa bem nas aventuras de Gygax e contribui para sua jogabilidade, pois permite que um jogador obtenha um domínio útil do gênero, tanto dos elementos históricos quanto de grande parte do fantástico. O conhecimento de armas medievais, por exemplo, oferece ao jogador a opção de usar o gancho de sua alabarda para pegar coisas de piscinas mágicas, enquanto a leitura de Three Hearts and Three Lions de Poul Anderson dá aos jogadores conhecimento sobre os trolls de Gygax e suas fraquezas. O elemento fundamentado da estética de Gygax — sua variedade “realista” de armas e armaduras militares ou de jogos de guerra — ajuda a posicionar suas aventuras firmemente no terreno do “heroico” em vez do “super heroico”. Isso reflete, mais uma vez, o tom das aventuras de Gygax, semelhante ao dos filmes de Comando dos anos 1960, em que o realismo dos aspectos militares limita os elementos super heroicos da história e dos heróis. No clímax de Os Canhões de Navarone, por exemplo, os Comandos perderam a maior parte de seus explosivos e precisam armar uma armadilha usando a própria munição dos canhões — essa complexidade pode ser comparada com a abordagem menos rigorosa de filmes de ação mais modernos (ou até de videogames), onde grandes armas e veículos frequentemente são destruídos por uma única granada de fragmentação. O “realismo” do filme de Comando, embora ainda exagerado, domina porque as armas operam com limitações previsíveis, em vez de como metáforas.

Embora a estética de Gygax ajude suas aventuras a funcionar, ancorando os jogadores em preocupações com equipamentos e impondo o mesmo tipo de realismo esticado, esse efeito pode diminuir à medida que os níveis aumentam e itens mágicos e feitiços, cujos efeitos são muito mais metafóricos, se tornam comuns. Mas a base nunca desaparece completamente. É um ótimo truque, e não é necessário usar o mesmo conjunto de fantasia inspiradora ou história inspiradora de Gygax para replicar o efeito. Referências ajudam porque fornecem aos jogadores uma forma de ancorar o mundo e dão aos narradores ferramentas para extrapolar detalhes. Elas podem ser emprestadas de qualquer história que se considere conveniente (por exemplo, um guerreiro usando um gibão de couro provavelmente terá um capacete com cauda de lagosta e uma espada com punho em cesto). Desde que as referências sejam acessíveis, elas podem servir como uma fonte de detalhes e ancoragem para o jogo. Referências e conhecimento acessível sobre o mundo fantástico são o verdadeiro cerne do Naturalismo de Gygax — o que o faz funcionar como uma ferramenta de design, pois trata-se, em grande parte, de formar uma interconexão entre elementos da aventura ou cenário e detalhes úteis que os jogadores podem descobrir e o narrador pode extrapolar. Emprestar de outras fontes mais ricas tira grande parte do peso da aventura de fornecer todos os detalhes sozinha.

Gygax nunca usa o termo “Naturalismo”, mas chega perto em sua discussão sobre o design de cenários no AD&D Dungeon Master’s Guide, e isso tem pouco a ver com a estética ou o tom das aventuras de Gygax. Em vez disso, ele alerta que “Masmorras [e áreas selvagens] devem ser equilibradas e justificadas, ou então extremamente improváveis e causadas por alguma entidade sobrenatural que mantém tudo funcionando - ou pelo menos configuradas para funcionar até que outra as interrompa. Em qualquer caso, não permita que as demandas de ‘realismo’ ou de uma fantasia impossível estraguem seu mundo. Clima e ecologia são apenas lembretes para usar um pouco de cuidado!” Em seguida, Gygax fornece alguns exemplos de elementos fantásticos que poderiam permitir que um cenário com tantos predadores monstruosos fizesse algum sentido ecológico e alerta que os jogadores podem exigir compreender o mundo, mas aconselha que o árbitro não vá longe demais tentando simular a realidade.

O Naturalismo Gygaxiano não é apenas uma forma de visualizar um mundo de jogo; nas aventuras de Gygax, ele serve para ancorar o espaço fantástico, tornando-o coerente e compreensível. A fortaleza dos gigantes das colinas, por exemplo, possui cozinhas, armazéns, alojamentos e outros cômodos esperados em um salão fortificado, com as outras criaturas encontradas no local sendo servos (orcs, bugbears e ogros), animais de estimação (lobos terríveis, um urso, mantícoras), vermes (trogloditas, lagartos gigantes) ou visitantes (o gigante das nuvens). Gygax vai além em The Lost Caverns of Tsojcanth (1979):

As poças sustentam pequenas formas de vida pálidas—lagostins e peixes, além de grilos, besouros e outros insetos. Personagens que escutarem atentamente ouvirão uma série de pequenos sons, principalmente aqueles associados aos insetos e outras pequenas formas de vida que habitam as cavernas. [... As cavernas também são lar de] morcegos, alguns ratos gigantes, muitos ratos normais, enormes minhocas (de 3 a 6 pés de comprimento, sem ataques), ou diversas lesmas e larvas de tamanho grande. Todos são inofensivos. Estes são as presas usuais para as criaturas maiores que habitam as cavernas.

