domingo, 15 de dezembro de 2024

C é para Escolhas ("Choices"), Contexto e Consequência {III}

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em junho de 2011)

"Cada ato, cada pensamento, cada palavra, carrega o peso das Consequências... A inexorabilidade das Consequências..."

Este é o terceiro (e último) post do blog que analisa especificamente a interação entre escolhas, contexto e consequências. Como discutido anteriormente, uma escolha é uma decisão, e o contexto é a informação que orienta essa escolha. Há um terceiro elemento importante, as consequências, que merece uma postagem própria, pois a ideia de consequência mudou mais significativamente nos jogos de RPG. Na verdade, eu diria que, ao mitigar as consequências, os jogos de RPG também limitaram as escolhas e o significado do contexto.

Mais sobre isso abaixo.

Novamente, Caro Leitor, vou dispensar os "na minha humilde opinião" e "na minha experiência", e assumir que você é inteligente o suficiente para entender que estou falando das minhas próprias opiniões e experiências.

Consequência é o que acontece como resultado de uma escolha. Por exemplo, se Frodo e companhia permanecem na estrada, podem ser alcançados por um Cavaleiro Negro, mas se cortarem caminho pela Floresta Cerrada, podem se perder ou enfrentar algo pior. Destruir uma obra de arte valiosa por ela ter natureza necromântica significa que você não terá o ouro que poderia obter vendendo-a. Não encontrar o tesouro significa que você não o terá. Dar a Pedra Arken de Thrain para Bard significa que Thorin ficará furioso com você. Saltar na lava significa morte, e perder em um combate intenso provavelmente significa o mesmo.

Sem consequências que fluam naturalmente das escolhas feitas, essas escolhas se tornam sem sentido. Se Frodo e companhia tiverem as mesmas chances de encontrar os Cavaleiros Negros, não importa o que façam, e se podem se perder tanto na estrada quanto no campo aberto, qual é o valor da decisão? Se você pode destruir os objetos de arte necromântica ou falhar em localizar o tesouro no covil de um monstro, e o ouro acaba chegando até você de qualquer maneira, qual é o valor dessas decisões? Em uma palavra, nenhum.

Da mesma forma, se perder em combate ou cair na lava nunca resultar em morte (ou morte sem a permissão do jogador), então perder em combate ou cair na lava significará menos do que significaria de outra forma. Há uma rede de segurança embutida no sistema. Parafraseando um grande homem, você poderia estar jogando Candyland com sua irmãzinha.

No caso de Dungeons & Dragons, essa mitigação contra as consequências apareceu pela primeira vez (de forma evidente) nos módulos DragonLance [2], onde o Mestre de Jogo (MJ) é instruído a manter um certo NPC ambiguamente vivo, não importa o que aconteça. De forma mais branda, a mitigação contra as consequências pode ser vista já em White Plume Mountain [3], onde há um encontro que “se ajusta” à condição dos personagens no final do módulo (ou é omitido completamente!).

Deve ser fácil perceber como mitigar as consequências reduz o impacto da escolha com um único exemplo. Em White Plume Mountain, ajustar ou remover o encontro final com base na força dos personagens parece punir os jogadores que se saíram bem no módulo, enquanto recompensa aqueles que se saíram mal. Se todos os grupos enfrentarem o mesmo encontro final, fica claro que as escolhas de “bom jogo” que levaram a um grupo que ainda conserva mais recursos no final do módulo são recompensadas com um encontro final mais fácil, enquanto um grupo severamente debilitado pode enfrentar um TPK (Total Party Killed — todo o grupo morto).

Da mesma forma, se perder em combate sempre significa que você é capturado ou deixado para morrer e recebe outra chance de vencer, perder em combate perde muito do seu peso. O resultado é que as escolhas feitas antes e durante esse combate importam menos.

Alguns Mestres se esforçam para incluir outras consequências a fim de manter as escolhas significativas. "Se você perder, sua irmãzinha será escravizada!" Ainda assim, ter sua irmãzinha escravizada simplesmente não é tão significativo quanto tê-la escravizada e também estar morto. Obviamente, se for muito fácil restaurar um companheiro morto à vida, e se houver poucas consequências por fazer isso, até mesmo a morte pode perder seu peso.

Portanto, é importante que o Mestre não mitigue as consequências. Quaisquer que sejam as consequências naturais de uma escolha, essas são as que devem ocorrer. Às vezes, isso significa que um inimigo capturará os personagens caídos para mantê-los como reféns, e às vezes significa que os personagens serão o prato principal de um banquete orc.

