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terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Definindo Jogos, Mas de Uma Maneira Útil

(Tradução, com permissão do autor, do texto presente em [1], publicado em dezembro de 2024)

"Hoje em dia são tantos os diferentes jogos de RPG que talvez seja interessantes buscar defini-los para que se alcance a noção do real potencial em relação ao que podem oferecer..."



O que é um jogo? O que é um jogo de RPG? O que é um jogo de história? Apertem os cintos porque hoje eu vou abordar os peixes grandes: definições.

Quando falo sobre definições, o que procuro é uma definição útil. Quero algo que reflita a verdade do que realmente fazemos. Uma definição que ilumine a essência da coisa e me aponte na direção certa para seguir em frente. Não preciso de uma definição que descreva todos os detalhes ou aborde todos os casos extremos, porque tudo é um continuum. Mas se você conseguir chegar ao cerne da questão e encontrar esse ideal platônico, tudo que você observar fará mais sentido. É isso que eu quero. Não estou falando de formas de explicar essas ideias para pessoas que, por exemplo, nunca jogaram RPGs. Uma boa introdução para novatos é um problema completamente diferente.

Algumas dessas definições não são invenções minhas, mas acho que estão certeiras. Muitas vezes, quando as pessoas tentam retroprojetar definições de coisas existentes, esquecem que os nomes que damos às coisas podem ser descritivos, mas às vezes não são. Uma bola de futebol americano raramente é chutada com o pé, então isso significa que não é uma bola de futebol? (Milhões de leitores estrangeiros gritam “sim!”). Você não encontra uma definição útil dissecando o rótulo, mas sim observando o que a coisa realmente faz.

Então, vamos começar do topo e descer, camada por camada por camada…

O que é um jogo?

Sid Meier diz:
Um jogo é uma série de escolhas interessantes.
Para mim, essa é uma definição super útil, porque imediatamente nos ajuda a criar jogos melhores. Sem escolhas? Escolhas que não são interessantes? Talvez seja hora de parar e repensar o que você está fazendo. E sim, uma definição mais prática incluiria coisas como “um jogo tem regras”, então talvez isso seja mais a definição de um bom jogo, mas funciona para mim.
 
O que é um jogo de RPG?

Vincent Baker diz:
Um jogo de RPG é um jogo que exige que criemos ficção e concordemos sobre ela, ou o jogo se desmorona.
(A citação real é: “para jogar, precisamos criar coisas fictícias e concordar que, para os propósitos do jogo, elas são verdadeiras.”)

Se estamos jogando um RPG juntos e eu digo que estamos em uma floresta, mas você não acha que estamos em uma floresta, tudo para até descobrirmos se estamos ou não em uma floresta.

Adoro essa definição porque ela foca na essência do que fazemos juntos: tentar chegar a um acordo sobre o material imaginário nas nossas cabeças. Independentemente do seu jogo ter classes, combate ou até personagens, a imaginação compartilhada é a atividade central dos jogos de RPG. Isso é o que os diferencia. Nota máxima. Sem ressalvas.
 
O que é um jogo de história (story game)?

Eu, anos atrás [2]: um jogo narrativo é um jogo de RPG onde a contribuição de um jogador não é determinada pelas habilidades do personagem. Ou, para colocar de outra forma:
Um jogo de história é um jogo de RPG onde os jogadores têm influência direta na ficção
Os seus desejos são o que importa, não as capacidades do seu personagem. A alternativa é um jogo de aventura [3] como D&D, onde você decide o que o seu personagem quer fazer, mas o resultado depende das estatísticas dele. Você diz que o bárbaro tenta escalar a parede porque quer confrontar o feiticeiro que matou o pai dele, mas o personagem só tem sucesso se tiver uma alta habilidade de “escalar parede” ou se rolar bem (ou se o Mestre do Jogo permitir). Não importa o quanto você, como jogador, ache que seria incrível se seu personagem conseguisse.
Jogo de aventura: desejos do jogador ➟ habilidades do personagem ➟ regras ➟ ficção
Jogo de história: desejos do jogador ➟ regras ➟ ficção
E porque em um jogo de história o seu personagem (se você tiver um) não é sua única forma de interação no jogo, qualquer coisa que aconteça com ele não limita sua capacidade de jogar, liberando você para deixar coisas terríveis e dramáticas acontecerem com ele. Você pode aceitar ser executado injustamente como um arco de personagem interessante, ao contrário de um jogo de aventura, onde, se o seu personagem está paralisado ou morto, você simplesmente não joga até que isso seja resolvido.

E sim, esse não é o significado original do termo “jogos de história” introduzido décadas atrás, mas eu diria que é o que ele passou a significar. Se alguém chama algo de jogo de história, apostaria que é isso que querem dizer, mesmo que não coloquem em tantas palavras.

Todas essas definições são aninhadas, é claro. Um jogo de RPG é um tipo de jogo, e um jogo de história é um tipo de jogo de RPG. Então, quando desdobramos todas essas definições e as juntamos, obtemos algo como: em um jogo de história, os jogadores criam ficção juntos por meio de uma série de escolhas interessantes. Precisamos concordar com a ficção ou o jogo se desmorona. O que, honestamente, parece muito preciso. Descreve o que realmente fazemos e é um guia forte para criar jogos melhores.