Esses dois exemplos — que considero como o "caldeirão do gigante" e a "minhoca gigante" — desempenham dois papéis distintos para o árbitro e os jogadores, ambos parte do Naturalismo Gygaxiano. Conforme mencionado anteriormente, o detalhe do caldeirão oferece ao grupo ferramentas para abordagens não ortodoxas à vitória. A próxima refeição da maioria dos gigantes está acessível. Isso está disponível para o grupo como uma forma de envenenar a maioria dos gigantes (dos quais muitos, é claro, conseguiriam resistir), mas a cozinha dos gigantes também representa uma vantagem tática potencial para um grupo que usa disfarces para entrar no salão principal carregando algo perigoso e fingindo que é o próximo prato do banquete. Um grupo poderia imitar os bugbears das Cavernas do Caos e oferecer espetos de carne, usando os espetos como armas em um ataque surpresa de última hora. Um caldeirão de ensopado em tamanho gigante (ou óleo quente fingindo ser ensopado) também é uma arma em potencial. Embora poucas dessas possibilidades sejam descritas, itens específicos, como poções de veneno e ilusão, bem como vinho de elfo negro que leva até os gigantes à embriaguez, estão disponíveis. Ter cozinhas e depósitos na fortaleza dos gigantes oferece esses recursos como uma questão de dedução simples e lógica pelos jogadores. Eles estão disponíveis porque qualquer pessoa sabe o que pode estar em uma cozinha e pode imaginar como usar comida e suprimentos de cozinha para causar caos.

O exemplo da "minhoca gigante" é menos imediatamente acessível no jogo, mas ainda assim poderoso. Ao oferecer uma ecologia fantástica para as Cavernas Perdidas, Gygax forneceu ao árbitro ferramentas para descrição e explicação — uma ideia do que acontece nas profundezas quando os personagens não estão lá, com monstros caçando vermes e mordiscando cogumelos estranhos na escuridão úmida. Por mais simples que essas ideias sejam, elas tornam mais fácil descrever os espaços e as atividades dos habitantes da masmorra. Elas oferecem pistas para responder às perguntas que os jogadores rotineiramente fazem: “O que tem no bolso do ogro?” ou “O que os goblins estão fazendo"? Embora não sejam imediatamente jogáveis, elas incentivam a jogabilidade porque fornecem continuidade e oferecem detalhes acessíveis ao espaço fantástico.

DETAHANDO PARA O CONFLITO

Além das técnicas gerais de design e ferramentas ou cenários específicos, a abordagem de Gygax para "keying" [n.t.; 'marcar', 'organizar', 'detalhar' elementos, criar entradas, preencher] também se concentra em construir uma fortaleza para cerco e infiltração. Fundamentalmente, isso significa focar na organização, comportamento e táticas dos inimigos/monstros em suas descrições, enquanto adiciona apenas detalhes ambientais suficientes para esboçar um espaço. As descrições de Gygax são concisas ao tratar dos espaços, mas fundamentadas em descrições físicas precisas: dimensões, materiais básicos e características especialmente notáveis. Isso geralmente é suficiente, já que Gygax tinha o talento de fornecer uma linha ou até mesmo alguns adjetivos evocativos que dão ao árbitro o necessário para trabalhar no contexto da aventura.

Esta descrição do “Monte dos Homens-Lagarto” em Keep on the Borderlands é um bom exemplo da abordagem típica de Gygax:

"Os riachos e lagos dos pântanos são o lar de uma tribo de homens-lagarto excepcionalmente malignos. Sendo noturnos, esse grupo é desconhecido pelos moradores do FORTE, e eles não incomodarão indivíduos que se movimentam durante o dia, a menos que estes pisem no monte sob o qual se encontram os túneis lamacentos e covis da tribo. Um por um, os machos sairão da abertura marcada e atacarão o grupo. Há um total de 6 machos (CA 5, DV 2 + 1, PV 12, 10, 9, 8, 7, 5, #AT 1, D 2-7, MV (20’), JP G2, ML 12) que atacarão. Se todos esses machos forem mortos, o restante da tribo se esconderá na toca. Cada um possui apenas armas rudimentares: o maior tem um colar no valor de 1.100 peças de ouro.

Na toca há outro macho (CA 5, DV 2 + 1, PV 11, #AT 1, D 2-7, JP G2, ML 12), 3 fêmeas (que são equivalentes aos machos, mas atacam como monstros com Dados de Vida 1+1, e possuem respectivamente 8, 6 e 6 pontos de vida), 8 jovens (com 1 ponto de vida cada e que não atacam) e 6 ovos. Escondidos sob o ninho com os ovos estão 112 peças de cobre, 186 peças de prata, um lingote de ouro no valor de 90 peças de ouro, uma poção de cura e uma poção de veneno. A primeira pessoa a rastejar para dentro da toca sempre perderá a iniciativa para o homem-lagarto restante e a maior das fêmeas, a menos que a pessoa empurre uma tocha bem à frente de seu corpo."