Ainda assim, nem toda consequência deve ser horrenda de suportar!

Na última postagem, mencionei que a "paralisia de decisão" às vezes é culpa das consequências. Isso ocorre quando todas as escolhas parecem ruins, e os jogadores não têm expectativa de alcançar um bom resultado.

Mestres de Jogo naturalmente querem que seus jogadores vençam e tenham sucesso, apesar das probabilidades. Por causa dessa tendência natural, e pela importância das consequências para dar significado às escolhas, muitos dos conselhos de Mestres "Old School" são baseados em combater essa inclinação e deixar os dados caírem onde devem. Há um certo incentivo para ser um Mestre de Jogo "Rato Desgraçado" (BRGM, na sigla em inglês: "Bastard Rat Game Master").

E isso é muito válido, desde que as consequências sejam naturais às escolhas feitas... Mas às vezes (talvez com mais frequência do que deveria, dependendo de quem você perguntar), todas as escolhas levam a fins ruins. Ou, pior ainda, todas as escolhas, exceto uma, levam a consequências artificialmente ruins, projetadas para direcionar os personagens para um único conjunto de escolhas desejadas pelo Mestre. E é fácil entender de onde isso vem — se o Mestre é instruído a manter certos NPCs vivos para alimentar a história dentro de produtos de aventura oficiais, por que ele não concluiria que a continuidade de sua história planejada é mais importante do que garantir que as escolhas dos jogadores sejam significativas? Alguns Mestres chamam isso de "ilusão de escolha" — eu acredito que seja a ilusão de uma ilusão. A maioria dos jogadores percebe isso rapidamente, e alguns começam a fazer coisas cada vez mais absurdas para testar os limites de sua "gaiola".

Quão protegida contra consequências está a trama do jogo? Jogadores curiosos querem saber!

Para evitar a "paralisia de decisão", cabe ao Mestre de Jogo garantir que existam muitas chances de boas consequências, assim como de más. Boas consequências não precisam significar tesouros. Elas podem incluir pessoas que tentam ajudar os personagens de forma limitada (já usei camponeses oferecendo hospedagem gratuita com bons resultados), alianças, romances potenciais, até mesmo cenários inspiradores. Conhecimento é sempre bem-vindo, e a maioria dos jogadores aprecia aprender coisas durante o jogo em vez de receber blocos de texto do Mestre.

Sempre que possível, as consequências devem levar naturalmente a novas escolhas e/ou fornecer contexto adicional às escolhas que os PJs (Personagens dos Jogadores) já enfrentam. Assim, os jogadores nunca ficam sem coisas para fazer ou pistas para seguir. O mundo do jogo se torna um lugar dinâmico, onde descrições são analisadas pelo contexto que fornecem, o contexto é usado para tomar decisões, e as consequências dessas escolhas são enfrentadas, levando naturalmente a novas decisões.

E, se você dominar essa interação, não importa o que mais falhe, sempre será capaz de atrair e manter jogadores. "Contexto → Escolha → Consequência" é provavelmente o aspecto mais importante que um Mestre de Jogo pode trazer para a mesa.

NOTAS

A proliferação de mitigações contra as consequências provavelmente se deve, pelo menos em parte, ao tempo prolongado necessário para criar personagens em certos sistemas de jogo. Em muitos jogos antigos, a morte de um personagem significava que o jogador ficava fora de ação por apenas 5-15 minutos no mundo real. Esse não é o caso em todos os jogos.

Da mesma forma, se levar 45 minutos ou mais para resolver até mesmo um combate simples dentro de um sistema de jogo, ter outro personagem preparado de antemão nem sempre mitiga contra os longos tempos de espera no mundo real até que o novo personagem possa ser introduzido.

Conheci muitos Mestres ao longo dos anos, e "conversei" com ainda mais online, que acreditam que podem mitigar consequências manipulando os dados de forma que seus jogadores não percebam. Isso pode ser verdade em alguns casos, mas honestamente nunca presenciei tal situação. Apostar que seus jogadores não perceberão suas "habilidosas" manipulações é um caminho direto para se perguntar por que não tem jogadores, dependendo de quão esperto você acha que é e quão perceptivos são os seus jogadores.

Se você está jogando um sistema desse tipo, é melhor usar mecânicas (como Pontos de Ação ou Pontos de Destino) que permitam ao jogador decidir quando mitigar as consequências. Dessa forma, como os jogadores ainda escolhem quando usar esses recursos, a importância da escolha é mantida. É importante que esses recursos sejam limitados, ou não haverá uma verdadeira "escolha" em usá-los!

