quarta-feira, 28 de agosto de 2024

O Melhor Servidor Público de Discord Sobre RPGs de Estilo Old-School do Brasil

Particularmente, no momento considero o servidor público de maior qualidade sobre RPGs de estilo Old-School no Brasil. Por várias razões. Um dos motivos é que é aberto a todas as vertentes do estilo... E também é discreto.

Além de tópicos postados de grande qualidade e utilidade, o ambiente é organizado e respeitoso, podendo-se realizar os estudos e compartilha-los tranquilamente, através das portas que o conteúdo do servidor abre.

Isto aqui é apenas uma sugestão para as pessoas interessadas no assunto, nada demais. Vem me ajudando bastante com o hobby e as jogatinas desde que entrei em contato com esse ambiente virtual. Tô falando de RPG Old-School... E tenho aprendido bastante.

Ah, e claro que este servidor não é meu: quem sou eu, meu amigo, hehe...

Seguem a proposta, as regras e o link do servidor (caso o link não funcione, você poderá fazer uma grande boa ação me avisando):

Jogatina Aventuresca Clássica Avançada (JACA)

«O servidor é voltado para enriquecimento teórico sobre as diversas variações de DnD Oldschool que têm surgido e sido revivido durante os anos.

Sintam-se à vontade em contribuir nos diversos canais. O objetivo principal é que o que for discutido aqui seja utilizado para diversificar e enriquecer ainda mais a qualidade de nossas mesas de DnD.."

REGRAS:

1- Não é permitido discussão, divulgação e nem apologia de qualquer conteúdo criminoso. Use bom senso; (quebrar essa regra é banimento instantâneo)

2- É estritamente proibida a divulgação de Fake News. Seja no que concerne RPG ou qualquer outro conteúdo;

3- Não é permitido extremismo nem divulgação de ideologias extremistas aqui, seja de qual espectro político for;

4- O Servidor foi feito para adultos (18+). Maturidade emocional é imprescindível. Capacidade de socializar é essencial.

5- O servidor é voltado a discussões sobre o estilo de jogar DnD Oldschool e seus derivados. Não é proibido falar de outros RPGs, desde que seja feito no local adequado.

6- Não é permitido pirataria;

Ou seja, nada que as políticas do Discord já não proíba. Seja sensato.

No mais, é JACA!!!»

https://discord.gg/t2BeHdeTG8 


∞ ∴ ∞

domingo, 25 de agosto de 2024

Os 13 mandamentos do CAG (ou como CAGar pra eles). Um comentário.

"Então vocês entram na sala e veem o 'the mudcoreman' cagando para o CAG..."

Pensando no excelente texto do EOTB como base [1], resolvi pegar os pontos fundamentais que ele mesmo destacou e definir os “mandamentos do CAG”. A escolha deste termo é proposital e provocativa justamente para estimular o leitor a questionar o fato de que tudo de novo (ou velho renascido) que aparece no meio do RPG é interpretado como a nova “verdade absoluta” que deve esmagar todas as outras que vieram anteriormente, sem perdão nem discussão. O que não é o caso aqui. A nomenclatura CAG e os textos publicados aqui são apenas um norte para identificar um estilo para quem se interessa por ele e não achou no OSR moderno o que procura. O CAG não é escrito em pedra, nem é algo para se pregar de porta em porta. É apenas uma rememoração do que o Gygax já ensinava em seus textos lá atrás nos anos 70, sobre o jogo de fantasia aventuresca e como aplicar suas fantásticas regras nele.

Portanto, aí vai: os 13 mandamentos do CAG e como CAGar pra eles:

1) Nenhum jogador é obrigado ou esperado a substituir sua própria personalidade na mesa em prol de uma fictícia.

Esse é um dos que mais geram controvérsias e gerou até uma resposta do autor original do texto [2]. Quando o autor diz que o jogador não é obrigado a substituir quem ele é por uma personalidade fictícia em mesa, ele quis dizer justamente isso, você não é obrigado a atuar o personagem, não é obrigado a fazer vozinhas, a fazer escolhas baseadas “no que meu personagem faria”, mas também não é obrigado a não fazê-lo. Se seu Mestre gosta disso na mesa dele, e você quer fazer, manda brasa, vai fundo. As prioridades de uma mesa é da mesa. Ninguém se importa (e nem deve) com o que cada um escolhe aplicar em seu jogo. Mas o estilo CAG define que o ideal é focar em outras questões mais importantes, como, se aventurar.

2) Espera-se que os jogadores melhorem no jogo e demonstrem um domínio crescente de suas habilidades para com as regras.

Aqui começa a brilhar o palco do estilo. Quando você escolhe um sistema robusto e investe seu tempo e interesse nele, com o tempo você e seus jogadores vão notando como as peças se encaixam, como aquela mecânica que parecia esquisita ou exagerada no início precisava ser daquele jeito no início para só então não quebrar no meio ou no fim do jogo. Com a propriedade do conteúdo e o domínio das regras, você e seus jogadores vão jogar liso, a jogatina fica muito mais suave. E consequentemente, a experiência de jogo vai melhorando cada vez mais. É excelente ver isso na prática de jogo. Mas se você não quer se apegar a um sistema, não quer mudar o estilo de sua jogatina de fim de semana com os amigos que não querem se dedicar ao jogo, tudo ótimo também, talvez há outros pontos aqui que te interessem.

3) Espera-se que os jogadores usem o que o hobby moderno erroneamente despreza como “metagame” - e que seu uso não seja desencorajado.

Outro tópico que rende desde sempre. Metajogo é um termo curioso, pois no oldschool ele simplesmente não existe, pois, é esperado que o jogador traga de sua experiência pessoal, seu conhecimento, para ajudá-lo a vencer. Não se proíbe que isso aconteça, se estimula. Ignorar a aplicação de seu conhecimento em um jogo, é pedir para perder, pura e simplesmente. Mas se você é aquele que preza a imersão, que adora atuar seu guerreiro burro que não sabe que um zumbi morde, boa sorte, vista a roupa do boneco e transforme-o em um personagem dramático de várias camadas, desde que o Mestre de jogo esteja alinhado com você e os outros jogadores também não se importem. Há excelentes outros estilos de jogos que cobrem o que você deseja fazer (praticamente tudo de D&D que saiu nos anos 90 até o início dos anos 2000).

4) Os GMs não devem fazer metajogo – porque um GM tem conhecimento perfeito, eles devem se limitar.

Isso aqui é extremamente importante e é essencial pra se entender bem a proposta do jogo. O Mestre não tem permissão para usar conhecimento externo para influenciar em sua interpretação do jogo. Quando ele está usando um NPC, ele precisa ser aquele NPC, não na atuação, mas no conhecimento dele. O Mestre não pode ajudar e nem atrapalhar os jogadores baseado no que sabe fora das fronteiras daquele personagem que ele controla naquele momento, custe o que custar. O Mestre que usa disso pra contar a sua história, ou pra manter a história do jogador no eixo, precisa definitivamente CAGar pro CAG, pois esse não é seu estilo de jogo, nem de longe.

5) Um único conjunto de regras é usado por longos períodos de tempo.

Como foi comentado uns tópicos acima, para se aprofundar na prática de jogo de um determinado sistema (sistema completo que cobre todas as etapas de um jogo de fantasia aventuresca, não ruleslite) o grupo precisa jogar com aquele sistema, jogar bastante, progressivamente em uma campanha. Só assim dá pra se tirar proveito de uma campanha, só assim o jogador sente seu personagem criando laços de camaradagem, seu poder aumentando, sua marca sendo deixada no mundo de jogo. Mas é o que foi dito mais acima, é preciso investimento de tempo, interesse e dedicação do jogador àquele grupo de pessoas e respeito ao Mestre que se dedica àquele tempo com você. Se você só quer passear pela prateleira e testar aquele livrinho amarelo bacanudo que ouviu falar no reddit hoje, e aquele outro livro super bem acabado que viu o Ben Milton alisar no canal dele, e a vida é muito curta pra se dedicar a uma coisa só, neste pleno ano de 2024, vai fundo, CAGue para o CAG.

6) O jogo em nível alto é abraçado, é o objetivo de toda campanha.

Reforçando os tópicos acima sobre dedicação. Todo jogo que você começa em CAG, mesmo sendo um personagem nível 1 (ou 3, como geralmente é recomendado) o seu objetivo é atingir as estrelas, você planeja que seu boneco sem nome, sem história, seja, no futuro o cara dos contos heroicos. Mas isso demora. Demora e exige planejamento. Não só seu, mas do grupo como um todo, vocês precisam escolher bem aonde explorar, com quem lidar, como dividir as obrigações e os espólios, quem contratar, como enfrentar os inimigos, como carregar o tesouro, onde guardar, como gastar, e etc. O jogo é uma sucessão de desafios que exigem planejamento: tem frustração, alívio, regozijo, assim como toda aventura deve ser. E toda aventura gera histórias para se contar, boas e ruins. Isso exige – adivinhe – tempo e dedicação. Estou me repetindo. MAS se você quer só curtir aquele mudcore level 0 com os parceiros? Mais uma vez, divirta-se e CAGue pro...Isso mesmo.