Este é um exemplo mais longo do estilo inicial e mais conhecido de Gygax para descrição detalhada de locais, embora descreva uma toca inteira com referência a um mapa simples. É evidente que o foco principal aqui está no potencial de combate ou tático de um encontro com os homens-lagarto. Lendo um único parágrafo, obtemos detalhes sobre a composição do grupo (7 machos, 3 fêmeas mais fracas e 8 crianças), comportamento (“malignos”, noturnos, predatórios e territoriais em relação ao monte), táticas de batalha (emergência individual e ataque dos guerreiros, a emboscada perigosa nos túneis do macho e das fêmeas da toca) e uma possível maneira de contrabalançar essa tática perigosa (cautela e fogo).

"Mapa dos Lagartos..."

O Monte dos Homens-Lagarto (e o “mapa dos lagartos” que completa a descrição) demonstra que a preocupação principal de Gygax é o combate tático, mas a descrição do monte ainda contém alguns detalhes úteis para o mestre de jogo trabalhar. O elemento descritivo consiste apenas nas seguintes anotações: (1) o monte está em um pântano de riachos e lagoas, e (2) os homens-lagarto habitam o monte composto de túneis lamacentos e covas. Por mais simples que seja, essa descrição provavelmente é suficiente para estimular a imaginação do mestre e criar uma cena descritiva mais ampla – por exemplo:

“um monte de terra negra e crua erguendo-se do pântano, desprovido das flores de lírio e juncos que preenchem as lagoas ao redor, e repleto de buracos estreitos e escuros, que levam para dentro de túneis apertados, meio inundados e fedorentos, cheirando a plantas apodrecidas do pântano, ureia e peixes mortos.”

Esse tipo de descrição básica é fácil de evocar em um espaço como este e funciona dentro do contexto de fantasia mundana de Keep on the Borderlands, mas também é um pouco limitada. Nem os próprios homens-lagarto, nem seus tesouros, são descritos de maneira significativa. A única descrição dessas criaturas menciona sua natureza “excepcionalmente maligna”, uma diferença em relação ao homem-lagarto padrão descrito como “neutro” (que ainda assim aprecia “banquetes” de pessoas) no Moldvay Basic (provavelmente escrito após o módulo B2). No entanto, a descrição do Basic Dungeons & Dragons dos homens-lagarto como “criaturas aquáticas [que] parecem homens com cabeças e caudas de lagarto” provavelmente foi informada pela concepção apresentada aqui por Gygax – apesar de estar ausente tanto no suplemento Greyhawk quanto no Monster Manual do AD&D, onde nenhuma descrição física é oferecida, embora o desejo de comer pessoas seja mencionado em ambos os lugares. A imagem no Monster Manual é mais do que suficiente para ilustrar essa característica.

Mais uma vez, nos escritos de Gygax, nota-se a ênfase no comportamento, demografia e estatísticas mecânicas dos inimigos. Com os homens-lagarto, isso funciona bem o suficiente – o próprio nome já os descreve de maneira satisfatória, e é fácil para um mestre, caso precise de mais detalhes, recorrer ao seu próprio conhecimento comum sobre lagartos. Quando joguei B2 pela primeira vez em 1983, o mestre de 12 anos que conduzia o jogo estava familiarizado com lagartixas, então nossos homens-lagarto eram verdes e marrons, com escamas pequenas, cabeças longas e estreitas e sacos na garganta. Presumivelmente, em outra mesa, poderiam ser baseados em iguanas ou serem humanoides com dentes serrilhados parecidos com dinossauros. Ao focar nos aspectos táticos e na cultura (na medida em que banquetes canibais ou morar em cabanas possam ser considerados cultura), Gygax organiza seu design de jogo em torno do combate e da negociação com seus monstros, especialmente os "humanoides", que geralmente recebem descrições mais extensas. Nos trabalhos menos inspirados de Gygax, essa tendência a uma espécie de sociologia militar superficial se expande, às vezes de forma excessiva, criando uma taxonomia absurda [5] ou essencialismo racial que tem sido objeto de muitas críticas. Contudo, no contexto das melhores obras de Gygax, especialmente em aventuras onde ele apresenta encontros singulares sem comentários sociais desnecessários, esse estilo é eficaz e pouco criticável.

O foco dessas aventuras recai sobre o encontro mais provável que os jogadores terão com os "monstros". Frequentemente, como no Monte dos Homens-Lagarto, trata-se de combate – um confronto violento que começa com um combate quase ritual e culmina em uma emboscada aterrorizante nos túneis lamacentos abaixo – provavelmente um encontro fatal para um grupo de baixo nível. Ainda assim, Gygax fornece informações suficientes sobre os homens-lagarto e seu covil em um curto parágrafo, complementado pelos textos de apoio do Moldvay Basic (ou AD&D, se alguém estivesse jogando uma edição inicial de B2) para dar aos mestres suporte para outras possibilidades. Os homens-lagarto querem comer pessoas, mas também valorizam tesouros, falam seu próprio idioma, preferem caçar à noite e por emboscada, e têm algum senso de ritual e honra (daí o ataque em estilo de desafio aos invasores). Existem possibilidades para negociação e, claro, traição – ser perseguido por homens-lagarto noturnos e assassinos com gosto por carne humana. Isso é suficiente para que até mesmo esse encontro simples e quase desprovido de descrição possa servir de base para uma facção regional, caso eventos improváveis ocorram no jogo.