O que é um jogo sem MJ (Mestre de Jogo)?

(Insira aqui minha ressalva habitual de que precisamos de um nome melhor para jogos sem MJ, porque não é produtivo descrever algo pelo que ele não é.)

O termo "sem MJ" é negativo, o que nos leva à pergunta: o que é um MJ? Eu diria que um MJ é um indivíduo que tem controle predominante ou desproporcional sobre a ficção no jogo.

Acredito que tudo sobre ser MJ decorre de controlar a ficção. Se você controla a ficção, determina quais personagens estão presentes, quem pode jogar, o que importa no jogo e o que não importa. Se você apenas ensina ou aplica regras sem controlar a ficção, é um árbitro ou facilitador, não um MJ. A dinâmica social é totalmente diferente. E sim, alguns MJs compartilham esse controle criativo com seus jogadores, mas estão escolhendo fazer isso.

A ideia de que o MJ é uma única pessoa é importante. Se alternamos autoridade sobre a ficção, mas todos respeitamos o que os outros já disseram, não temos liberdade para fazer tudo o que queremos. No fim, todos têm o mesmo poder sobre a ficção. O poder singular de inventar é a essência e a alegria (e às vezes o problema) de ser o MJ — e digo isso como alguém que foi MJ por 25 anos.

Então, com base nisso:
Um jogo sem MJ é um jogo de RPG onde nenhum indivíduo tem controle predominante ou desproporcional sobre a ficção. Todos somos iguais.
Um jogo sem MJ precisa ser jogo de história? Não, mas na prática a maioria é. Você poderia criar um jogo sem MJ onde os jogadores fossem totalmente limitados pelas habilidades de seus personagens e não pudessem influenciar diretamente a ficção.
 
Não Esqueça os Mestres de Jogo

Aqui vai uma ideia meio herética: estou argumentando seriamente que os jogos que chamamos de RPGs não precisam necessariamente incluir “interpretação” no sentido estrito de assumir o papel de um personagem. Novamente, não estamos definindo o rótulo, mas sim descrevendo o que realmente fazemos, e criar e concordar sobre a ficção é o ponto central.

Se você quiser defender uma taxonomia mais literal, onde um RPG deve necessariamente envolver interpretar um personagem, tudo bem. Mas me explique: se RPGs são apenas sobre interpretar personagens, o que os MJs têm feito esse tempo todo? Desde o início dos RPGs, os MJs têm criado mundos, descrito corredores de três metros de largura e colocado cubos gelatinosos nesses corredores para derreter a nossa carne. E a maior parte do tempo do MJ não envolve interpretar um personagem (mesmo que conte o cubo gelatinoso). Eles são criadores de ficção e nossos olhos nesse mundo ficcional. Sim, podem interpretar NPCs [n.t.; non-player characters: personagens não-jogadores. Ou PdM: personagens do mestre], mas isso é apenas uma fração da ficção que mantêm. Dá para jogar uma campanha inteira de D&D sem que o MJ interprete um único NPC.

Se você criar uma definição de RPG que basicamente exclua tudo o que o MJ faz... Eu diria que não é uma definição muito precisa. E, novamente, eu era aquele cara gastando todo o meu tempo criando mundos para meus jogos. Talvez seja por isso que gosto de criar jogos que trazem essa diversão de construção de mundos para todos na mesa.
 
Segue um experimento mental: imagine um jogo onde você interpreta um personagem, mas não há necessidade de criar e concordar com uma ficção compartilhada. Como seria isso? Seria um videogame? Talvez. E sim, videogames têm sua própria categoria de RPGs, mas, embora usem o mesmo rótulo, é uma coisa totalmente diferente. Novamente, o rótulo não é o conteúdo.
 
A Grande Tenda [n.t.; 'big tent', um 'grande espaço' que abarca várias visões]

Eu prefiro a definição de “ficção compartilhada” para RPGs porque acho que ela captura o que amamos nesses jogos. É uma definição que funciona para D&D [n.t.; jogos de aventura], jogos de história e tudo o mais, desde os jogos primordiais como Braunstein [4].

É uma grande tenda, mas essa tenda tem uma borda afiada. Se um jogo não exige que concordemos com uma ficção compartilhada, ele não é um RPG. Em um jogo de miniaturas de combate tático, todas as figuras estão na mesa, todas as estatísticas estão nas cartas. Não importa o que cada um de nós pensa sobre a história de fundo ou o universo maior, então não é um RPG. Poderíamos jogar D&D como um wargame tático? Movendo personagens no tabuleiro, jogando dados e causando dano, sem se preocupar com onde ou por que essa luta está acontecendo? Claro. Mas acho que a maioria concordaria que isso é só uma pálida fatia do jogo real.

Então isto é o que eu penso sobre todas essas categorias de jogos. Essas são as ideias platônicas que borbulham na minha cabeça enquanto jogo, crio e discuto RPGs. Mas ser um bom cientista de jogos é estar disposto a mudar de opinião com base em novas evidências. Se você tiver definições melhores, estou ouvindo.

∞ Ben Robbins ∞

 

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