7) Nenhuma tentativa é feita para predeterminar o curso do que acontecerá se os jogadores decidirem se envolver com esse conteúdo.

Mais uma chamada pro Mestre de jogo. Assim como foi comentado no 4 sobre o mestre que faz metajogo querer alinhar os jogadores à sua narrativa, aqui se faz claro que ele não pode, de jeito nenhum, predeterminar o que vai acontecer em um conteúdo quando os jogadores decidem interagir. O Mestre cria elementos, ele cria locais, ele não cria histórias, eventos que vão acontecer como um filme para os jogadores assistirem. Assim que os jogadores tocam em um conteúdo, o mestre deve se ater a reagir ao que os jogadores fazem usando os dados e o seu bom senso na hora de interpretar os resultados, nada mais. Se você é um Mestre que quer ser cineasta, por gentileza CAGue pro que é dito aqui e vá procurar algo que agregue ao seu destino rumo ao estrelato.

8) Os jogadores têm permissão para “vencer” situações de forma convincente e sem tensão artificial ou perigo imposto pelo GM.

Sabe aquele tempo de horas e horas que você Mestre ficou criando aquela área sinistra, mirabolante e cheia de intenção de ser um momento épico digno de Senhor dos Anéis? (o anime). Então, o ladrão colheu informação antes, usou pergaminho de invisibilidade, passou por um buraco no telhado e o usuário de magia inverteu a gravidade na sala e jogou o tesouro todo num saco preso no telhado, de uma vez, saindo de fininho pela traseira do lugar, sem sequer despertar um guarda. E você que chore calado, pois é assim que deve ser. Sério. Você se diverte fazendo o conteúdo, os jogadores se divertem quebrando ele, é assim mesmo. Ser bom Mestre é saber identificar onde está a diversão. MAS, se sua diversão é fazer railroading, aí meu amigo, já sabe, vai andar de Trem da Alegria e deixar o Pluto CAGar em paz na fantasia.

9) O jogo de aventura não é bem compatível com uma mesa composta inteiramente por jogadores passivos, independentemente de quão entusiasmado o GM possa estar para tentar.

Como o exemplo acima demonstrou, um grupo proativo que planeja e quebra as expectativas da sessão do mestre, o estilo CAG exige que o grupo seja atento e eficaz. Um Mestre CAG não consegue atuar com um grupo passivo em mesa. É preciso que, pelo menos, um seja proativo e colabore com o mestre para que o jogo ande. E um jogador estimulado consegue afetar o grupo todo, desde que seja focado no jogo e os colegas tenham também a intenção de se esforçar para se divertir. Diversão é responsabilidade de todos, não só do Mestre. MAS, aqui vamos nós de novo. Se você é o mestre do monólogo que adora ouvir sua própria voz e os jogadores dormindo não te incomodam, desde que você consiga descrever a sua cena de amor entre o gnomo e o orc, boa sorte nos fanfics, porque RPG CAG não tá com nada, irmão.

10) Os GMs gostam de criar mundos por si só.

Então, os jogadores passaram seu desafio sem piscar porque foram mais espertos que você? Mal sabem eles que você já se divertiu demais criando ele em primeiro lugar. E também mal sabem eles que você vai expandir esse módulo e usar com outro grupo ou até eles mesmos, em um futuro não distante. O Mestre de jogo se diverte não só na mesa, mas lendo módulos, criando módulos, expandindo módulos, modificando, e etc. O jogo começa para o Mestre no momento em que ele começa a pensar sobre o jogo. E isso é extremamente gratificante. MAS, Mestre que odeia tudo isso, eu não sei o quê diabos você faz jogando RPG… Melhor procurar terapia, afinal, isto aqui é só um texto sobre um jogo.

11) O ritmo de jogo torna-se muito mais rápido do que a maioria dos grupos de jogos de RPG experimenta na mesa.

Um jogo que não tem atuação, vozes teatrais, em que todos os envolvidos estão afinados com as regras e seus objetivos, já conseguem agir em conjunto, otimizando os procedimentos e se adaptando aos desafios, conseguem agilizar o jogo maravilhosamente bem. Quanto mais o tempo passa, cada um se adapta ao papel que desempenha em jogo, mais ágil e eficaz se torna o grupo, o jogo rende que é uma maravilha, logo, o jogo flui e é só festa. Se seu grupo adora ficar na taverna por ¾ da sessão só para decidir se vai dormir ali ou não, e isso é divertido, sem problemas, só acordem o Mestre pra vida quando acabar. Mas ele também curte isso, bom jogo, só não enganem os outros na chamada da mesa dizendo que é CAG (Jogo de Aventura Clássico), porque senão vão ser CAGados (e com razão) pelo pobre coitado que teve que dirigir meia cidade para chegar nesse evento frustrante.

12) Personagens de 1º nível não têm um feitiço de parar o tempo de 9º nível que podem usar a qualquer momento que desejam mais informações para tomar uma decisão. (O tempo de decisão é curto e as informações são limitadas)

Isso agrega muito bem aos outros tópicos que falam sobre a velocidade do jogo quando estão todos alinhados e com domínio sobre as regras. O Mestre dessa forma pode demandar mais dos jogadores. Ele exige velocidade maior de reação, assim como também precisa reagir de acordo com sua própria demanda, quando necessário. O tempo corre tanto fora quanto dentro do jogo, então não há possibilidade de perder tempo que não se tem em uma situação de risco. Em combate, aja rápido; quando explorando, não vacile pra decidir pra que lado vai; quanto mais tempo parado enrolando, mais rolagens ocorrem, mais risco se corre. Não marque bobeira. MAS, se você é lerdo assim como eu, tome um café e treine agilidade, com o tempo tudo melhora. Ou então a mesa acaba: acontece direto. Boa sorte.

13) A agência do jogador requer amplos recursos para os jogadores, e o GM não se intimida com os jogadores crescendo rapidamente em riqueza, poder e independência à medida que o jogo inicial é superado.

O estilo CAG respeita o tempo de todos os envolvidos. Quando os jogadores acumulam riqueza por desafios superados, o Mestre precisa reconhecer isso, não deve tomar isso dos jogadores sem mais nem menos, não deve frustrar planos só pelo fato deles terem recursos de sobra para executá-los. O Mestre deve abraçar isso, deve respeitar o poder dos personagens, que foi conquistado com muito custo. Se eles estão tão fortes assim, eles mesmo superam aquela etapa de jogo e eles mesmos decidem ir para uma nova etapa, ainda mais arriscada e emocionante, pois, são veteranos e devem poder apostar mais, para ter ainda maiores recompensas ou morrerem miseravelmente tentando. Se seu jogo é só sobre você, como Mestre, ganhar, rir da miséria do jogador morrendo pela enésima vez com o boneco dele de 1HP, tá aí o mudcore pra você chafurdar, pois o CAG é pra quem almeja vencer de vez em quando e esbanjar em seguida.

E é isso, obviamente nada foi aprendido neste texto, não se você já leu os outros infinitamente superiores que já foram traduzidos por aqui e já citados. Mas espero que esta zoeira tenha pelo menos ilustrado que você não precisa odiar o CAG por CAGar em sua caixinha de areia. Continue curtindo o jogo da maneira que você curte. Só saia daqui com mais conhecimento sobre este estilo, que pode ter uma fronteira meio turva com o OSR clássico, mas que está aí sendo jogado regularmente há décadas por uma galera que saca muito de D&D e que curte demais a palavra escrita do grande Gygax.

∞ The Diligent Astral Dust Digger Sorcerer+King

1. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/o-que-e-classic-adventure-gaming-cag.html
2. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/sem-interpretacao-de-papeis.html

Sem Interpretação de Papéis?!?

 (Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em julho de 2024)

Um dos grandes nomes na discussão de jogos históricos/modernos, Black Vulmea, contribuiu [2] comentando sobre minha postagem anterior. Quando pessoas que você respeita consideram sua postagem e acham a maior parte dela muito boa - isso é uma incrível sensação. A principal questão que minha postagem deixou para ele foi a mesma que normalmente surge em resposta ao CAG (Classic Adventure Gaming, ou Jogo de Aventura Clássico), que é uma variação de: “Você rejeita o termo ‘interpretação de papéis’? O que exatamente isso significa?”

BV enquadrou seus pensamentos sobre interpretação de papéis da forma mais comum que ouço de pessoas que, em sua maioria, são receptivas ao CAG: 

“Minha concepção pessoal ou ideação – tenho relutância em chamar de definição – de interpretação de papéis é 'Tomar decisões como seu personagem'. Se seu personagem é um avatar de você no mundo do jogo, como no CAG, então isso ainda se encaixa na minha concepção de interpretação de papéis. Isso também inclui o ‘estilo de encenação’ que o EOTB descreve como sendo praticado e defendido por muitos no hobby. Do meu ponto de vista, interpretação de papéis não é estritamente uma imersão profunda no personagem ou ‘falar com vozes engraçadas’. ‘Meu cara’ é uma abordagem perfeitamente válida de interpretação de papéis para mim.” 