O estilo de Gygax sofre quando se expande demais, como na longa descrição dos Drow em Vault of the Drow. O foco seco e tático em equipamentos e tipos de tropas seria mais apropriado em aventuras e relacionado a encontros específicos com os Drow, mas acaba se misturando desordenadamente com detalhes sobre o matriarcado dos Drow e uma história de sociedade drow simplista, quase como um conto de fadas. Problemas similares surgem quando Gygax tenta descrever espaços mais estranhos, como a terra subterrânea feérica onde os Drow habitam. Apesar de algumas boas descrições, como a capital dos Drow, Gygax tenta manter o estilo tático e referencial, expandindo-o e misturando-o com prosa complexa, o que resulta em um texto ainda funcional, mas que perde a acessibilidade presente em seus melhores trabalhos.

Essas descrições de menor qualidade ainda são funcionais, mas frequentemente insuficientes e, paradoxalmente, excessivas, pois se concentram em minúcias (como uma lista das diversas formas de fungos ao longo da estrada para a capital dos Drow ou o funcionamento das gemas brilhantes no teto do cofre subterrâneo). Quando não detalha essas minúcias, as descrições mais longas de Gygax tendem a recorrer a generalizações em vez de detalhes concretos, e, onde não há detalhes, frequentemente utiliza adjetivos vazios para preencher as lacunas. Por exemplo, em Vault of the Drow, um dos quartos do templo da Deusa-Aranha é descrito assim: “O quarto da Alta Sacerdotisa é decorado de forma lasciva e maligna.” Embora seja possível argumentar que enfatizar a "lascívia" e a "maldade" na estética decorativa da teocracia Drow, em vez de descrever objetos específicos, permite ao mestre preencher os detalhes de maneira mais evocativa para sua mesa, essa interpretação é forçada, especialmente se comparada à forma como os túneis lamacentos e o pântano do Monte dos Homens-Lagarto geram uma imagem imediata. No entanto, essa perda de significado e detalhe descritivo não é apenas um problema nos trabalhos posteriores ou de níveis mais altos de Gygax, nem é uma questão de ampliar a escala descritiva ou de escrever aventuras em uma escala maior. The Forgotten Temple of Tharizdun (1982), uma aventura de níveis mais altos (5º ao 10º), com uma variedade de locais, segue o padrão de descrição simples e robusta de espaços claramente definidos. Forgotten Temple geralmente utiliza elementos descritivos concretos que evocam padrões literários da fantasia pulp. As salas são descritas como contendo ninhos de “roupas velhas, tecido, trapos e folhas” ou “um armário batido [...] com uma porta faltando, mas com as gavetas ainda intactas”. Portas são “placas de madeira-bronze antiga”, e as paredes possuem veios nauseantes de pedras cor de ameixa e lilás. As descrições de Gygax parecem se tornar menos úteis e mais difíceis para o mestre compreender na medida em que descrevem espaços novos ou complexos. Acredito que isso ocorre porque, para a filosofia de design de Gygax, explorar o espaço em si é menos importante do que encontrar seus habitantes. O primeiro aspecto sempre cede lugar ao segundo, independentemente da forma mais provável de uso do local. Isso não é necessariamente uma má abordagem para projetar aventuras de exploração de masmorras e pode gerar efeitos interessantes, mas não é a única abordagem, nem sempre a mais imediatamente útil.

O método de design Gygaxiano, que se concentra amplamente nas táticas e na estrutura militar das criaturas em suas aventuras, tende a ter dificuldades não apenas com descrições complexas, mas também com situações complexas, como a infiltração do grupo na cidade dos Drow. Focar no potencial de combate e nas táticas dos adversários potenciais, quando o combate não é o resultado mais óbvio ou provável, vai na contramão da descrição do Monte dos Homens-Lagarto e no mais provável prejudica a variedade de jogo. Talvez seja possível dizer que a descrição baseada em locais – embora deva sempre abordar a área, seus habitantes e o que ela contém (armadilhas, decoração, tesouros, segredos) – deveria se concentrar ou destacar o que é mais provável de ocorrer ali. No contexto de descrever a cidade dos Drow em Vault of the Drow, isso não é o combate direto, mas sim negociação e subterfúgio.

Apesar dessas críticas e dos tropeços na descrição de situações e locais complexos (e, para ser justo, essas coisas são difíceis de escrever), vale ressaltar que as descrições de Gygax quase sempre oferecem informações suficientes, jogáveis e razoavelmente concisas. Embora a abordagem de Gygax se concentre nas possibilidades de "jogo de guerra" do espaço ou do encontro, essas informações são sempre utilizáveis, porque o confronto direto é sempre pelo menos uma possibilidade secundária, e Gygax raramente omite outras informações por completo.

