sábado, 2 de novembro de 2024

Hábitos de Jogadores Altamente Eficazes {THL1}

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente no suplemento para a primeira edição de AD&D, The Heroic Legendarium [1], publicado por Trent Smith em 2021. Agradecemos imensamente a gentil cortesia do autor)

"Algumas sugestões com o intuito de auxiliar os(as) jogadores(as) a conquistarem o jogo..."

A única maneira real de se tornar melhor neste jogo é jogando-o. A perspectiva que vem da experiência direta em situações ao redor de uma mesa (ou, hoje em dia, online em tempo real) com outras pessoas nunca pode ser substituída por nenhum tanto de estudo dos livros ou simulações mentais. Dito isso, há algumas dinâmicas sociais e interpessoais que não estão detalhadas nos livros de regras e que podem ser condensadas em conselhos úteis para novos (ou recém retornados) jogadores, ajudando-os a compreender como o jogo foi pensado por seus criadores, evitando assim um período potencialmente frustrante de tentativas e erros e prevenindo o desenvolvimento de hábitos que possam tornar o jogo menos prazeroso. As sugestões a seguir não são uma fórmula mágica para transformar um jogador em um especialista instantâneo, mas devem, ao menos, apontá-los na direção de um engajamento duradouro e satisfatório com o hobby.

1. Mantenha a perspectiva em primeira pessoa

O jogo está em seu melhor quando você vê seu personagem não como uma peça abstrata (uma coleção de números em uma folha) ou como uma entidade independente cujas ações você observa (como um personagem de um livro ou filme), mas sim como uma projeção ou avatar de si mesmo no mundo fictício. Suas interações com esse mundo são filtradas pelo papel que você está desempenhando – a classe, a raça, o alinhamento e as habilidades do seu personagem – mas, dentro desse quadro, você deve se esforçar para abordar as situações e desafios do jogo a partir da perspectiva de primeira pessoa, imaginando o que faria se fosse essa pessoa nessa situação. Mesmo que o jogo use miniaturas em um tabuleiro, evite focar na visão “de cima para baixo” como em um jogo de tabuleiro e tente visualizar-se na cena, imaginando o que seu personagem pode ver, ouvir, cheirar e sentir, e onde os outros personagens (amigáveis ou hostis) estão em relação a ele.
 
Da mesma forma, ao declarar ações, não pense na abstração das regras ou mecânicas do jogo; ao invés disso, imagine o que faria nessa situação, considerando as capacidades e limitações do personagem que está interpretando, e descreva suas ações nesses termos, deixando a tradução dessas ações em termos de jogo a cargo do Mestre. Ao abordar o jogo dessa maneira, a experiência torna-se mais imediata e emocionalmente envolvente, diferenciando-se da experiência de jogar outros tipos de jogos de guerra. Nas últimas décadas, os modos de “peça de jogo” e “observador” têm sido mais prevalentes no hobby, provavelmente em parte como reação às preocupações dos pais nos anos 80 de que as crianças poderiam se “perder” no jogo e não conseguiriam distinguir entre o mundo fictício e o real. Porém, o modo original e mais eficaz do jogo é a perspectiva direta em primeira pessoa.

Além disso, muitos jogadores desejam definir e detalhar tudo sobre seus personagens antes de começar a jogar e chegam ao primeiro jogo com uma compreensão totalmente formada de quem é aquele personagem – sua história de fundo, personalidade e objetivos. No entanto, ao jogar com uma perspectiva em primeira pessoa, isso não só é desnecessário, como também indesejável. Na verdade, os melhores e mais satisfatórios resultados são alcançados quando cada personagem começa como uma página em branco – uma coleção de pontuações de habilidade, classe e raça, alinhamento, e pouco mais – e a personalidade e as características distintivas do personagem emergem e se desenvolvem gradualmente durante o jogo, à medida que o personagem (ou seja, você) reage naturalmente a situações reais e desenvolve suas próprias preferências e aversões, medos e desejos, objetivos e rivalidades, e peculiaridades e maneirismos de personalidade em resposta a experiências reais e diretas. Os personagens tornam-se interessantes e complexos por causa do que fazem e experienciam em jogo, e de como isso os molda e transforma ao longo da campanha, o que é mais rico e real do que quando tudo é decidido antecipadamente.

2. Pense além das regras

As regras formais não têm a intenção de cobrir toda a gama de atividades possíveis no jogo, e muitas, se não a maioria, das atividades de jogo não interagem com os sistemas de regras formalizados. Quando os personagens estão negociando ou resolvendo enigmas, reunindo informações e fazendo planos ou elaborando estratégias, e ao lidar com desafios que se correlacionam com atividades comuns do mundo real, como preparar alimentos, fazer nós, cuidar de equipamentos, etc., não há necessidade de se referir a regras ou fazer rolagens para resolver essas atividades. As regras servem apenas para lidar com aqueles elementos fantásticos que não têm referência no mundo real (os funcionamentos de feitiços e itens mágicos, as características dos monstros, os ambientes de locais impossíveis, etc.) ou para resolver ações que têm muitas variáveis e não podem ser modeladas verbalmente (principalmente combate). Os jogadores devem lembrar de não se focarem apenas no que está quantificado na ficha do personagem e de não abordar os desafios do jogo em termos das regras. Raramente a solução para uma armadilha, truque ou enigma estará na ficha de personagem (como usar um feitiço ou item mágico específico) – mais frequentemente, espera-se que os jogadores considerem a situação e elaborem uma solução como se estivessem enfrentando o desafio fora do jogo.