É assim que muitas pessoas com mais tempo no hobby como um todo pensam sobre interpretação de papéis. Entende-se, pelo menos implicitamente, que a maioria das pessoas usa o termo de forma mais restrita – daí, inevitavelmente, há alguma variação de “o que interpretação de papéis significa para mim…”. O “para mim” é reflexivo porque todos nós já passamos por discussões online suficientes para saber que não podemos dizer “interpretação de papéis” e esperar que os outros entendam que simplesmente queremos dizer jogar com um arquétipo, ou um papel funcional em um grupo de especialistas variados, ou algo assim. Na discussão mais ampla, isso resultará no oposto da comunicação funcional. Assim, alguma forma de negociação ocorre onde estabelecemos significados alternativos que o ouvinte considerará idiossincráticos a nós, mas que pode estar disposto a aceitar, e a partir daí a conversa pode acontecer.

No entanto, esta é uma negociação pessoal que deve ocorrer a cada vez que o assunto surge em um ambiente público, seja nas redes sociais ou em grandes grupos em que os membros variam com o tempo. Sempre deve ser estabelecido que usaremos uma palavra de uma maneira que a maioria das pessoas não usa.

Eu não culparia ninguém por escolher fazer isso, mas eu realmente não quero ter essa negociação periodicamente. As palavras mudam de significado, e parece uma ação retrógrada insistir em usá-las em um significado que já passou. A palavra "meat" (carne) costumava significar toda a comida na mesa – seja animal, vegetal ou de outra origem. Se eu escrever em um convite que todos são bem-vindos para vir à minha casa no sábado à noite para uma noite de boa “carne e bebida”, nenhum vegetariano vai pensar em verificar o uso da palavra. Eu teria que explicar meu uso arcaico do termo individualmente ao dar o convite.

E isso nos leva ao motivo de iniciar o (CAG) podcast – queremos alcançar pessoas que não estão jogando nenhuma forma de “D&D”, mas que adoram a ideia de se reunir com amigos para explorar tumbas perdidas, encontrar tesouros fabulosos e cruzar espadas com nêmeses pessoais. Mas como o D&D já existe há muito tempo, com alcance significativo nas redes sociais fora dos membros do hobby, quando muitas dessas pessoas ouvem a palavra “interpretação de papéis” elas pensam em “uma versão adulta do chá de bonecas”. 

Porque é isso que elas leem, veem e ouvem.

E muitas vezes, elas simplesmente não estão interessadas nisso. Você pode ter toda a aventura que mencionei acima em outras mídias, sem nenhum chá de bonecas. Não há razão nenhuma para jogar D&D se você não gosta de chá de bonecas. Você pode jogar videogames em grupo, online. Você pode se reunir em algum lugar e rodar um cenário de 40K. Você pode se satisfazer e nunca ter que correr o risco de sentar-se à frente de alguém que lhe diga que a menos que você esteja disposto a repetir aquilo “dentro” do personagem, o que foi dito nunca aconteceu de fato e eles não considerarão válido para o jogo. Ou sua piada engraçada que fez todos rirem, sim… O DM (Dungeon Master ou Mestre de Masmorra) insiste que seu personagem também a disse.

Eu não estou apenas teorizando ou atacando jogos fictícios. Se “Sem interpretação de papéis?!?” é a primeira questão que muitos RPGistas curiosos levantam, também é a primeira razão que muitos novos jogadores de CAG dão para conferir nossa proposta e se estabelecerem. Um dos membros do podcast ignorou o D&D por anos porque sua primeira exposição ao tabletop (RPG de mesa) foi no final dos anos 90, depois que os jogadores engoliram avidamente editoriais da revista Dragon e dizendo sem rodeios que, se eles não incluíssem uma boa dose de encenação em seus jogos, então eles não estavam realmente interpretando papéis.

E o que ele observou não o interessou nem um pouco.

“Realmente interpretar” reduz o hobby de jogos tornando-o desagradável para muitas das pessoas que Dungeons and Dragons presumiu serem seu público-alvo. O que é estúpido, porque este é um público que compraria coisas – D&D (WOTC) agora deseja desesperadamente atrair para si mesmo o rendimento monetário de formas de jogos em que encenação não é necessária, e está freneticamente alucinando formas diferentes de fazer as pessoas encenarem online e comprarem novas skins (roupagem) de personagens sempre que criam personagens.

Olha, eu já passei por isso também – negociando uma definição alternativa para o termo “interpretação de papéis”. As respostas mais comuns quando eu descrevia como rodava jogos para um público geral (exceto o já mencionado “isso não é realmente interpretação de papéis”) eram:

  • Você está apenas jogando um jogo de tabuleiro/videogame na mesa.

  • Bem, eu interpreto, eu não jogo com números.

  • É um jogo de interpretação de papéis – está bem no nome!

  • O jogo para mim é completamente sobre ser outra pessoa, se você não está interpretando (encenando) personagens interessantes, por que jogar o jogo, afinal?

Em algum momento, após uma dessas conversas, misturado com a 7.162ª discussão online sobre “o que o OSR realmente significa”, a única reflexão sensata foi dizer "É hora de assumir isso – eu realmente não estou interpretando". Eu honestamente não me importo se a interpretação de papéis (encenação) acontecerá ou não. Não é por isso que estou aqui. Se eu disser isso primeiro, então atraio mais pessoas que já estou tentando encontrar e desincentivo pessoas que querem algo diferente do que eu quero na mesa.

Tudo isso se resume a: Não poderia haver nada mais autossabotador do que insistir em se descrever algo usando uma terminologia que seu público-alvo está programado para rejeitar; seu uso predominante sendo reforçado por quase todos que não seja você.

Mas agora, depois de explicar mais sobre por que chegamos à posição de rejeitar completamente o termo interpretação de papéis, vamos ao ponto central da pergunta de BV:

Esta é a essência do ‘Desenvolver-em-Jogo’ em vez de ‘Desenvolver-Do-Princípio’. Jogadores oldschool e radicais tendem a falar em termos de ‘história’ como uma propriedade emergente que surge do jogo prático em mesa em vez de uma planejada pelo mestre – a história é algo visto em retrospectiva – e pela minha própria experiência, assim é a caracterização. Quanto mais decisões tomo para meu personagem, mais decisões subsequentes provavelmente refletirão uma consistência e coerência com o que veio antes. Meus personagens desenvolvem interesses, hábitos e manias que constroem sobre aquelas experiências e ambições e ‘meu cara’ se torna alguém completamente diferente, muito diferente de onde a campanha começou.

Eu não sei se o conceito de CAG de EOTB necessariamente exclui ou proíbe isso."

A resposta curta é: Não há nada sobre o que foi dito acima que esteja fora dos limites do CAG, de maneira alguma.

Toda vez que crio um personagem, é essencialmente eu mesmo como aquela classe de personagem. Mas, como BV diz, o personagem, em virtude de interagir com o mundo do jogo, muitas vezes se torna uma variação de mim mesmo que é diferente de todas as outras variações de mim mesmo que joguei antes. Eu posso nunca me preocupar em dar um nome ao cara (alguns dos meus personagens têm nome), mas ele ainda é diferente de EOTB-6106 e EOTB-5114. Ele fez inimigos diferentes, desenvolveu hábitos diferentes e muitas vezes lidaria com a mesma situação de maneira diferente de outro personagem meu.

Mas ele também pode não fazer isso. Ele pode lidar exatamente da mesma maneira. E esse é o ponto: eu não me importo se ele acaba sendo diferente ou igual a algum outro personagem. Ele não é o motivo pelo qual estou jogando, o que acontece com ele como personagem pode ser algum tipo de acidente feliz, e também pode não ser nada digno de ser lembrado. Porque eu não estou aqui para desenvolver um personagem, estou aqui – eu, EOTB-0001 – para explorar tumbas, encontrar tesouros, cruzar espadas e chutar traseiros. Ele é a ferramenta que eu uso para fazer isso, assim como um bom martelo. Nada sobre o martelo é meu hobby, no entanto. É algo incidental ao ponto, mesmo se eu realmente apreciar um grande martelo.

Os últimos personagens que joguei foram um ranger no jogo de AD&D de Zherb e um ladrão na campanha 7VoZ de Melan. O ranger nunca foi nomeado, embora o ladrão tenha sido. Na criação do ranger, a rolagem de dados do Discord (por algum alinhamento de probabilidades tipo Powerball) deu uma sequência de atributos permitindo uma combinação de classes que eu nunca havia jogado antes: um ranger que poderia se tornar multi-classe com ilusionista. Eu jogo há muito, muito tempo, mas isso nunca aconteceu. Fiquei intrigado. Ainda não fiz a mudança de classe, mas esse personagem ranger se sente diferente simplesmente porque ele já está à procura de coisas relacionadas à Ilusão. Minha tomada de decisões é diferente e, portanto, as experiências são diferentes, as prioridades são diferentes. Provavelmente não o nomearei até ele completar a mudança e poder usar ambos os conjuntos de poderes. Eu realmente não o conhecerei até então.

Zero interpretação de papéis (no sentido comum) ocorreu com esse personagem.

O ladrão subiu na hierarquia do submundo na campanha de Melan, evitando converter toda a sua moeda em XP e comprando ativos em vez disso, formando um caravançarai de grande alcance com um capitão de navio contrabandista talentoso útil para mover… Muitas coisas… para muitos lugares.