Isso significa que existem formas bem piores de descrever uma masmorra do que o método de Gygax como jogador de wargames, pois permitir que o mestre saiba o que esperar dos encontros com monstros será sempre um aspecto fundamental do design de masmorras. No entanto, esse método é mais adequado para um tipo específico de aventura baseada em local, que chamo de “Cerco”. Aventuras de cerco se concentram na infiltração e no confronto com forças hostis organizadas. Geralmente, são locais onde há uma facção controladora que está em oposição ao grupo. A facção sitiada quase sempre é poderosa demais para que o grupo a enfrente com segurança em combate direto. Assim, o grupo deve usar táticas de Comando para destruí-la gradualmente. Aventuras de cerco e o formato de design de Gygax tendem a empurrar a aventura para o combate tático e a desfavorecer, embora não eliminem, outros aspectos da aventura em masmorras, como a exploração. Considerando o quão central Gygax foi para a evolução de Dungeons & Dragons e esse aspecto de sua visão criativa, é fácil perceber como o jogo se concentrou cada vez mais em combates táticos complexos ao longo de suas edições. Entretanto, como o design de Gygax vem de uma era inicial do hobby, ele não é tão focado em combate quanto os designs contemporâneos de RPGs de fantasia. Pelos padrões atuais, as aventuras de Gygax são voltadas para exploração e negociação, mas, em comparação com outras filosofias de design de masmorras do início, como as de Jaquays ou talvez Arneson, as sensibilidades de design de Gygax são mais direcionadas ao combate e à tática. Embora eu não atribua culpa a Gygax por isso, suas fortalezas Gygaxianas e seu foco em táticas, especialmente quando filtrados pelo design de torneios e pelo sistema de Advanced Dungeons & Dragons criado para sustentá-lo, plantaram as sementes do formato "Caminho da Aventura" [n.t.; Adventure Path] como uma sequência de encontros taticamente complexos – a forma dominante de design de aventuras de D&D desde os anos 1980.

EXAUSTÃO DA GUERRA

Embora as Fortalezas Gygaxianas sejam, sem dúvida, um formato de design bem-sucedido e envolvente, elas têm limitações, e desde o início jogadores e designers buscaram alternativas. O próprio Gygax escreveu (ou adaptou) outros tipos de aventuras – Tomb of Horrors, por exemplo, é uma masmorra de enigmas. A Fortaleza Gygaxiana enfatiza um único cenário: o combate contra um inimigo organizado. Embora tenha espaço para exploração e outros aspectos do jogo clássico, o resultado principal será sempre o combate. O combate, claro, requer algum equilíbrio entre as forças para funcionar como um jogo. Contudo, a maioria dos truques e ferramentas usados na Fortaleza Gygaxiana gira em torno de garantir que os jogadores tenham maneiras de reequilibrar um cenário em que as mecânicas de combate direto os desfavorecem grandemente. A disponibilidade de fatores ou ferramentas de equilíbrio dentro da Fortaleza Gygaxiana é o elemento essencial do conceito de “Combate como Guerra”, nomeado e bem descrito em um post de 2012 no EN World [6]. A ideia básica é que, em edições ou estilos de jogo mais antigos de Dungeons & Dragons, o objetivo dos jogadores no combate era encontrar maneiras de triunfar sobre inimigos mais poderosos por meio de artimanhas e uso otimizado de aspectos do cenário: emboscadas, exploração de fraquezas dos monstros, traições e aproveitamento de características geográficas para evitar um combate “justo”.

É óbvio que a ideia de personagens evitarem combate para "vencer" não é uma preocupação central no estilo de Gygax. Embora o design de Gygax certamente incentive o conceito de "Combate como Guerra" [Combat as War], a ideia mais recente de "Combate como Estado de Falha" [Combat as a Failstate] é um conceito posterior da OSR (Old School Renaissance). "Combate como Estado de Falha" é uma interpretação do design desenvolvida no lado dos jogadores, talvez como resultado de tentar enfrentar cenários de fortaleza no estilo Gygax com grupos menores, comuns em edições mais recentes (3-6 "heróis"), ao invés das 6 ou mais personagens, além de lacaios, sugeridos nos módulos antigos. Embora, assim como "Combate como Guerra", a teoria por trás do conceito tenha surgido nos anos 2010 e dentro da OSR, o problema é mais antigo.

