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sábado, 13 de setembro de 2025

Do Jeito que Gary Pretendia…

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em agosto de 2022)

Gary Gygax tinha suas razões para empregar em sua proposta de jogo certas abordagens específicas... Travis Miller fala um pouco sobre adotar ou não completamente os métodos gygaxianos, com foco na questão da "uniformidade de jogo"...

Vamos começar o post desta semana com a resposta de Gary Gygax a algumas críticas que ele recebeu na primeira edição do zine mais influente da história do hobby de RPG de mesa.
"Dave e eu discordamos em como lidar com várias coisas, e ambas as nossas campanhas diferem das “regras” encontradas em D&D. Se algum dia chegar o momento em que todos os aspectos da fantasia estejam cobertos e a grande maioria dos jogadores concorde sobre como o jogo deve ser jogado, D&D terá se tornado realmente monótono e entediante. Desculpe, mas não acredito que haja algo desejável em ter várias campanhas jogadas de maneira semelhante umas às outras."
— Gary Gygax, Alarums & Excursions #2
Gary decidiu levar Advanced Dungeons & Dragons em uma direção diferente.
"Ditames são dados apenas em prol do jogo, pois, se Advanced Dungeons & Dragons quiser sobreviver e crescer, deve ter algum grau de uniformidade, uma familiaridade de método e procedimento de campanha para campanha dentro do todo."
— Introdução do Dungeon Master’s Guide de Advanced Dungeons & Dragons
Há um trecho da revista Dragon circulando em blogs e redes sociais esta semana [2].

Havia várias razões pelas quais Gary pretendia que o AD&D incentivasse a uniformidade de jogo.

Essas razões eram, em sua maioria, financeiras. Gary não queria mais pagar royalties a Dave Arneson. Regras uniformes eram necessárias para os lucrativos torneios na GenCon. “Regras oficiais” significam “produtos oficiais” que você precisa possuir para estar jogando o “verdadeiro” AD&D e não uma imitação barata.

AD&D é um sistema completo, com pouca necessidade de alteração, se você quiser jogá-lo como Gary pretendia.

Gary pretendia que você jogasse o jogo como ele o escreveu para vender os produtos da TSR, tornar os torneios da TSR na GenCon mais atraentes e trazer mais receita para o caixa da TSR.

Ele estava cutucando o ego do cliente e seu medo de ficar de fora.

Se você não jogasse o jogo do jeito que Gary dizia, então você não estava realmente jogando Advanced Dungeons & Dragons. E se você não estava jogando AD&D, então sua campanha era inferior.

Que Mestre de Jogo (MJ) quer conduzir uma campanha inferior?

Muitos MJs reconheceram que a ideia de que sua campanha era inferior apenas porque Gary dizia isso era uma afirmação ridícula.

Gary acreditava em suas próprias besteiras.

“Você está jogando outra coisa” não era apenas um argumento cínico para aumentar a receita bruta da TSR.

Gary estava preocupado com o futuro de D&D como hobby. Ele pretendia que Dungeons & Dragons fosse um jogo de aventura heroica que tivesse a sensação da ficção de espada e feitiçaria que ele apreciava. Muitos MJs estavam levando suas campanhas em direções que Gary não pretendia.

O jogo original tinha muitas lacunas e incentivava os MJs a criarem o que quisessem. Gary presumiu que os MJs de D&D tinham as mesmas ideias sobre fantasia heroica que ele tinha e que preencheriam essas lacunas de maneiras alinhadas com suas crenças e valores. Os relatos de jogo e regras caseiras que circulavam nos primeiros zines e Associações de Imprensa Amadora [Amateur Press Associations] mostraram a ele que isso não era verdade. Ele não gostava da direção que aqueles esquisitões estavam levando o jogo dele. Ressentia-se de como estavam estragando D&D da forma como ele pretendia que fosse.