Ele comprou presentes para tribos nômades simplesmente para ganhar boa vontade, caso seja necessário negociar no futuro para mover… Coisas… Para lugares… Através do território delas. E tudo isso foi feito no tempo de inatividade entre fantásticas aventuras de espadas e feitiçaria que o viram ganhar imensa força física por se sentar em um trono misterioso, ganhar alguns benefícios divinatórios que ele mantém na manga por respeitar altares de deuses-morcego e algumas outras coisas que, bem, teremos que ver como se desenrola se eu conseguir liberar aquele dia/horário novamente em breve. Mas tomo decisões com aquele personagem de uma maneira diferente de qualquer outro personagem ladrão que joguei.

Houve um pouco de interpretação de papéis de minha parte naquela campanha. Não muito, foi incidental, feito quando foi útil em vez de performativo. Mas nunca foi necessário.

O mínimo aceitável de interpretação de papéis para um participante individual deve ser zero, para que as pessoas que não estão interessadas nisso possam relaxar e se divertir. O teto pode ser o que cada grupo determinar. Mas se todos concordarem que realmente estão ali para maximizar o jogo de aventura – explorar, saquear, lutar, conquistar e ganhar glória – então, realmente há tempo de mesa suficiente para que a interpretação de papéis seja mais do que incidental? Uma atividade com um mínimo de zero de uma possível ação não pode ser definida por essa ação. Tentar isso seria sem sentido – mas, inversamente, mudar o nome de “jogo de aventura de fantasia” para “RPG” também é a razão pela qual a encenação com interpretação de papéis cresceu de uma coisa estranha que algumas pessoas faziam, para uma ferramenta retórica empunhada por editorialistas da TSR (Antiga dona de D&D) que não gostavam muito de jogos de alto risco.

O hobby precisa de um estilo de jogo reconhecido onde as pessoas saibam que uma mesa que o utiliza não vai perder tempo “de rolar dados” conversando com mercadores para comprar flechas, elas não precisam se preocupar em jogar como Bob, o 53º (que é o mesmo em todos os aspectos que os 52 Bobs anteriores) e receber um olhar de desprezo por isso, e nunca precisarão estar “no personagem” se não quiserem. O CAG é esse estilo de jogo (entre outras coisas) e já estava mais do que na hora dele surgir.

EOTB ∞

1. https://csio.blogspot.com/2024/07/no-roleplaying.html
2. https://black-vulmea.blogspot.com/2024/07/make-mine-adventure-roleplaying.html

Jogo de Aventura Básico

 (Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em julho de 2024)

Há alguns anos, decidi que não iria mais me referir ao que eu faço como "interpretação de papéis" (Roleplaying) e, em vez disso, passei a chamar essas atividades (o que eu antes chamava de "RPGs") de "Fantasy Adventure Game" (Jogos de Aventuras de Fantasia) (ou "FAGs", para encurtar). Sei que já fazia isso desde 2013, pois fui muito cuidadoso em omitir qualquer menção à frase "interpretação de papéis" no meu jogo publicado Five Ancient Kingdoms. Veja bem, eu queria acabar com qualquer confusão sobre como eu (como designer) pretendia que meus jogos fossem jogados.

Claro, o termo “jogo de aventura de fantasia” não é original da minha cabeça… Tenho quase certeza de que roubei o termo diretamente da minha cópia de Moldvay (Basic). “Livro Básico do Jogo de Aventura de Fantasia” está escrito bem ali na capa (o conjunto expert de Cook/Marsh diz “Livro Expert do Jogo de Aventura de Fantasia”). O primeiro parágrafo da introdução de Moldvay começa assim:

“Jogo de Aventura de Fantasia DUNGEONS & DRAGONS (”O Jogo de D&D” para encurtar) é um jogo de aventura de interpretação de papéis para pessoas de 10 anos ou mais…”

É um bom termo para o que o jogo é… “Aventura de fantasia”, duh… E, acredito, ajuda a colocar a mente na direção certa do que deveríamos fazer quando nos sentamos à mesa de jogo. Que não haja confusão! Estamos aqui para jogar um jogo de aventura de fantasia; não estamos aqui para encenar, explorar personalidades alternativas ou criar narrativas encantadoras… Todas coisas que o termo “interpretação de papéis” passou a representar.

Na maior parte do tempo, abordei todo o meu hobby de interpretação de papéis dessa maneira... E por que não, quando minha introdução ao hobby foi o jogo de D&D?... Mesmo com sistemas de jogo que claramente não são propensos a este estilo de jogo. Ou melhor, fiz isso... Até o início dos anos 2000, quando comecei a ler teoria de RPG no site Forge e percebi como diferentes sistemas facilitam diferentes tipos de jogo.

Então, sim… Sou um jogador de aventura de fantasia (um “FAG”) há muito tempo. Mais de 40 anos. E ainda assim entendo que minha visão de como usar estes jogos é diferente da opinião majoritária nos dias de hoje. É por isso que decidi começar a me distinguir (e, sim, me distanciar) da terminologia “interpretação de papéis”. Não porque eu não veja o que faço como “jogar jogos de interpretação de papéis” (um gênero de entretenimento distinto de jogos de tabuleiro ou jogos de computador), mas porque minha abordagem de como se joga um RPG é tão estranha à maioria da comunidade… Até mesmo aquela parte da comunidade que afirma jogar Dungeons & Dragons, o PRIMEIRO jogo de aventura de fantasia.

Não sou o único. Já mencionei antes a crescente comunidade CAG (“CAG” é um acrônimo para jogos de aventura clássica… Suponho que o termo "FAG" (acrônimo para Fantasy Adventure Game) tenha sido considerado problemático…), um grupo dissidente da cena “old school” que existe principalmente para “manter viva a chama” dos jogos de aventura, da mesma forma que o início da OSR tentou manter vivo o “jogo de edições antigas”: através de discussões, encorajamento e compartilhamento da sabedoria de “melhores práticas” dos veteranos, sem mencionar: simplesmente jogando. Em termos do hobby como um todo, o estilo de jogo CAG pode ser visto como um nicho dentro de um nicho: “D&D de edição antiga” está desfrutando da mesma proliferação e popularidade que se vê na edição atual (5ª+) de D&D, mas mesmo entre as pessoas que jogam D&D de edição antiga (ou seus clones, como OSE), há muita incompreensão, desinformação e suposições incorretas sobre como a jogabilidade deveria ser. O pessoal do CAG não está (especialmente) tentando retificar isso, mas está tentando ser um repositório de conhecimento e um recurso para quem procura uma maneira de jogar estes jogos neste estilo específico.

“Este estilo específico”. Sim, sei como soa. Estou tentando evitar escrever “ensinar as pessoas a jogar D&D da maneira correta”, porque sei que isso incomoda as pessoas. Incomodar as pessoas não é meu objetivo hoje. Definitivamente, não é meu objetivo.

Ahem… Para mais informações sobre o CAG, sugiro conferir o podcast semirregular homônimo [2], especialmente os primeiros episódios. Para resumos mais curtos, você pode ler as postagens nos blogs de Zherbus [3] ou EOTB [4], que são resumos justos da filosofia de jogos do CAG. Ambos são fortes defensores do AD&D 1E (e do OSRIC, o retroclone da 1ª edição), pela simples razão de que é o sistema que melhor facilita este tipo de jogo (uma perspectiva com a qual eu concordo [5].

Mas a pergunta surgiu: Os sistemas Básicos (como B/X, BECMI, Holmes, Labyrinth Lord, Old School Essentials, etc.) podem ser usados para o jogo CAG? E, em caso afirmativo, como?

A resposta para a primeira pergunta é decididamente “sim”. A resposta para a segunda é… Mais longa.

Os jogos básicos (Holmes, Moldvay e Mentzer) foram todos inicialmente destinados a atuar como introduções ao jogo de D&D. É apenas com os volumes adicionais de Mentzer (os conjuntos Companion, Master e Immortal) que o jogo “D&D” (distinto do Advanced D&D, ou seja, AD&D, o principal produto da TSR durante a maior parte de sua existência) se tornou algo que poderia ser considerado um “sistema” de jogo completo… Um sistema próprio, autônomo.

Esta última edição (chamada BECMI, posteriormente consolidada no Rules Cyclopedia de Aaron Alston, às vezes referida como “RC”) é algo que não joguei quando foi publicada pela primeira vez (ou seja, '‘nos dias da minha juventude’'). Meus amigos e eu jogávamos AD&D, embora tivéssemos pegado algumas das ofertas do BECMI (por “razões”). Mas havia MUITA coisa para essa linha que chegou às prateleiras… Sempre presumi que era uma linha de jogos popular na época, e foi por isso que criaram tanto conteúdo para ela (material de cenário na forma de Gazetteers, acessórios de jogo, módulos de aventura para todos os níveis de jogo). Décadas depois (no início dos anos 2000), adquiri muito do material e mexi um pouco, pensando que poderia haver algo ali.

Meh.

Só recentemente fui informado de que pode não ter sido uma linha de jogos muito popular, afinal… Pelo menos nos EUA. No entanto, essa versão básica escrita por Mentzer foi a primeira versão traduzida (oficialmente) para outros idiomas e vendida no exterior. O PHB e o DMG da 1ª Edição foram traduzidos para francês e alemão, mas o conjunto básico de Mentzer (e a linha BECMI) foi traduzido para francês, alemão, dinamarquês, finlandês, hebraico, italiano, japonês, norueguês, português, coreano, espanhol e sueco. Para muitos países fora dos Estados Unidos, o D&D Básico foi a versão seminal e definidora do jogo.