Grupos de 3 ou 4 personagens jogadores não eram incomuns nos anos 1980. Eles podem ter sido até mais comuns naquela época, dado que não havia a opção de jogos online. Confrontados com o mesmo problema de equilíbrio que grupos da OSR enfrentam ao abordar aventuras projetadas para grandes grupos com grupos menores e, como sempre, tentando evitar a morte de seus personagens, os primeiros fãs também procuraram maneiras de permitir que grupos menores enfrentassem os inimigos maiores previstos nos cenários e regras de Gygax. A resposta "pré-OSR" para esse problema — descrita já em 1975 na revista de fãs Alarums & Excursions, e que levou à cultura "Dungeons and Beavers" da Cal-Tech/da Costa Oeste dos EUA — foi se inspirar na ficção de fantasia e aumentar a sobrevivência e o poder dos personagens. Eventualmente, isso evoluiu para o estilo "Trad" de jogos e encontros mais bem elaborados, com maior preocupação tanto pela necessidade narrativa quanto pela sobrevivência. Essa solução de design eventualmente informa ou até define edições subsequentes de Dungeons & Dragons (incluindo as desenvolvidas por Gygax, cujos personagens em AD&D são muito mais poderosos e resilientes que os de OD&D de 1974), até evoluir para elementos de design como "CR" [Challenge Rating/Nível de Desafio] e formatos de aventura como o "Caminho de Aventura" [Adventure Path].

Rejeitando o design "Trad", pelo menos em parte, a solução da OSR desde pelo menos o meio de seu movimento tem sido dupla. Primeiro, um gesto vago em direção à "maestria do sistema" e a insistência em jogar conforme escrito nos módulos antigos (grupos grandes). Segundo, a adoção da ideia de que o combate deve ser evitado sempre que possível, e que os jogadores devem buscá-lo apenas quando necessário e nas condições mais vantajosas — "Combate como Estado de Falha". Pode-se, claro, adicionar uma terceira solução, algo que chamarei de "O Sacramento da Morte" [The Sacrament of Death], em homenagem ao ensaio de Eero Tuovinen [7]. A solução do "Sacramento da Morte" é projetar para e criar expectativas nos jogadores de mortes frequentes e confusas de personagens. Embora Tuovinen derive isso de jogos "Trad" complexos dos anos 1990 e incorpore ideias do estilo de jogo de história [Story Game] e sua comunidade, a ideia de tratar a morte de personagens como inevitável e divertida também é encontrada em alguns cantos do Pós-OSR, com jogos como Mörk Borg e o híbrido história/OSR Trophy Dark.

As principais soluções da OSR para o problema da letalidade nos combates e a desproporção entre o tamanho do grupo e os desafios enfrentados são a ênfase renovada no conceito de "Combate como Guerra" e o uso de grandes grupos de personagens, com a expectativa de uma alta taxa de letalidade. Infelizmente, essa solução raramente é defendida de maneira positiva ou reflexiva, já que os líderes nessa área tendem a negar a existência de qualquer problema, ao mesmo tempo em que fazem julgamentos morais sobre mesas onde tais questões se aplicam. Frequentemente, isso é apresentado com a toxicidade, incitação ao ódio e estranheza comuns nas partes mais problemáticas da comunidade "gamer", limitando-se a "teorias" que incluem insultos homofóbicos e frases como "Melhore" [Get Good].

Ainda assim, explorar o "Combate como Guerra" é uma solução viável quando se reconhecem as limitações do design inicial de Gygax e se trabalha para criar uma campanha que se apoie no potencial de alta letalidade de personagens e na necessidade de grandes grupos. Esse estilo de jogo envolve tanto aceitar os desafios logísticos — como a necessidade de um maior número de jogadores e de um "estábulo" de personagens prontos para entrar em cena — quanto incorporar inovações modernas ou extrapolações de ideias mais antigas, como "tempo de inatividade 1:1" (1:1 downtime) e o renovado interesse em campanhas no estilo "Braunstein". Com essas ferramentas e um claro ajuste de expectativas, esse estilo pode funcionar muito bem em convenções e lojas de jogos, ou em grupos grandes sem os conflitos típicos da vida adulta, como trabalho e família. No entanto, isso ainda não resolve os problemas enfrentados por grupos menores, da mesma forma que o design no estilo wargame e torneio das décadas de 1970 e 1980 também não os abordava — e isso está tudo bem.

A solução "Combate como Estado de Falha" para lidar com grupos menores e alta letalidade é diferente, pois parte da premissa de que encontros assimétricos existem com a expectativa de que os grupos não devem enfrentá-los (e certamente nunca de forma direta). Em sua forma mais completa, cria um novo estilo de design de aventuras, uma reinvenção holística das aventuras de exploração de masmorras [dungeon crawls] para grupos menores. As soluções individuais desse processo são inovações da OSR de meados de 2012-2017, mas ainda têm raízes nas Fortalezas de Gygax, ou pelo menos são influenciadas negativamente pelas dificuldades em lidar com elas. Um exemplo disso, bem como das limitações das Fortalezas Gygaxianas, pode ser encontrado no módulo B2 - Keep on the Borderlands.