Mesmo no combate, quando as regras definidas do sistema estão em primeiro plano, as rolagens determinam apenas o resultado dos ataques, e a estratégia e as táticas que moldam essas rolagens – que determinam quem está atacando quem, e quais vantagens ou desvantagens se aplicam a cada lado – ficam a cargo dos jogadores. Enfrentar um monstro cara a cara e trocar ataques e rolagens de dano, confiando na matemática ou na sorte para sobreviver, não é uma estratégia vencedora, pois as leis da probabilidade eventualmente alcançam a todos. Jogadores bem-sucedidos farão de tudo para ditar as circunstâncias do encontro, a fim de empilhar as probabilidades a seu favor, deixando o mínimo possível à aleatoriedade dos dados.

Como uma espécie de corolário ao exposto acima, também é importante entender que, embora grande parte das regras do jogo girem em torno dos detalhes do combate, fazendo parecer que lutar e matar são as atividades centrais do jogo, a fonte mais eficiente de pontos de experiência (e, portanto, de aumentos de nível e sucesso do personagem) é, na verdade, a obtenção de tesouros. O combate é melhor considerado como um meio para o fim de adquirir tesouros, em vez de um fim em si mesmo, e, na medida em que o tesouro pode ser obtido sem necessidade de combate – por furtividade ou trapaça – tanto melhor. Mais cedo ou mais tarde, algum combate será inevitável, pois onde há tesouro também há monstros, tanto guardando o tesouro quanto buscando-o para seus próprios fins, e nem todo oponente pode ser negociado, enganado, contornado ou evitado. Porém, o combate é inerentemente arriscado, então ele não deve se tornar a solução para todos os problemas, mesmo que possa parecer assim nas regras.

3. Seja observador, mas não tímido

Durante uma aventura, compreender plenamente o ambiente é a chave para a sobrevivência e o sucesso, e os detalhes são importantes. Isso inclui não apenas as características físicas do local em que seu personagem está (embora isso seja essencial - como já mencionado, você deve se esforçar para visualizar cada local), mas também o padrão mais amplo do que está acontecendo: quem são os habitantes do lugar, como estão organizados e o que estão fazendo, quais são seus objetivos e como esses objetivos correspondem ou conflitam com os seus. Compreendendo isso, você terá uma noção melhor de quando é apropriado negociar com os monstros, tentar intimidá-los ou suborná-los, esgueirar-se por eles, fugir ou evitá-los completamente, e quando a melhor ou única opção é atacar. Isso também envolve entender o lugar que está explorando – como e por que foi criado, que propósito tinha originalmente e que função possui agora. Uma mina é diferente de um templo, que é diferente de uma fortaleza, de um túmulo, de uma caverna natural ou da torre de um mago, e assim por diante. Cada um deles possui características específicas das quais você pode deduzir como provavelmente estão estruturados e o que pode haver neles, preparando-se de acordo.

Enquanto explora lugares no jogo, você depende inteiramente das descrições verbais do Mestre, o que significa que deve prestar atenção a elas (e pedir mais detalhes ou esclarecimentos caso fique confuso ou não compreenda algo) pois, se o Mestre está jogando de forma justa, tudo o que você precisa saber está nas descrições, e qualquer detalhe ausente é uma pista intencional de que há algo incomum que requer atenção. Pergunte ao Mestre sobre sons e cheiros, além de descrições visuais, sobre o que vê no chão e no teto, bem como nas paredes, e assim por diante, pois qualquer um desses elementos pode ser a chave para evitar uma armadilha ou emboscada, ou para encontrar uma porta secreta ou um tesouro escondido.

Contudo, é importante lembrar que ser excessivamente cauteloso, a ponto de timidez ou passividade, é um perigo real. A essência do jogo é o movimento rápido, e os personagens devem ser audazes e decisivos para sobreviver e prosperar. Um personagem que hesita ou adia suas ações perde a iniciativa e multiplica o desafio ao permitir que seus oponentes ajam primeiro – tanto taticamente (em combate) quanto estrategicamente, na exploração (se os jogadores não agem rapidamente, os monstros podem armar emboscadas, reunir mais aliados, esconder melhor o tesouro, preparar mais armadilhas ou até mesmo abandonar o local e levar o tesouro com eles). O equilíbrio entre atenção aos detalhes e planejamento estratégico de um lado e ação ousada e decisiva do outro é algo que cada jogador aprende com a experiência, mas encontrar esse equilíbrio perfeito é quase certamente a chave mais importante para alcançar o sucesso no jogo.