Estou me desviando. Como disse, os conjuntos básicos originais foram feitos para ser um “portal” para o jogo AD&D (como foi para mim)… Mas isso não foi necessariamente o caso em outras partes do mundo. Então a TSR faliu e não vimos, ouvimos ou nos importamos com esses jogos “básicos” até o surgimento da OSR por volta de 2007-9.

Hmm.

Esta próxima parte é complicada. A OSR não tratou essas edições Básicas como sistemas “introdutórios”; muito pelo contrário, eles as viam como edições de D&D que valiam a pena serem jogadas por si mesmas. Havia muitas razões para isso. Facilidade/acessibilidade foi uma razão importante: são sistemas curtos de ler, com menos nuances. Suas regras eram tão descomplicadas e simples que criar material adicional compatível (um passatempo emocionante para os criativos) era moleza. E… Provavelmente… Havia muita familiaridade e nostalgia com esses sistemas, especialmente considerando A) que a OSR era uma comunidade internacional, além de B) o Básico de Mentzer ser o “padrão” de D&D mais amplamente traduzido entre países/culturas.

Eles também foram alguns dos primeiros retroclones no mercado. Labyrinth Lord não foi escrito como uma '‘introdução’' para nada, e seu Advanced Edition Companion deu às pessoas conteúdo adicional (da 1ª Edição), adaptado para o chassi Básico. Lamentations of the Flame Princess usou o D&D básico como um veículo para explorar todo tipo de escuridão. OSE simplesmente reorganizou os livros B/X de uma forma que os tornasse ainda mais amigáveis do que já eram. Nenhum deles foi projetado, nem parecia interessado, em ser um portal ou ponte para um jogo mais avançado. Esses clones foram criados por diferentes editoras independentes (com motivações diferentes e independentes), NÃO por uma única corporação gigante com a esperança de canalizar novatos para seu produto principal.

Então… De volta àquela segunda pergunta.

Quando se compreende os objetivos do “jogo de aventura”, é possível começar a perceber as limitações inerentes a um jogo projetado, em primeiro lugar, como uma introdução ao “jogo real” (o Advanced Dungeons & Dragons, escrito e publicado simultaneamente com o primeiro conjunto '‘Básico’'). A maioria dos atributos declarados do jogo de aventura (novamente, olhando para os dois posts de blog citados acima) são facilmente satisfeitos, mesmo com um sistema básico de procedimentos. No entanto, o objetivo geral do jogo de aventura de fantasia é o jogo de campanha a longo prazo Jogo contínuo em um ambiente de fantasia duradouro, criado pelo GM e impactado pelos jogadores. Apesar da facilidade e acessibilidade dos vários conjuntos de regras básicas, seus sistemas possuem várias insuficiências que dificultam o jogo a longo prazo. Essas são:

  1. Falta severa de distinção entre tipos de personagens. O personagem básico se enquadra em uma das sete classes categóricas, é definido por um dos três alinhamentos e tem uma seleção extremamente limitada de equipamentos e feitiços mágicos para escolher. A variação entre os pontos de atributo é comprimida (sete opções possíveis para cada habilidade), contribuindo para uma “mesmice” marcada entre os personagens. Como introdução ao jogo, essa seleção limitada é mais do que adequada; reduz a quantidade de “paralisia de análise” inerente a um novo jogador que se aproxima de um jogo complexo. Para o envolvimento a longo prazo, no entanto, mais distinção e variedade são desejáveis. AD&D oferece 36 variações de classes (interligadas com raça), outras dezenas de opções de multi-classes, maior variedade nas seleções de armas e armaduras, e quatro listas de feitiços distintas, cada uma contendo mais feitiços de 1º nível do que qualquer lista de feitiços nos sistemas básicos. A variedade no jogo avançado é suficiente sem ser esmagadora, proporcionando muito valor de “replay” (em termos de explorar diferentes tipos de personagens para interagir com o ambiente de D&D).

  2. Falta de sobrevivência. Isso já foi discutido antes: personagens básicos são bastante frágeis em níveis baixos, facilmente mortos por infortúnios. A falta de poder de permanência é uma barreira para o jogo a longo prazo, exigindo mais trabalho tanto por parte do GM quanto dos jogadores para garantir a sobrevivência até níveis mais altos de jogo (um resultado desejável, pois abre mais conteúdo para jogadores e GMs experimentarem). AD&D aumenta a sobrevivência ao fornecer dados de vida mais altos para a maioria das classes de personagens, um “buffer” de pontos de vidas negativas, e magia de cura abundante dos tipos clericais, mesmo começando no 1º nível.

  3. Menos oportunidades de avanço. Sistemas básicos concedem XP tanto para combate quanto para tesouro encontrado (assim como em AD&D), mas o fazem em uma taxa menor: menos XP são concedidos para monstros, e XP de tesouro só é concedido para tesouro monetário (itens mágicos sendo considerados '‘sua própria recompensa’'). É verdade que os totais de XP para avanço são ligeiramente menores do que no jogo Avançado, mas, na prática, muito mais XP é concedido no jogo Avançado, especialmente com a possibilidade de vender itens mágicos por quantias exorbitantes de ouro e XP. Este procedimento na primeira edição de AD&D permite que os personagens continuem a subir em um ritmo regular, mesmo quando os totais de XP necessários para avanço aumentam para seis e sete dígitos. Os tesouros para monstros também tendem a premiar mais do que o que é dado para os tesouros dos monstros dos sistemas básicos; o tesouro do tipo H (o melhor disponível em B/X) concede um saque médio avaliado em 50.000 PO. Considerando que o tesouro H só ocorre em covis de dragões… E que 50K dividido entre sete ou oito pessoas é uma quantia bastante pequena para personagens de nível de renome que requerem 100K-150K cada para avanço… Isso é muito risco para uma recompensa comparativamente pequena. À medida que os PCs do jogo básico sobem de nível, o avanço tem o potencial de estagnar, o que, com a baixa sobrevivência, é uma receita ruim para o jogo a longo prazo.

  4. Falta de opções para o jogo de nível médio a alto. Mesmo quando uma campanha básica concede tesouros suficientes para um avanço regular, há muito pouco para gastar todo esse dinheiro. Os jogos básicos não exigem custos de treinamento, não têm custos de manutenção, têm uma lista mais curta de opções de compra disponíveis e os preços dos itens são bastante depreciados (considere que a armadura de placas custa míseros 60 PO no jogo básico e está disponível para todos, exceto os mais pobres personagens de 1º nível). As regras básicas não fornecem regras para desgaste/destruição de itens e, portanto, nunca há necessidade de substituir ou reparar equipamentos para mercenários e aliados. Embora os conjuntos Expert de B/X e BECMI forneçam algumas diretrizes para a construção de castelos e fortalezas, apenas os livros Companion e Master de Mentzer fazem qualquer tentativa real de fornecer regras de “domínio” (governo)… E essas são malfeitas, fornecendo montes de XP não merecidos nas cabeças dos governantes de domínio por fazerem pouco mais do que aumentar impostos sobre suas populações. É verdade que há algum ímpeto para a conquista fornecido no livro Companion (mesmo que apenas para ganhar títulos mais altos de nobreza), mas o sistema “War Machine” é extremamente limitado em escopo (enquanto isso, nem Holmes nem B/X oferecem tais sistemas, referindo os GMs ao já esgotado Sword & Spells, para lidar com combate em massa).

    Admito que o sistema BECMI de Mentzer se esforça bastante para fornecer opções para personagens de nível alto: classes de prestígio, manobras de combate, feitiços de nível mais alto, “artes” de demi-humanos, antagonistas de monstros poderosos e missões codificadas para a imortalidade. Mas, para todos os efeitos práticos, essas opções permanecem muito fora de alcance devido à falta de oportunidades de avanço (#3 acima), o que torna a conquista de personagens de nível Companion (15º-25º) quase impossível de alcançar. Tais personagens requerem bem mais de 1 milhão de PO em tesouros… O equivalente a 20 covis de dragões de tamanho médio… Cada um, para alcançar tais níveis. Pessoalmente, descobri que o 12º nível é quase o máximo eficaz no jogo B/X (padrão), e mesmo isso requer tesouros de tamanho impraticável (uma carroça de quatro bois só pode transportar 25.000 moedas de peso; uma bag of holding no jogo básico só pode conter 10.000 moedas). Qualquer personagem com meio milhão em moedas de ouro tem o dinheiro para comprar vários castelos, dado como são as regras nos jogos básicos.

E imagino que isso tenha sido considerado aceitável pelos designers originais. Compre seu castelo, aposente seu personagem… E depois se gradue no jogo Advanced D&D na sua próxima vez que for jogar. Comprar um castelo e se estabelecer em seus salões recheados de ouro deve ser considerado uma vitória.