Keep on the Borderlands e suas Caves of Chaos, o local de aventura que foi, para muitos jogadores da OSR, a primeira experiência (geralmente na infância) com Dungeons & Dragons, é um exemplo sólido de uma Fortaleza Gygaxiana (ou, mais interessante ainda, de "Fortalezas"). Esse módulo pode ser jogado como uma arena de intrigas entre facções e de conflito latente que os jogadores devem negociar, alcançando a vitória ao manipular os grupos nas cavernas uns contra os outros e realizando ataques cirúrgicos contra aqueles que não podem ser influenciados. No entanto, o módulo em si carece de instruções detalhadas sobre como conduzir essa abordagem... Eu e outros com quem conversei experimentamos esse módulo de maneira muito menos interessante e dinâmica. É difícil culpar Gygax por essa falha: ele oferece pistas sobre o estilo de jogo de Fortaleza e a atitude necessária para o sucesso. “O Mestre deve ter cuidado para dar aos personagens jogadores uma chance razoável de sobreviver. [...] Espera-se que eles aprendam rapidamente que os monstros aqui trabalharão juntos e atacarão inteligentemente, se puderem. Se essa lição não for aprendida, tudo o que pode ser feito é deixar as fichas caírem onde caírem.” Gygax também inclui instruções breves na maioria dos covis de monstros sobre alarmes e como os habitantes defenderão seus territórios se forem acionados. Embora essas instruções se destaquem para alguém que as esteja procurando, o conselho e o tema também chamam os personagens a confrontar heroicamente o caos. Nas mãos de jogadores jovens ou inexperientes, isso resulta em algo bem diferente do espreitar e conspirar de uma Fortaleza Gygaxiana... Muitos de nós experimentamos as Caves of Chaos menos como um filme de Comandos e mais como um filme de ação dos anos 80.

É lamentável que Keep on the Borderlands, por melhor que seja, não inclua instruções mais distintas e ferramentas como ordens de batalha que poderiam ter ajudado mesmo os mestres mais limitados a conduzi-lo como uma Fortaleza Gygaxiana. Esse é, claro, um problema crônico em aventuras centradas no combate: elas facilmente se degradam de algo interessante para um "Zoológico de Monstros". Esse termo de D&D geralmente significa duas coisas sobre uma aventura, ambas negativas: uma estranha variedade de monstros que não deveriam estar vivendo próximos uns dos outros e a tendência de monstros em masmorras mal conduzidas ficarem sentados em seus covis como encontros isolados e previsíveis. Claro, encontros isolados, como o clássico dragão em seu covil sobre um monte de ouro, têm seu lugar, e nem todo monstro precisa se mover ou ter relações dinâmicas com tudo no local. Um túmulo cheio de guerreiros mortos-vivos, por exemplo, não é exatamente ativo socialmente, e mesmo um dragão pode permanecer tranquilo a menos que alguém roube seu tesouro. Mas um zoológico de monstros é algo mais. Quando os hobgoblins na sala de guarda não correm para reforçar os hobgoblins na entrada ou levantar o alarme, isso também é um zoológico de monstros. Ambos os significados do termo indicam um pecado de design ou condução maior que apenas encontros excessivamente isolados: eles mostram uma quebra de verossimilhança, mesmo sob os padrões permissivos de fantasia ou Naturalismo Gygaxiano.

Falhas no design criam o primeiro tipo de zoológico de monstros, geralmente quando o designer depende de geração procedural e tabelas gerais expansivas para preencher uma masmorra, em vez de posicionar criaturas com atenção à ecologia do local ou até mesmo usando tabelas aleatórias, mas curadas para se adequarem ao tema. O tipo de Zoológico de Monstros que B2 muitas vezes se tornava nas mãos de mestres inexperientes é um erro de condução exacerbado pela (compreensível) falha de Gygax em ser extremamente enfático sobre o comportamento dos monstros. Quando joguei B2 pela primeira vez, no início dos anos 80, marchamos pelo local de sala em sala, geralmente encontrando exatamente o número de inimigos indicados nas descrições e os eliminando. Não poupamos nem os infames bebês orcs. Meu mestre na época era um criativo garoto de doze anos com alguns anos de experiência em D&D, então as coisas não foram tão ruins quanto poderiam ter sido. Os orcs e especialmente os hobgoblins seguiam as notas sobre defesa do covil incluídas na aventura e corriam para formar fileiras e defender seus territórios. Mas, a essa altura, já sabíamos o suficiente para que feitiços de sono e bombas de óleo fossem mais do que capazes de lidar com um grupo de aventureiros em desvantagem numérica de 2:1. Acho que minha experiência foi melhor que a de alguns jogadores daquela época e certamente melhor do que algumas campanhas que ouço falar hoje, quando grupos acostumados com edições ou sistemas mais modernos tentam jogar Keep on the Borderlands com as regras antigas.

Novamente, não vejo isso como uma falha no design de Gygax, mas é sempre um risco — pior ainda hoje, quando muitas expectativas sobre como funciona o combate em RPGs vêm de videogames ou edições mais novas que seguem um modelo de design diferente. Para evitar que uma Fortaleza Gygaxiana entre em ruínas, torna-se cada vez mais importante incluir as ferramentas que ele introduziu: planos claros de defesa para os habitantes das masmorras, múltiplas ferramentas diegéticas para inclinar o combate a favor do grupo e ordens de batalha que ajudem o mestre a imaginar algo mais complexo do que uma grande batalha isolada ou uma marcha lenta pela masmorra eliminando criaturas sala por sala sem reação organizada.