Isso é especialmente verdadeiro em jogos que imitam narrativas onde personagens importantes raramente morrem (Star Trek, Doctor Who ou histórias em quadrinhos, por exemplo). Na verdade, pode ser ainda mais verdadeiro, porque parte da premissa dessas franquias/gêneros é que os heróis acreditam que estão em risco!

Também é possível configurar uma situação no jogo onde a morte (ou outra consequência) simplesmente não pode ocorrer naturalmente. A condição de "Capitão Jack Harkness" em Torchwood [4] é um exemplo — o personagem simplesmente não pode morrer.

Como nota final, recentemente me deparei com o argumento de que impor consequências indesejadas é uma forma de "railroading" (condução forçada da narrativa pelo Mestre).

Bem, pode ser, se as consequências indesejadas não surgirem naturalmente das escolhas feitas e do contexto do mundo de jogo em que ocorrem. Uma vez, participei de uma campanha baseada no módulo A1 da TSR [5], onde, sempre que eu tomava uma decisão que o Mestre não gostava, meus personagens começavam a envelhecer rapidamente até fazerem o que o Mestre decidia que deveriam fazer. Nem é preciso dizer que concordo que isso é railroading, e de um tipo tão grave que me levantei da mesa e saí.

Por outro lado, morrer porque você enfrentou 10.000 maníacos em combate como um ladrão de 1º nível no Advanced Dungeons & Dragons de 1ª edição? Pode ter havido condução forçada para levá-lo à situação em que tomou essa decisão, mas a consequência dessa escolha não é railroading!

Da mesma forma, “As pessoas não gostam do meu personagem porque ele é um sociopata assassino” e “Eu não tenho o tesouro porque o destruí” não são exemplos de condução forçada [railroading]. Tampouco são exemplos de o Mestre tomar decisões morais ou éticas pelos personagens.

CONCLUSÃO

Em conclusão, jogos de RPG tratam de fazer escolhas significativas. Se você permitir que seus jogadores façam isso, mesmo que tenha dificuldades em dominar outras partes do jogo, pode ser um bom Mestre de Jogo.

O contexto permite decisões significativas, porque é a informação relevante que os jogadores têm para fazer escolhas. Nunca tenha medo de dar contexto demais aos jogadores! Se eles parecerem travados, você sempre pode dar mais contexto!

A escolha é o que os jogadores fazem. Eles tomam decisões para seus personagens. Como Mestre, seu trabalho inclui fornecer contexto para essas escolhas e garantir que consequências naturais sigam essas escolhas. Seu trabalho, enfaticamente, não é tomar decisões pelos personagens dos jogadores. É aceitável perguntar: “Você tem certeza de que quer fazer isso?”, mas você não deve dizer: “Seu personagem não faria isso”. Domine a arte de manter o nariz fora das escolhas dos personagens!

Mesmo quando NPCs interferem nas decisões dos jogadores, certifique-se de que isso decorre do conhecimento e das motivações do NPC. Deve haver uma divisão clara entre sugestões do NPC e o Mestre sugerindo através de um NPC. Vale a pena afirmar claramente, e mais de uma vez, que nenhuma sugestão de NPC deve ser interpretada como “vinda” do Mestre!

Descrita da maneira mais simples, consequência é o resultado. As consequências devem surgir naturalmente das escolhas feitas e do contexto dessas escolhas (o cenário ou mundo de jogo). Sempre que possível, as consequências também devem revelar mais contexto e/ou abrir mais escolhas. Alguns sistemas de jogo ou estilos de jogo incentivam mitigar as consequências mais do que outros, mas você deve resistir à tentação de fazê-lo. Quando o Mestre mitiga as consequências, reduz o impacto das escolhas dos jogadores. Uma “ilusão de escolha” raramente é sustentável… Se é que é sustentável.

Segui esses princípios por muitos anos e nunca tive falta de jogadores. Embora nenhum sistema possa garantir o mesmo sucesso, dominar o “Contexto → Escolha → Consequência” deve melhorar a performance de qualquer Mestre de Jogo. Como disse na Parte I, na minha experiência, qualquer pessoa que compreenda essa interação será pelo menos um Mestre de Jogo adequado… E alguém que não a compreenda, independentemente de suas outras qualidades, nunca será realmente satisfatório.

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