Mas o jogo de aventura de fantasia não é jogado com um ponto final particular em mente. Alguns personagens, é claro, “se aposentarão”… Especialmente semi-humanos que atingiram os limites de nível e são incapazes de progredir. Para a maioria dos personagens humanos, no entanto, AD&D não tem limite máximo, nenhuma limitação para o avanço; como a própria campanha, as carreiras dos aventureiros têm o potencial de serem perpétuas, contínuas e sem fim. Em teoria, os personagens básicos (tanto B/X quanto BECMI) têm um limite de nível 36, que provavelmente deveria ser inatingível, mesmo após anos de jogo… Mas o jogo não escala tão bem quanto no jogo AD&D. Demônios em BECMI são equivalentes a deuses (menores), não bestas para serem combatidas nos níveis mais profundos de masmorras ou (mais geralmente) nos planos exteriores. E enquanto Mentzer incluiu sua própria versão de artefatos no conjunto Master, eles não funcionam nem servem ao mesmo propósito de recompensa que os artefatos e relíquias encontrados no DMG da 1ª edição (dica: há uma razão pela qual Gygax dá a esses itens um valor de venda em ouro).

Então, para aqueles que desejam jogar um sistema “básico” mais simples e com objetivos de CAG a longo prazo, o que pode ser feito para remover esses impedimentos inerentes?

  1. Aumentar a variabilidade do personagem. A combinação interligada de raça e classe geralmente tem sido considerada suficiente para fornecer diversidade na escolha de personagens. O Companion da Edição Avançada de Labyrinth Lord (e, presumivelmente, OSE Avançado) se esforça para adaptar o sistema da 1ª edição ao estilo básico e pode ser adotado integralmente… Esses jogos também tendem a recriar as listas estendidas de feitiços e tabelas de equipamentos da 1ª edição, mas em um estilo “básico”. A construção sólida de um mundo com atenção aos mercados e à economia, e as próprias opções de personagens específicas do cenário também podem fornecer variedade para os jogadores. O Complete B/X Adventurer [6] oferece uma infinidade de opções de personagens e novas classes de personagens, embora estas últimas devam ser usadas com moderação para adaptar melhor o cenário, não introduzidas em sua totalidade em uma campanha.

  2. Aumentar a sobrevivência do personagem. Os personagens básicos começam a alcançar seu potencial por volta do 3º nível, e um GM pode simplesmente começar os PCs nesse nível; da mesma forma, os GMs podem adicionar buffers de pontos de vida negativa, dados de vida mais altos e feitiços bônus (baseados nas pontuações de SAB ou INT para clérigos e magos, respectivamente). No entanto, a principal consideração para grupos básicos é garantir que eles tenham quantidade suficiente de indivíduos em seus grupos de aventura: 7+ geralmente é o mínimo que se deseja ter, e mercenários contratados (como os encontrados no módulo de aventura B2) devem estar prontamente disponíveis para grupos de baixo nível que precisem “preencher as fileiras”. Atenção especial deve ser dada aos procedimentos de Reação e Moral no sistema básico, e tanto o GM quanto os jogadores devem entender como esses funcionam, pois '‘quebrar’' inimigos (especialmente humanoides) geralmente vai render maiores dividendos do que lutar até a morte. Por mais feroz que um único ogro seja, é menos provável que ele mate metade de um grupo do que cinco a sete bandidos/humanoides (todos aqueles testes de ataque!)… Especialmente aqueles armados com armas de projéteis. GMs precisam dar uma olhada no que torna um encontro “passível de sobreviver” para personagens de baixo nível: a masmorra de exemplo Tower of Zenopus em Holmes basic, e o módulo de aventura B1 são ambos bons recursos neste sentido. Além disso, é incrivelmente importante que os GMs forneçam tesouros suficientes para que os jogadores subam de nível para níveis de experiência mais robustos o mais rápido possível.

  3. Fornecer tesouros suficientes. A menos que alguém adote o sistema de AD&D de conceder XP por itens mágicos, e totais de recompensa mais altos por derrotar monstros, os GMs precisarão encontrar maneiras de fornecer quantidades imensas de moedas e itens valiosos para os jogadores avançarem. Não deve ser incomum que os PCs estejam no 3º nível após 4-6 sessões de jogo (dependendo do tipo de personagem e da diligência em farejar tesouros), com um pouco de sorte e sobrevivência. Infelizmente, é difícil sustentar tal progresso mesmo nos níveis médios, como observei pela primeira vez em 2010 [7]… É simplesmente uma falha de design. No entanto, uma ideia que tive naquela época foi reduzir todos os requisitos de XP (ou seja, a quantidade de XP necessária para avançar de nível) por um fator de cinco ou dez, enquanto retinha os valores normais de tesouro e valores de XP dos monstros. Então, por exemplo, a progressão de um guerreiro poderia se parecer com isso:

    • 1º nível: 0 XP

    • 2º nível: 400 XP

    • 3º nível: 800 XP

    • 4º nível: 1.600 XP

    • 5º nível: 3.200 XP

    • 6º nível: 6.400 XP

    • 7º nível: 12.800 XP

    • 8º nível: 24.000 XP

    • 9º nível: 48.000 XP

    • 10º nível: 72.000 XP

Com uma tabela de avanço como essa, uma pilhagem de dragão de 50K dividida entre oito sobreviventes é uma boa quantia: suficiente para elevar um guerreiro de 6º nível ao 7º ou fazer uma boa redução nas necessidades de XP de um personagem de nível mais alto.

  1. Fornecer opções para PCs de níveis mais altos. Reduzir o XP necessário para avançar alivia parte da pressão para fornecer pilhas transbordantes de ouro e pedras preciosas, mas os jogadores ainda devem ter necessidades monetárias para esvaziar seus cofres e perpetuar o ciclo de busca por tesouros. Aqui, uma construção sólida do mundo ajudará, fornecendo todos os tipos de custos e despesas, bem como ostentações deliciosas para compra. GMs podem, é claro, adotar custos de manutenção, testes de itens e taxas de treinamento do DMG da 1ª edição… Mas, então, por que não jogar apenas AD&D?

Mais do que isso, o jogo precisa ser escalonado de forma que permaneça interessante à medida que avança... Os jogadores não devem adotar a mesma abordagem para lutar contra monstros no 8º ou 13º nível como faziam no 1º e 2º. Aqui, um GM pode muito bem querer dar uma olhada nos livros posteriores do BECMI (Companion e Master) para regras e procedimentos que podem ser adaptados até mesmo para o 9º nível (no entanto, eu NÃO adotaria as regras de especialização em armas para personagens de baixo nível, pois isso pode desestabilizar o equilíbrio do jogo da mesma forma que as regras de especialização em armas do Unearthed Arcana). Da mesma forma, os GMs podem querer dar uma olhada no meu próprio B/X Companion [8], que fornece uma grande quantidade de material especificamente voltado para o jogo de nível alto (15º+) no B/X. Ambos os livros "Companion" fornecem uma série de novos procedimentos (incluindo regras de combate desarmado e em massa), além de uma tonelada de "conteúdo" novo (feitiços, monstros, itens mágicos). Para esse caso, GMs que procuram conteúdo podem querer dar uma olhada no meu último livro, Comes Chaos [9] para uma série de entidades demoníacas e itens mágicos corrompidos, ótimos para animar uma campanha de médio a alto nível no B/X.

O principal, no entanto, é entender que haverá muito trabalho envolvido na adaptação de um sistema de regras Básico às necessidades de uma campanha de longo prazo. Embora o AD&D exija um pouco mais de trabalho inicialmente (aprender a usar seu sistema) em comparação com os jogos básicos, uma vez aprendido, ele oferece profundidade de jogo desde o 1º até os níveis mais altos, precisando apenas de construção de mundo e escrita de aventuras por parte do GM para manter um jogo sólido e satisfatório. O sistema básico é incrivelmente fácil de aprender e administrar, mas para torná-lo uma forma duradoura de jogo (ou seja, o tipo de jogo que vale a pena gastar tempo de nossas agendas ocupadas) requer muito mais esforço, não apenas em ajustes e experimentos com modificações nas regras, mas também em criar aventuras e desenvolver conteúdo. Claro, há fontes para encontrar esse conteúdo: bestiários, tomos de itens mágicos ou vários retroclones (e seus suplementos) com particularidades específicas de cenário… Mas buscar esse conteúdo e fazer sua curadoria requer trabalho. Em contrapartida, ainda não usei todos os monstros apresentados no Monster Manual original da 1ª Edição, muito menos no Fiend Folio e no MM2, e há feitiços e itens mágicos do PHB e do DMG originais que ainda não apareceram na minha mesa… Depois de décadas de jogo.

Só estou dizendo.

Esse trabalho, esse esforço necessário para tornar um sistema de jogo básico em uma forma sustentável de jogo pode ser divertido no começo... Basta olhar para o meu blog como prova disso! Todo o trabalho que fiz com o B/X nos primeiros 10-12 anos de sua vida... Mas com o tempo pode levar à frustração e (no meu caso) ao desinteresse. O GM maduro, focado em aventuras, quer gastar seu tempo na construção de mundos e cenários, não na modificação de sistema e superproteção constante dos jogadores, mas a superficialidade do jogo básico exige AMBAS as coisas para durar e funcionar (sendo "superproteção constante" um eufemismo para personalizar o jogo de forma que não mate os PCs nem aborreça os jogadores, levando-os ao desengajamento). SIM, isso PODE ser feito... Mas você quer fazer isso? Esse é um preço que você está disposto a pagar só porque não quer gastar algum tempo estudando os livros de regras do AD&D?