"Uma visão final da Propriedade dos Gigantes..."

É claro que, como todas as formas de design de aventuras, a Fortaleza de Gygax pode ser usada como parte de uma masmorra maior - algumas facções dentro de uma aventura podem ser organizadas, seus covis exigindo infiltração, enquanto outras podem ser estáticas ou animalistas, agindo mais como indivíduos dispersos ou pequenos grupos sem planos e defesas. Para o designer de masmorras, o trabalho de Gygax ilustra um tipo poderoso e eficaz de masmorra que é mais uma ferramenta ou variedade para emular, modificar e combinar com outros modelos ou com experimentos próprios. Quanto maior a variedade de formas de aventura que alguém puder oferecer aos jogadores, mais emocionante e inovadora cada aventura parecerá. O próprio design de Gygax (ou as publicações com seu nome) era bastante variado, embora a maioria mantenha seu tom particular e estilo de descrição, e ele publicou famosamente Tomb of Horrors assim como Steading of the Hill Giant Chief - pioneiros tanto da Fortaleza Gygaxiana quanto da Masmorra de Enigmas. Também vale notar que as Fortalezas de Gygax evoluem ao longo do tempo, melhorando a cada iteração e fornecendo mais ferramentas para conduzi-las como problemas táticos complexos. Steading of the Hill Giant Chief foi escrita vários anos antes de The Forgotten Temple of Tharizdun e, embora compartilhem o tema geral de uma fortaleza de gigantes com um templo maligno no subsolo, Tharizdun é configurada de maneira muito mais clara como um problema tático em larga escala e oferece melhores ferramentas para jogar esse cenário. Claro que não acho que seja uma aventura tão boa quanto Steading, pelo menos parcialmente porque o covil de gigantes em si é muito menor e se foca em um único conflito em vez de uma infiltração prolongada, mas as ferramentas em Tharizdun são vastamente melhores e poderiam facilmente tornar Steading um cenário mais fácil e melhor se aplicadas ali.

Em 2023, nenhuma discussão sobre o trabalho de Gygax poderia estar completa sem reconhecer que seu trabalho frequentemente contém algumas implicações bastante desagradáveis, muitas vezes espelhando o gênero Western, e particularmente as formas mais simplistas da "História da Cavalaria" e do "Western Clássico", onde os colonos heroicos e a cavalaria dos EUA em uniformes azuis lutam contra os nativos americanos. Essa variedade mais antiga de Western é quase pura propaganda, popularizada pela primeira vez quando o genocídio das tribos nativo-americanas e a expansão para o oeste estavam em curso, mas continuou ao longo do século 20 (pelo menos parcialmente devido ao “Código Hays” e suas proibições raciais sobre violência). O uso por Gygax dos tropos e estruturas de narrativas colonialistas genocidas não é surpreendente, dado o tempo e lugar de onde ele veio, e suas próprias declarações, até os anos 2000, parecem refletir visões bastante retrógradas sobre o genocídio americano e outros tópicos (como a misoginia, por exemplo). Também ouvimos algumas alegações sobre as falhas de Gygax como pai, amigo e cônjuge, e certamente o FBI notou seu uso de drogas. Pessoalmente, embora eu ache muitos desses aspectos de seu caráter repugnantes, estou disposto a deixar de lado as falhas de Gygax ao refletir sobre seu trabalho como designer de jogos. Outros, especialmente aqueles menos isolados dos legados de colonialismo, genocídio e misoginia, podem não estar dispostos a fazer o mesmo. Embora eu não possa elogiar o homem que Gary Gygax parece ter sido, encontro muito que é digno de elogio em seu design e espero que o hobby de Role Playing Games possa engajar com isso enquanto reconhece tanto suas falhas quanto o valor de suas contribuições.

Para mim, esse é o aspecto da abordagem de Gygax que vale a pena emular e honrar, sua criatividade e disposição para tentar novas abordagens, para dedicar esforço em oferecer aos jogadores em sua mesa novidade e emoção, mesmo quando suas ideias sobre como uma aventura deveria funcionar nem sempre se refletem na primeira tentativa. As ferramentas específicas de design que ele criou também são valiosas, mas sua criatividade no design de aventuras e entusiasmo pelos RPGs ainda são inspiradores.

∞ Gus L. ∞

1. https://alldeadgenerations.blogspot.com/2024/11/gygaxs-fortress.html
2. https://alldeadgenerations.blogspot.com/2024/01/the-underground-maze.html
3. https://dungeonofsigns.blogspot.com/2013/04/thoughts-regarding-character-mortality.html
4. https://dustdigger.blogspot.com/2024/09/naturalismo-gygaxiano.html
5. https://slowlorispress.com/post/693356847419293696/dds-obsession-with-taxonomy
6. https://www.enworld.org/threads/very-long-combat-as-sport-vs-combat-as-war-a-key-difference-in-d-d-play-styles.317715/
7. https://www.arkenstonepublishing.net/isabout/2021/02/18/the-sacrament-of-death/

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