4. Combine cooperação com competição amigável

O jogo é projetado para ser jogado em grupo – vários jogadores trabalhando juntos serão mais eficazes do que um único jogador, mesmo que este controle vários personagens simultaneamente, pois terão uma base mais ampla de experiências e perspectivas para lidar com os desafios do jogo. Um jogador pode ser ótimo em táticas de combate, enquanto outro é bom em resolver enigmas, um terceiro é eficiente em monitorar recursos e manter organização, e um quarto é habilidoso em negociar ou se meter em confusões. Aprender a trabalhar efetivamente como equipe – perceber os pontos fortes e fracos de todos, ouvir e aceitar os pontos de vista dos outros jogadores, em vez de tentar impor sua vontade sobre eles – gera melhores resultados do que tentar jogar sozinho.

Contudo, um nível de competição amigável entre os jogadores também é saudável e esperado, e, enquanto não sair de controle e escalar para confrontos diretos e ataques entre personagens, pode tornar a experiência do jogo mais vibrante e divertida. Personagens de raças, alinhamentos e religiões diferentes podem implicar uns com os outros e tentar se sobressair. Os jogadores podem cobiçar e invejar os itens mágicos uns dos outros. Podem competir para adquirir mais pontos de experiência, ganhar níveis mais rapidamente, reunir comitivas maiores de seguidores, construir fortalezas melhores e mais grandiosas que os outros. Podem aliar-se a diferentes facções de NPCs e tornar-se rivais políticos. Eventualmente, alguns personagens podem até se tornar inimigos declarados e se recusar a cooperar (embora isso deva ocorrer apenas se os jogadores tiverem múltiplos personagens, para que os dois ainda possam jogar juntos, mesmo que certos personagens seus não se deem bem). Trabalhe em equipe com os outros jogadores e seus personagens, mas isso não significa que você precisa ser apenas uma engrenagem na máquina – seu personagem também tem personalidade individual e seus próprios objetivos, que não precisam sempre ser subordinados à vontade do grupo.

5. Estabeleça e persiga seus próprios objetivos

O jogo atinge seu melhor quando os jogadores, e não o Mestre, são os principais motores da ação. Idealmente, tudo o que o Mestre precisa fazer é definir o cenário e estabelecer os parâmetros do ambiente, enquanto os jogadores determinam o que acontece no jogo ao estabelecer e perseguir seus próprios objetivos, em vez de esperar que o Mestre (diretamente ou através de NPCs) lhes diga onde ir ou o que fazer. A premissa inicial é que os personagens são caçadores de tesouros (ver #2 acima), então a primeira prioridade geralmente será descobrir onde está o tesouro e como chegar até ele. Conforme o jogo avança, outros objetivos surgem naturalmente à medida que o mundo e os personagens se desenvolvem – eles podem querer adquirir um item ou habilidade específica, encontrar um NPC em particular, ir a um lugar específico, derrotar um inimigo específico e assim por diante. Estabelecer uma base segura e um grupo de seguidores confiáveis é um objetivo secundário muito válido, pois proporciona ao personagem um senso extra de segurança e independência e serve como uma apólice de seguro caso ele seja capturado ou incapacitado.

O jogo se torna muito mais real e envolvente quando os próprios jogadores estabelecem e perseguem esses objetivos em vez de recebê-los prontos ou delegados, mas é uma via de mão dupla. Para esse modelo funcionar, os jogadores precisam ser proativos na busca de seus objetivos em jogo – apenas mencioná-los e esperar que o Mestre organize tudo não é suficiente. Se os jogadores não estabelecerem e buscarem ativamente seus objetivos, o jogo ficará estático e monótono, ou o Mestre preencherá essa lacuna ao impor ações aos jogadores, enviando-os em missões ou fazendo com que a aventura vá até eles (invadindo seus lares, roubando seus pertences, sequestrando ou matando seus aliados, etc.). Permitir que o Mestre faça isso e jogar de forma reativa é certamente possível e mais fácil do que ser proativo, pois exige menos pensamento e engajamento, mas também é, em última análise, menos divertido. Ao interagir com o jogo de maneira passiva e reativa, você perde seu potencial completo e se limita desnecessariamente.

6. Seja cortês

Por último, mas não menos importante, e interligado a todos os outros pontos, está a simples noção de cortesia e decência em relação às outras pessoas com quem você está jogando. Se você deseja ser um jogador bem-sucedido e ser convidado a continuar participando, precisa cultivar relacionamentos amigáveis com os outros jogadores. Chegue pontualmente (e, se precisar cancelar ou se atrasar, avise aos demais com a maior antecedência possível). Evite discutir com outros jogadores ou com o Mestre durante o jogo. Não tente mandar nos outros jogadores ou dizer-lhes o que fazer ou como interpretar seus personagens. Não distraia o grupo com conversas fora do contexto do jogo. Respeite a propriedade dos outros e sempre seja respeitoso em relação aos limites e zonas de conforto dos demais, evitando comportamentos ou temas que os outros possam achar assustadores, desagradáveis ou de outra forma inapropriados. É um jogo, mas também é, tanto quanto ou mais, uma atividade social, e, para que funcione a longo prazo, todos precisam apreciar a companhia uns dos outros o suficiente para que se sintam à vontade socialmente, mesmo que não houvesse um jogo envolvido.

∞ Trent Smith ∞

 

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