Há uma razão para eu não jogar B/X atualmente… E não é porque eu não ache que ainda seja um ótimo sistema simples, que pode ser ensinado facilmente e é altamente personalizável de diversas maneiras. O B/X É um “jogo de aventura de fantasia”; ele só não é preferencial quando se trata de um jogo auto sustentável de longo prazo. E, neste ponto da minha vida, este é praticamente o único tipo de jogo que me interessa.

∞ BlackRazor ∞

1. http://bxblackrazor.blogspot.com/2024/07/basic-adventure-gaming.html
2. https://open.spotify.com/show/2Ev0xXBAiWtPstofav3Bmg
3. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/explicando-o-que-os-jogos-de-aventura.html
4. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/o-que-e-classic-adventure-gaming-cag.html
5. https://bxblackrazor.blogspot.com/2023/12/why-ad-for-fantasy-adventure-gaming.html
6. https://www.drivethrurpg.com/en/product/133784/the-complete-b-x-adventurer
7. https://bxblackrazor.blogspot.com/2010/11/bx-d-flaw-of-design_12.html
8. https://www.drivethrurpg.com/en/product/103412/b-x-companion
9. https://www.drivethrurpg.com/en/product/373220/comes-chaos

sábado, 24 de agosto de 2024

Explicando o que os Jogos de Aventura significam para mim

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em dezembro de 2023)

Sobre Jogo de Aventura Fantástica (Fantasy Adventure Gaming)

[EDIÇÃO: Por favor, confira o artigo do EOTB sobre o CAG (Classic Adventure Gaming) aqui [2]. Concordo com tudo que foi dito e ele aborda muitas questões que eu não abordo, e o faz de forma bastante concisa.]


No ano passado (2022), tive o prazer de ser incluído no Podcast CAG [3] como membro do painel regular (pelo menos nos primeiros 3 episódios). Também tive a honra de ser o DM (Dungeon Master) de três das cinco pessoas nesses episódios do programa e ter Carcass of Hope (módulo autoral) revisado com honestidade brutal, pelos outros dois.

O Discord do CAG atraiu uma grande quantidade de seguidores, e tem sido interessante observar as discussões que surgem por lá. No entanto, embora algumas diferenças entre CAG e OSR sejam mais obscuras devido à sobreposição no diagrama de Venn, essas diferenças não são tão claras pelos princípios do CAG.

A maneira preferida de jogar para jogadores de longa data.

Isso não pressupõe que você precise aprender o jogo. Versões básicas são boas para isso, mas mesmo jogos básicos precisam se adaptar e se flexibilizar quanto mais você joga. CAG é a maneira de jogar quando você teve anos para absorver todas as regras e suas várias opções. Os anos investidos fornecem uma maneira de codificar regras existentes, modificá-las para servir ao jogo prático em vez do teórico (ou compulsão para mexer), ou no caso de OD&D, defini-las especificamente para uma campanha que funcione bem.

A campanha longa é a melhor maneira de jogar.

Estabelecer essa regra significa que é necessário considerar muitas variáveis, o que não é possível fazer em apenas uma sessão de jogo ou uma pequena série de aventuras. Investimentos e recompensas são comuns para os jogadores, assim como punições que só tem seu efeito ativado posteriormente, decisões iniciais tendo consequências mais tarde e grandes repercussões no mundo da campanha. Alcançar níveis mais altos como jogador deve ser mais do que apenas aumentar números e tornar magias mais poderosas. Deve ser sobre o jogo evoluir perpetuamente em termos de desafio, enquanto o próprio mundo precisa ser flexível e mudar quando pressionado ou puxado.

E para um CAG conseguir isso, isso nos leva a…

Todos os níveis de jogo, não apenas alguns.

B/X perde força após o nível 6 devido a muitos fatores, sem excluir o acúmulo de anéis mágicos e capas com armaduras mágicas, monstros perdendo eficácia enquanto as opções táticas dos jogadores são reduzidas (sem rotinas de ataque, cadência de tiro com armas de mísseis, sistema de iniciativa binário mesmo com tempos de conjuração, etc.).

Não apenas a masmorra.

Com uma campanha completa vêm diversos modos de jogo de aventura. Sem contar o modo de domínios (governo), há muito espaço para exploração de selvas, oceanos, cidades e até um tanto de jogabilidade aérea. Com isso vem a necessidade de regras de suporte para navegar e superar esses desafios. Conflitos em larga escala devem poder ser resolvidos com relativa facilidade, porque surgirão de tempos em tempos, mesmo que não seja o foco do jogo. Enquanto a masmorra é um modo primário de jogo, a campanha maior é mantida coesa pelo mundo onde essas masmorras existem.

Execute campanhas longas, use conhecimento de longo prazo.

Jogue 30 sessões de B/X e você estará mecanicamente no mesmo lugar onde começou. Jogue 30 sessões de AD&D e você terá evoluído como jogador, entenderá as relações entre certas regras, por que elas existem, e coisas de nicho que surgem no jogo. As próximas 30 sessões serão executadas com um grau muito maior de confiança mecânica e eficiência operacional, de modo que você começará a ver o jogo e as rotas para jogar se abrindo diante de você.

Ecossistema de regras ou caldo primordial

Muito do ecossistema que existe para equilibrar o jogo é deixado de fora do B/X porque ele foi feito para ser uma versão simplificada e distorcida do jogo para ser colocada nas prateleiras da Toys R Us como uma porta de entrada. Ele foi escrito para dar suporte ao jogo nos níveis iniciais, não para suportar os rigores severos dos testes práticos a que o jogo é submetido com o passar do tempo.

AD&D tem um ecossistema para muito do que inclui em suas regras, desde como os encantamentos dos monstros funcionam até por que os Rangers afetam as chances de surpresa no encontro. Mudar uma regra significa que você tem que estar ciente de quaisquer potenciais efeitos cascata, porque a rede que é costurada fornece uma certa experiência de jogo que é guiada pelas regras que estão em vigor. A escolha de uma magia para conjurar, afetada pelos bônus de destreza da arma à distância, ataques múltiplos do Guerreiro ou magias de Usuários de Magia oponentes, apresenta um jogo dentro do jogo, por exemplo. Você apenas abre sua iniciativa com a maior magia que você tem e espera que ela dispare primeiro? Você vai para o míssil mágico rápido para interromper a oposição? A oposição tem um broche de proteção ou magia para evitar essa interrupção?

Ou em OD&D, você é encorajado a preencher as lacunas por conta própria. Você pode usar seus anos de experiência e misturar sua própria marca de argamassa para que os tijolos sejam mantidos unidos. E a matemática funciona mais para colocar a menor quantidade possível em risco. Aqui há menos um ecossistema dependente, mas, em contrapartida, muito espaço para inclusão modular (especialmente de AD&D, já que a matemática é tão próxima).

Notas finais sobre o OSR:

Onde os Primers Old School se desviam do CAG, embora já tenham sido muito mais próximos:

Rulings, not Rules (“Decisões”,“arbitragens”, não Regras).

Isso foi muito exagerado ao longo dos anos desde que foi escrito. Matt (Finch) escreveu isso em um momento em que essa distinção era extremamente importante entre jogos old-school e D&D 3.x, onde tudo precisava de uma regra rígida. Durante aquele tempo, fazer um julgamento de x em 6 para uma situação não documentada era claramente um conceito novo para aqueles que começaram durante a era WotC do D&D. Hoje em dia, mesmo com 5e, isso foi levado ao extremo, a ponto de as regras leves serem o ponto de venda.

AD&D, até mesmo OSRIC – o primeiro retroclone, parou de ser jogado, de receber produtos e de ser discutido por anos porque o B/X era muito mais fácil de entender. A mania pela facilidade de uso foi além de apenas introduzir jogadores a ser uma curva plana e mortal, para manter as águas de baixa complexidade relativamente calmas. Isso pode ser visto na maioria das aventuras OSR sendo escritas para níveis 1-3, das de DCC (toda a linha de produtos) e nos comentários de mudcore em que aparecem DMs que se gabam de matar personagens, comparando rolagens de dano de D6 com pontos de vida de D6. Isso se desviou drasticamente de campanhas de longo prazo com progressão, para sistemas de regras ainda mais leves que dominaram o mercado.

Em cerca de 15 anos, fomos de discutir os perigos de usar uma magia de Haste em vez de uma magia Slow ou a vantagem de uma espada bastarda sobre uma espada de duas mãos, para o alcance de qualquer coisa ser “perto, próximo ou distante”.

É possível usar B/X para alcançar o Fantasy Adventure Gaming?

Acho que sim. Não sou seu pai. Mas já joguei em jogos B/X o suficiente para saber que não é a mesma coisa.

∞ Zherbus ∞

1. https://zherbuswrites.blogspot.com/2023/12/explaining-what-adventure-gaming-means.html
2. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/o-que-e-classic-adventure-gaming-cag.html
3. https://podcasters.spotify.com/pod/show/tcagp/episodes/Fundamentals-of-Fantasy-Adventure-Gaming-e1sqsec

O que é Classic Adventure Gaming (CAG, Jogo de Aventura Clássico)?