Gary não estava totalmente errado ao dizer que esse tipo de experimento podia dar errado. Tenho certeza de que ele queria que os jogadores se divertissem e queria ajudá-los a evitar armadilhas óbvias. A maneira como ele comunicava isso, no entanto, irritava muitos jogadores.

Estou convencido de que Gary acreditava sinceramente que a variação entre campanhas devia ser incentivada. Ele também acreditava que havia limites que não deveriam ser ultrapassados, para o bem do hobby, da marca e da conta bancária da TSR. Se você estava se divertindo com sua versão esquisita que não era AD&D, isso era irrelevante para ele.

Eu não quero jogar AD&D da forma como Gary pretendia.

Discordo do Gary de 1979 de que experimentos radicais devam ser evitados.

Discordo do Gary de 1979 de que um jogo que se afasta demais da forma pretendida do AD&D seja inferior.

Eu não sou Gary.

Tenho um conjunto diferente de experiências do que Gary teve.

Tenho uma visão de mundo diferente da de Gary.

Tenho prioridades diferentes das de Gary.

Não é 1979. É 2022.

E daí?

Se você altera o jogo e não consegue rodar um módulo publicado pela TSR sem grandes mudanças para encaixá-lo nas suas regras caseiras, então sim, você criou uma variante ou um jogo totalmente diferente. Justo.

Você certamente terá uma experiência diferente se você se desviar do ideal de Gary.

É possível que sua campanha imploda?

Sim.

Ótimo!

Você aprenderá lições que não podem ser ensinadas a menos que você quebre as coisas. Recomece e faça melhor. A maioria de nós explode uma ou duas campanhas antes de entender como funciona.

Talvez você descubra algo de que gosta mais e continue com isso, ou crie algo totalmente novo que outras pessoas também vão gostar. Foi assim que D&D foi criado! Experimentos! Fracassos! Mais experimentos!

Não vejo experimentos fracassados como algo ruim. A experimentação de Arneson com wargames foi o que criou o hobby dos jogos de interpretação em primeiro lugar.

O Dungeon Master’s Guide de Advanced Dungeons & Dragons é algo que, na minha opinião, todo Mestre de Jogo deveria ler de cabo a rabo pelo menos uma vez. Tenho duas cópias e um PDF dele. Sempre tiro algo novo quando o pego para ler.

No entanto, rejeito a noção absurda de que ninguém melhorou as ideias de Gary desde 1979.

Rejeito a noção absurda de que estruturas comuns de campanha e cenários de aventura que funcionavam em 1979 funcionarão da mesma maneira em 2022. Temos uma cultura diferente. Tecnologia diferente.

Também aprendemos algumas coisas sobre design de jogos desde 1979.

A heresia desta semana em uma casca de noz.

Vou fazer as coisas do meu jeito quando meus interesses, prioridades e valores divergirem dos interesses, prioridades e valores de Gary.

Quando mestro AD&D, mestro do meu jeito. Se isso o torna um Não-AD&D, e daí? Se estou me divertindo e as pessoas que jogam comigo também estão, então não me importo.

AD&D veio das experiências de tentativa e erro de Gary. Ele aprendeu da maneira difícil e através de correspondência com outros designers e MJs. São boas regras para o jogo que Gary achava ser a melhor forma de rodar o jogo que ele acreditava que devíamos jogar.

Eu não trabalho a partir do mesmo conjunto de experiências ou pressupostos que Gary tinha em 1979.

Às vezes minhas alterações funcionam. Às vezes não. Gosto da experiência de mexer e aprendo algo quando tento coisas que Gary não pretendia.

Gary criou algo incrível e compartilhou com o resto de nós. Isso não torna seu trabalho isento de falhas, de oportunidades de melhoria ou de variações criativas que ele não achava dignas do seu jogo.

Rejeito a advertência de que eu “deveria” simplesmente seguir Gary e ignorar minhas próprias experiências, conhecimentos e intuições.

Vou fazer o que funciona para mim e para o meu jogo.

∞ Travis Miller ∞

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