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em julho de 2024)


Classic Adventure Gaming (Jogo Clássico de Aventura) [2] não é um jogo de interpretação de papéis [3]. Não é OSR (Old School Renaissance/Revolution), mesmo que utilize livros de regras que o OSR também reivindica. É o estilo de jogo presumido e apresentado no PHB (Player Hand Book, ou Livro do Jogador) e DMG (Dungeon Master Guide, ou Guia do Mestre de Masmorra) da 1ª edição (D&D 1e), que era comum antes que um estilo de interpretação de papéis se tornasse a norma. Ele rejeita o termo "jogo de interpretação de papéis" ou "RPG" porque hoje esses nomes transmitem expectativas implícitas que contrariam as práticas de um jogo de aventura bem-sucedido.

Começamos com o que o Adventure Gaming não é, para já tirar da cabeça pressuposições inúteis, antes de explicar o que ele de fato é. (Para uma segunda excelente opinião sobre o assunto feita pelo meu colega Zherbus, veja seus pontos em seu blog [4]; para os pontos de JB sobre jogos de aventura com os vários conjuntos de regras 'B', veja sua postagem [5] sobre esse tópico.)

Classic Adventure Gaming prioriza o seguinte:

• Os jogadores e o GM (Game Master ou Mestre do Jogo) estão fundamentalmente interagindo uns com os outros, como pessoas ao redor de uma mesa (virtual ou não), não como controladores de PCs (Player Characters ou Personagem do Jogador) e NPCs. (Non Player Characters ou Personagem do Mestre). Nenhum jogador é obrigado ou esperado a substituir sua própria personalidade na mesa em prol de uma fictícia.

• Espera-se que os jogadores melhorem no jogo e demonstrem um domínio crescente de suas habilidades para com as regras. Se alguém está jogando com seu décimo personagem de 1º nível de maneira semelhante a como jogou com seu primeiro personagem de 1º nível, algo está errado.

• Não há expectativa de que os jogadores ajam na mesa como se um jogo não estivesse ocorrendo; espera-se que os jogadores usem o que o hobby moderno erroneamente despreza como “metagame” - e que seu uso não seja desencorajado. Um jogador que sabe que o fogo impede os trolls de se regenerarem, mas se recusa a usá-lo porque “meu personagem não sabe disso”, está interpretando um papel em vez de jogar uma aventura.

• Por outro lado, os GMs não devem usar metagame – porque um GM tem conhecimento perfeito de seu mundo fictício, eles devem se limitar ao conhecimento, objetivos, habilidades, recursos e peculiaridades do NPC ou monstro que estão controlando no momento, para que um jogo funcional ocorra. Isso é quase o oposto exato de como a maioria dos jogos de interpretação de papéis vê a dinâmica entre jogador e GM além de um exemplo de como a interpretação de personagens mudou o estilo de jogo radicalmente em relação a como os jogos eram jogados inicialmente.

• O Adventure Gaming é baseado em campanhas; a ideia de jogos one-shot (sessão curta de uma vez só) é estranha a esse estilo de jogar. Um mundo de jogo existe e persiste independentemente de qualquer grupo de personagens. Quando combinado com a expectativa de que os jogadores cresçam no domínio de um conjunto de regras, um único conjunto dessas regras é usado por longos períodos de tempo (se não indefinidamente), para que os jogadores ganhem tempo suficiente para entendê-lo completamente, em vez de superficialmente.

• Pelo fato do GM estar confortável com jogadores altamente experientes, a modificação de regras feita apenas por modificar, ou talvez apenas para reintroduzir artificialmente uma atmosfera de incerteza ao jogador, devido à sua ignorância, é desencorajada. Os GMs escolhem conjuntos de regras com os quais já concordam com os princípios básicos e pressupostos do autor, para que todos possam continuar jogando. O jogo de nível alto é abraçado e esse deve ser o objetivo de toda campanha.

• Ninguém está tentando contar uma história. Um GM cria lugares e situações; se um futuro é determinado, é o futuro do que acontecerá naquele local ou com aqueles NPCs se os jogadores decidirem não interagir com eles. Nenhuma tentativa é feita para predeterminar o curso do que acontecerá se os jogadores decidirem interagir com aquele conteúdo. Se o GM determinou os objetivos, recursos, habilidades, geografia local e “personalidade” de qualquer NPC em um determinado lugar, eles já têm todas as ferramentas necessárias para reagir de forma crível e distinta a quaisquer ações ou planos que os jogadores possam elaborar no momento do contato.

• Se os planos e sorte dos jogadores resultarem em determinado desfecho em comparação com as preparações e habilidades da oposição, eles podem “vencer” situações de maneira convincente e sem a necessidade de tensão ou perigo artificiais impostos pelo GM. Por outro lado, o jogo é generoso com a mágica que dá segundas oportunidades, então o GM não precisa impedir que planos ruins e jogadas fracas causem tempestades (tenham consequências desastrosas).

• A agência do jogador é primordial. O ônus de qual curso de ação será tomado está nos jogadores, não no GM. O Adventure Gaming não combina bem com uma mesa composta inteiramente por jogadores passivos, independentemente de quão empolgado um GM possa estar em tentar. Muita frustração ocorre quando um GM tenta executar um jogo de aventura com jogadores que desejam que o GM dite o que eles estarão fazendo naquela noite, com os jogadores tomando mínimas decisões durante a partida e querendo ter sucesso no objetivo que o GM apresentou. O Adventure Gaming é feito especificamente para grupos que têm no mínimo um jogador que gosta de tomar decisões. Nem todos precisam ser tomadores de decisões se o resto do grupo estiver confortável em permitir que uma minoria desempenhe o papel que um GM  tipicamente desempenha em campanhas típicas de RPG, decidindo qual será o curso de ação do grupo para uma sessão de jogo.

• Um GM aceita que a construção do mundo e a criação de locais/cenários é um hobby paralelo, mas separado do próprio jogo. Os GMs desfrutam da construção do mundo por si só. Não há sensação de que o tempo gasto elaborando locais e NPCs é “desperdiçado” se os jogadores não interagirem com eles. Em vez disso, o GM determina as consequências dos jogadores não interagirem com aquele conteúdo, o mundo do jogo vai mudando e isso mostra aos jogadores que ele se move mesmo quando eles não intervêm pessoalmente.

• À medida que os jogadores desenvolvem seu domínio do conjunto de regras, o ritmo do jogo se torna muito mais rápido do que a maioria dos grupos de jogos de interpretação de papéis experimenta em mesa. O ideal que todos os participantes estão almejando é um ritmo que se aproxima de um jogo de pingue-pongue, onde o GM está entregando informações aos jogadores que agem ou reagem rapidamente a elas, sem negociações sobre as informações recebidas.

• Ao contrário de muitos RPGs, personagens de 1º nível não têm um feitiço de parar o tempo de 9º nível que podem usar a qualquer momento que preferirem para ter mais informações na tomada de decisão. Todos aceitam que algumas decisões terão resultados menos do que ideais porque o jogo continua avançando sem tempo para refleti-las se as circunstâncias não estão inteiramente sob o controle dos PCs. Mas isso resulta em mais exploração, mais encontros e avanços mais rápidos no agregado do jogo.

• O Adventure Gaming não é uma atividade com poucos tesouros, onde “magia é rara e maravilhosa”. Jogos “mudcore", como personificados por jogos de “realismo” de poucos recursos, como HARN, são incompatíveis tematicamente com os jogos CAG. A agência do jogador requer recursos amplos, e o GM não se intimida com jogadores que crescem rapidamente em riqueza, poder e independência à medida que o jogo inicial é deixado para trás. Os jogos iniciais são leves em poderes de classe de personagem embutidos porque se espera que o PC tenha vários itens mágicos que dão uma gama de “poderes de personagem” que mudam com o tempo à medida que os itens são usados (ou destruídos) e substituídos por novos e diferentes itens.

Esses princípios são todos encontrados no PHB e DMG da 1ª edição (e recomendo fortemente as formas avançadas do jogo para uso com ele), embora tenham saído de moda à medida que um número maior de entusiastas mais confortáveis com a interpretação de papéis do que com jogos rigorosos, entrou no hobby. O Adventure Gaming extrai esse estilo inicial e o separa do estilo mais comum praticado hoje, que abertamente desencoraja muitos elementos que o tornam eficientes. Não é para toda mesa ou grupo, mas para aqueles que se encaixam nesse estilo, é insubstituível. Se você e seu grupo veem uma atividade nas páginas do livro que o jogo nunca parece capturar completamente (e você deseja que capture), tente rodar uma campanha baseada nesses princípios e veja se o jogo se torna mais agradável e envolvente.

∞ EOTB ∞

1. https://csio.blogspot.com/2024/07/what-is-classic-adventure-gaming.html
2. https://podcasters.spotify.com/pod/show/tcagp/episodes/Fundamentals-of-Fantasy-Adventure-Gaming-e1sqsec
3. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/sem-interpretacao-de-papeis.html
4. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/explicando-o-que-os-jogos-de-aventura.html
5. https://dustdigger.blogspot.com/2024/08/jogo-de-aventura-basico.html